“VIDA LOUCA, BRASIL MAIS”
Isabel morreu do nada, gente. Pra nos lembrarmos bem que, pra morrer, basta estar vivo – em 2 ou 3 dias ela se foi. Nem tive tempo de realizar a morte de Gal e lá estava Isabel do vôlei – a mais carioca entre as cariocas. Veio o Qatar, a Copa, o machismo, a homofobia, a exploração, a escravização, a criminalização do trabalho, das mulheres, dos gays.
Eu não consigo mais apenas consumir a abertura da Copa sem pensar em tudo isso. Indefectivelmente, penso que a Copa deveria premiar os Países mais pobres, obrigando o Estado a investir em desenvolvimento humano e tecnológico. Que o Qatar seja cheio de dinheiro, ok; mas não basta um estádio que parece um ghutra, uma mascote fofa de ghutra ou seja lá o que for de ghutra, tudo com muita tecnologia e grana, muita grana, mas também discutir e finalmente respeitar o nosso papel na vida, nos povos, no desenvolvimento, no pensamento, na sociedade e no convívio humano. E de novo, ao invés de separar, sinto que devo juntar: nós do gênero feminino inteiro, incluindo as mulheres trans – porque um grande tópico é mais visível do que mil partículas. Discutir o papel das raças na exploração do trabalho humano e sobretudo – na escolha desses trabalhadores. Ao invés de pulverizar micro populações, pressionar com grandes populações, política internacional, direitos sociais e humanos. Nos tornarmos visíveis pra esse mundo machista insano.
O nosso “ex-atual” presidente mostra a sua verdadeira cara e se esconde chorando no canto da parede. Gritos, suspiros, fogueiras de seus fãs. Mas o indiscutível é que quando perdeu, ele não teve coragem nem para colocar suas calças e sair de casa para trabalhar porque o Brasil está com “cara de Mané”, à espera que ele compareça e resolva problemas até 31 de dezembro. E resolver problema não é nomear o pessoal dele escondido, fique bem claro.
É cansativo e ultrajante tudo isso, todos os dias. O mundo se acaba em incêndios, com as pessoas discutindo centavos. E poluindo bastante. Os ursos morrem afogados, as ilhas são submersas, as pessoas vão ter que sair de onde estão – refugiados, despesas, indiferença e infelicidade. Tudo sem visão e sem perdão...
Ideologia é justificativa de atraso político, agressividade, violência, provocação. Religião virou política desde os reinados e a gula pelo poder continua a mesma. Uma gula ancestral, por assim dizer.
Era de Aquário e o coletivo que vai mesmo ter que agonizar para nos vermos de verdade. E quando o presidente eleito do Brasil ousa falar de pobres e comida, as bolsas caem, os economistas têm cólicas, câimbras.
Eu já não gostava de amarelo pela minha natureza. Agora então...
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Isabel Salgado, uma das voleibolistas mais importantes do esporte e pelo que dizem os familiares e amigos uma enorme mulher, um enorme ser humano. Uma atleta que morre de forma completamente imprevista e rápida avisa-nos que devemos manter os cuidados e respeitar os perigos para os poder enfrentar e sempre que possível, vencer. Jair Bolsonaro falou sempre em mimimi, em virar jacaré e desprezou a dor e o sofrimento. Agora que também ele sofre já deve achar que se deve respeitar o seu sofrimento. Respeitar o sofrimento seja de quem for é para pessoas dignas, nobres, humanas.
Direitos humanos, no papel. Lembramos e ensinamos os mais novos que existem direitos humanos, no papel, enquanto eles assistem a mãe a ser desrespeitada, agredida, estuprada e até assassinada pelo pai. Na hora da escolha, o homem sempre é o escolhido, o mais valorizado, mais perdoado do que a mulher, mas na escola ensinamos os direitos humanos iguais para todos. Todos riem, todos dizem piadas, todos zombam dos lgbtqia+, nas costas, mas também todos são os primeiros a comprar as camisetas defendendo os seus direitos nos eventos esportivos. Não esqueçamos que está provado que 100% das pessoas do mundo sentem proteção quando um branco tem uma arma e sentem medo quando um negro tem uma arma. Aprendizagens feitas socialmente – propagandas, filmes, etc – são nossa responsabilidade, não foram coisas vindas do além. Agora em relação ao ambiente, o planeta aguarda os seres humanos amadurecerem ou morrerem por tudo o que fizeram de errado na Terra. Falamos muito, referimos os direitos, fazemos muitos projetos, pedimos muitos apoios financeiros para fazermos as mudanças e reformas necessárias e tudo vai ficando no mesmo lugar. Há 9 anos vivia num lugar que separava tudo no lixo e hoje em dia vivo num lugar que o lixo é recolhido junto – vidro incluído.
O Presidente da FIFA comentou que os europeus deviam repensar os comentários em relação à Copa do Mundo do Catar, já que tiveram ações também muito erradas durante 3 mil anos. Eu fico a pensar nestas coisas, como fico a pensar no que o povo português já fez de errado na história e isso significa que eu devo permitir tudo o que de errado acontece, porque o meu povo também já errou? É assim? Eu vejo alguém a matar alguém e fico calada porque afinal os portugueses trouxeram milhões e milhões de africanos para a América e os escravizaram e maltrataram? Se alguém me agredir na Bahia, vou deixar porque outros portugueses trataram mal essa pessoa ou a família dessa pessoa? É mesmo assim que se resolve a história? É assim que se resolvem os erros? Então ninguém pode exigir que a vida melhore, já que todos nós já fizemos coisas erradas. Então em relação ao clima e ao ambiente nada vai acontecer. Todos dizemos que queremos que o planeta volte a ser limpo, mas fomos nós que o sujamos portanto nada podemos exigir a nós nem a ninguém.
Olhe, me deixe viu?
4 anos de comportamentos e comentários esquizofrénicos de um líder de um país e nada aconteceu e agora o mundo cai porque o novo presidente, que ainda nem começou o mandato, vai no avião X, diz Y, recusa Z.
A mulher mantendo-se olhada como um objeto e silenciada como alguém capaz de se igualar ao homem ou até de ser superior a ele, o negro e principalmente a negra sempre tratados como inferiores e invisíveis e menores, a população LGBTQIA+ tratada como pária.
Um diretor da FIFA diz que é gay e tudo se resolve com a população LGBTQIA+ no Catar e em todos os países em que tem pena de morte para gays? A cerimônia de abertura da Copa tem um dos atores mais famosos do mundo, o negro Morgan Freeman e tudo se resolve? Mais nenhum negro sofrerá discriminação nem será agredido ou assassinado só porque existe? Mulheres nem é assunto.
É muito assunto, é muita poluição. Melhor ouvir um pouco de Beethoven, pelo Youtube, mas de repente entra um barulho irritante de um anuncio moderno. Eles acham mesmo que quem deseja acalmar com Beethoven vai prestar atenção ao anúncio? Ou olha o espaço onde indica que os segundos vão passando para sair dali daquela coisa que não tem nexo? Que estudos fizeram para descobrir esta forma de fazer publicidade? Acho melhor cantarolar uma música que Gal Costa cantava, pelo menos aí não preciso aguardar a publicidade, nem ter publicidade a interromper...pode é sair mais desafinado, mas paciência...
Ana Santos, professora, jornalista
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