“TEXTO + SUBTEXTO = CONTEXTO” Bug Sociedade
Parece fácil. O texto é o que está escrito, o combinado. O subtexto são as emoções. Aqui vou parar para uma explicação rapidinha: nossa voz é feita de ar expirado. Gás carbônico – CO2 – tóxico, mortal. Portanto, já que teríamos que expelir esse veneno, nós atritamos as pregas vocais e do veneno sai a beleza que é voz. Você ouve William Bonner e aquela maravilha é feita de gás tóxico. Porém, porque é ar expirado, depende totalmente do ar inspirado. Se a pessoa está tensa, correu, está atrasada, com medo, com raiva, a respiração muda, as intenções mudam, a voz muda.
Portanto, o texto é afetado diretamente pelo subtexto e é essa mistura que varia conforme o nosso estado é que tem como resultado o contexto, ou seja, o que entendemos, aquilo que nos faz qualificar uma pessoa como falsa, agressiva, fofoqueira, irônica. Muda o batimento cardíaco, muda a respiração, muda a intenção, muda a voz.
Mais um dado. A comunicação humana nasce de fatos que são simbolizados através de palavras. Alguém fala “mesa” e imaginamos que todo mundo imagina aquela tabua horizontal com quatro pernas, mas não sabemos quem imagina de vidro, de metal, madeira, grande, pequena, oval, quadrada, retangular. Percebeu porque parece tudo fácil, mas é complexo?
Tudo isso pra chegar ao tema: o debate. E pra dizer que se você tem a palavra, tem o poder de partir de fatos (isso é obrigatório, se você não quiser enrolar) e projetar coisas que quer fazer. Estimular a imaginação da gente, de tal modo que todos consigamos imaginar o que vai ser feito, a partir de fatos. Claro que se pode falar de “invasão alienígena”, “fogo do inferno” ou que “o homem do saco” vai te pegar, mas se espera um pouco de realismo do ouvinte, também. Eu vou me deter apenas em um fato porque o debate teve muitos detalhes:
A educação do Brasil precisa melhorar. É um dado histórico. Na pandemia então, a coisa degenerou. Ninguém apresentou nenhuma solução para que as crianças tivessem aulas e, portanto, elas ficaram sem estudar nada dois anos. Desaprenderam, esqueceram, se envolveram com outras questões, perderam a rotina, desenvolvimento, etc.
Candidato 1: Vai fazer um mutirão nacional para tentar recuperar o tempo perdido com os governadores. Uma coisa genérica que poderia ter sido melhor explicada, se ele tivesse falado em distribuir sinal de internet de tal hora a tal hora no Brasil, com professores engajados e super bons em explicar – pode fazer isso? Não sei. Na Ucrânia, o Musk manteve o sinal, por exemplo. Aqui a dimensão é diferente, mas...
Candidato 2: Falou de um aplicativo onde as crianças juntam letras, formando sílabas: c + a = ca e assim por diante. E quem não estiver mais com idade de juntar sons, fonemas, letras ou chame como quiser? Não sei. Não sabemos. Qual a utilidade de juntar c + a, se você não sabe o que fazer com isso na leitura ou na escrita cursiva? Não sei. Como “seno e cosseno” se inserem no c + a? Não sei. Na Universidade, por exemplo? Não sei. No segundo grau, por exemplo? Não sei.
Avaliando os fatos, o que parece mais próximo de uma organização, uma ação do executivo de um País? De um discurso que mostra um caminho a ser perseguido? De um objetivo nacional?
É indiscutível.
Se juntarmos a isso a operação da comunicação, então... os dois têm a língua presa, ok. Um é bem mais rouco que o outro, ok. Mas a operação da comunicação junta texto, subtexto pra gerar contexto, certo? Quem quis nos comunicar suas intenções? Pelo menos perifericamente – e isso é uma crítica. Mas quem falou coisas que basta não estar gravemente enfermo de Alzheimer pra se achar num papo totalmente marciano? Não imitou pessoas arfando de falta de ar, por Covid? Economia dando show? Deflação de alimentos? Onde? Petrolão e orçamento secreto pra mim significam que o Centrão tem que morrer - e segue o barco porque a fome aqui ta braba.
Comunicação é terrível quando você acha que pode abrir mão dos fatos, sabe? Nem vou falar do “pintou um clima” ou da afronta à Nossa Senhora Aparecida, mas vejam: os fatos influem. Todos os fatos influem.
Hoje o meu Bug Sociedade vai ter a conclusão que vocês decidirem dar. Juntem fatos. Como se disse largamente no debate: Deem um Google.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
“Brasil, o rocambole” Bug Sociedade
Viver e aprender. O bolo de rolo é um doce típico da região de Pernambuco. Uma massa fininha, enrolada como o rocambole, recheada com goiabada. Uma delícia, com aspeto de trabalho de filigrana. Não é barato, não é para todos.
Até ao final do ano, chegarão a Salvador, 100 cruzeiros. Um recorde. Os passageiros têm à sua espera música e nativos dançando. A quantidade de pessoas que ocupam os Resorts é também impressionante. E na costa do Brasil, e não só, existem Resorts por todos os lados, literalmente. A vida até parece diferente, o mundo até parece perfeito. Tem várias modalidades mas uma das mais apelativas é a de tudo incluído – “All Inclusive”, com tudo o que puder imaginar: a hora do camarão, da carne, do peixe, da lagosta, dos doces, etc. O álcool, esse é a qualquer hora e em todas as variantes e nas quantidades que quiser. É impressionante e assustador. Mais impressionante é perceber que as pessoas que suportam todos os serviços necessários para este “sem limite de excessos” são os nativos, são os negros, são os pobres. E estes são os pobres que conseguiram a “oportunidade”, os sortudos, os eleitos das suas comunidades. Impressionante como os anos passam e as formas de exploração se aperfeiçoam para parecer algo que não é e para esconder o que permanece – a escravatura do século XXI presente, sempre presente. É a sua terra, você não usufrui, você se desfaz para que os turistas saboreiem tudo o que a sua terra tem de bom...e que você não tem nem tempo nem condições de saborear. Uns fazem o rocambole, os outros comem. Como mantemos isto? Porquê mantemos isto?
As zonas turísticas da cidade de Salvador estão controladas por radar, câmeras, policiais. Algumas zonas só admitem táxis, uber e transportes de turismo. Ninguém quer o habitante a passear, a comprar, a circular. Muito menos seu carro, muito menos seus problemas. O habitante não entra no rocambole para não azedar o doce.
Você compra 1 coco por 1 real nas comunidades em Salvador, mas na praia da linha verde, você paga 7 reais como mínimo. Eta rocambole!
Infelizmente não é só Salvador que tem estas novidades, o mundo é dos turistas, as vantagens, as mordomias, a razão, as vontades, os desejos. Um pouco como o marido que atura a mulher/o habitante mas se desfaz em gentilezas com a amante/o turista. Compra rocambole todos os dias para a amante mas para a mulher nunca compra porque é caro, um luxo sem nexo no meio de tantas despesas da vida com a casa, carro e escola e saúde dos filhos. É adorável ver os excessos no turista, mas no habitante é imperdoável.
Jair Bolsonaro e Lula se enfrentaram ontem, no primeiro de dois debates. As equipes divididas por vasos para não dar confusão, como o Brasil – dividido por mentiras, conceitos, ideologias. Lula veio bem preparado, organizado, com tudo planejado/planeado, com novidades, com brilho no olhar, com olho no olho no povo, com tranquilidade. Estimula as pessoas a sonharem o Brasil que desejam. Apresenta uma postura de quem quer fazer, de quem deseja corrigir o passado. Bolsonaro veio com as mesmas tristes posturas, as mesmas acusações, aquela forma de falar de quem não estudou a matéria e diz sempre as mesmas frases. Parecia um sinaleiro no cruzamento, cumprimentando os transeuntes: “- Ó Senhor Lula...” Fala sempre as mesmas coisas, é um cansaço de vazio. Ou diz uma coisa que por acaso é o contrário do que disse no dia anterior, sabe-se lá o que vai dizer no dia seguinte. Diz numa live “- Rolou um clima, sobre meninas de 14 e 15 anos.” – está gravado. Na madrugada, live de novo, para acusar outras pessoas de terem “fingido que ele disse, o que ele mesmo disse”...que tristeza, que cansaço. Ui, esqueci a novidade que trouxe: um aplicativo para aprender a ler...vê a letra A, clica no A, vê as letras C e A e o aplicativo fala “CA”... Eu desejo muito ter ouvido mal porque até dá pena assistir a momentos como este...
Bolsonaro não sabe fazer, nem comer, rocambole. Lula é rocambole!
Ana Santos, professora, jornalista
Comments