“SEM TANTA IDEOLOGIA E MAIS CIDADANIA” Bug Sociedade
Eu tenho muitas profissões, amo todas e as exerço todas. Continuo sendo fonoaudióloga atuante e, da minha especialidade em comunicação, segui em frente e desenvolvi habilidades para roteiro, direção de teatro, cinema, TV, jornalismo, narração, preparação de atores, docência, etc – e exerço todas essas profissões como segmentos da minha paixão pela comunicação. Portanto, muito mais do que o interesse que a maior parte das pessoas parece ter hoje em dia em falar de polarização e ideologia, sinto que meu papel é cobrar que o mundo funcione melhor para as pessoas – nós – que aqui vivemos e precisamos de um pouco mais de segurança.
Percebo que se precisa construir o momento onde todos baixam a sua bola – o mercado, o empresário, os governos – para olharem para o mundo. Gente, precisamos evoluir. Não é porque uma coisa aconteceu de um jeito – um amigo, ainda hoje, me disse que o Calabar não tem boas calçadas porque nasceu invasão – que nunca pode ser consertado. Sim, o Calabar, aqui em Salvador, nasceu invasão, mas hoje é bairro – precisa que alguém repense as calçadas. Ao contrário disso, esse problema de estreitamento das vias de pedestres, muitas vezes estrangulamento total, se alastrou para quem anda na rua a pé. É um absurdo completo. No mundo, todo o transporte é feito pensando em quem caminha, mas aqui, privilegia carros. No Canadá, o Primeiro Ministro pega o Metrô junto com as pessoas, caminha onde elas caminham. Aqui, a primeira coisa que se faz é dar um carro oficial pra cada um, separando o eleito de quem o elegeu. Moral da história: daí em diante, nosso encontro com o eleito só se dá de quatro em quatro anos, nas campanhas de reeleição. Ele faz lá obras de interesse ou não, mas nós é que lhes pagamos os salários, dos seus assessores, despesas e tudo que se pode imaginar em termos de gastos, sejam justos ou injustos.
Nem vou falar das emendas do orçamento porque paciência tem limite e não quero perder a pouca que me resta.
Não me importa se o governante estiver mais à esquerda ou direita – há coisas que todos precisam fazer e manter. Educação de alta qualidade não tem ideologia, tem aula boa, professor de qualidade e fatos verídicos. Nada de Terra plana, senhores. Nada de vacina faz mal, senhores. O mesmo para saúde. Sou completamente favorável a que os mais ricos paguem para que os mais pobres tenham melhor atendimento.
Mas não apenas. Os homens – a começar dessas “excelências” péssimas pras quais pagamos os salários – precisam parar com esse negócio de acharem que sabem, podem ou devem “pensar” pelas mulheres. Nós sabemos pensar sozinhas e com deputadinho que gasta o meu dinheiro “colocando peruca pra fazer discurso de gênero”, creio que vivo melhor com as minhas próprias decisões, sem "esse tipo" de ajuda. ESQUEÇAM ESSA HISTÓRIA DE QUE MULHER TRANS NÃO É MULHER! O nome já é "mulher trans" – perceberam? Isso não vai mudar, amadureçam. NÃO SE METAM NA DOR QUE PROVOCA UM ABORTO NA VIDA DE QUALQUER MULHER. Os homens abortam filhos à torto e a direito e normalmente porque abandonam mulheres grávidas sem olhar pra trás. CRIEM UMA LEGISLAÇÃO PARA EDUCAR AS CRIANÇAS A RESPEITAREM O GÊNERO FEMININO COMO MATÉRIA, NA ESCOLA. Nos deixem em paz e trabalhem no que interessa. Somos mais de meio País, afinal e trabalhamos de sol a sol, independente do que a Marinha do Brasil ache ou ponha nos clipes abjetos que inventa. Somos nós, com o nosso trabalho 6x1 que pagamos os marinheiros, os soldados e os brigadeiros. Os que tentaram e os que não tentaram dar golpe de estado. Isso porque a Pátria não foi feita para eles, mas para todos nós. Nós somos a Pátria amada Brasil, esqueceram?
Se somos tanto, se trabalhamos tanto, por que é tão difícil fazer uma reclamação, no Brasil? Umazinha? Por que todos parecem duvidar do que falamos? Por que o rico pagar mais imposto que o pobre é tratado como um sacrilégio imperdoável? A mensagem subliminar é que aqui o povo é mentiroso e golpista. Os governos nos tratam como crianças mal educadas. Não somos assim. Somos calorosos e amigáveis. Somos misturados e gostamos de nos misturar. Somos honestos. Políticas de não agressão, comunicação não agressiva, fala pública, mediação de conflitos deveriam fazer parte da nossa vida. Será possível que só eu perca tempo pensando no que poderia nos ser mais útil? O Bug Latino tem inúmeros programas que tentam contribuir para soluções funcionais porque eu me proíbo de reclamar inutilmente.
Não é aceitável que pessoas sejam induzidas a fazerem e jogarem bombas nos nossos Palácios, em caminhões de combustível, a se matarem na frente das outras, a tentarem provocar reações primitivas. Não é aceitável ressuscitar o projeto de privatização das praias, nos colocando na mão dos especuladores e exploradores da nossa natureza, do nosso mar. Não é possível que se use o pouco que as pessoas entendem do que é falado para manipular a linguagem, torcendo as palavras e fazendo algumas pessoas odiarem quem tem o papel de fazer cumprir a lei. Eu respeito o Supremo.
Queria que esses políticos fossem obrigados a nos tirar de casa, com voto facultativo, ao invés de obrigatório.
Amo a democracia. A ideia de que alguém tenha tido a ousadia de pensar dar um golpe de estado à nossa revelia é insuportável, imperdoável.
O que eu penso não tem ideologia. É apenas exercício de cidadania.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
“Sei que nada sei” Bug Sociedade
De vez em quando, procuro recordar a dimensão real do território do continente africano – que é muito maior do que o tamanho que vemos nos mapas mundo. Quase nada se sabe do que se faz nesse continente, da forma como se trata as pessoas, as mulheres, as crianças, do que se constrói, sobre as inúmeras guerras, como se lida com pandemias, quem manda, quem domina, quem sofre, como sofre. O pouco que sabemos nem sempre é animador e a forma como tratam as mulheres é por vezes aviltante. Ao mesmo tempo os e as mais abastadas viajam de férias para a savana, para a selva, para as praias idílicas, os desertos. Voltam com os olhos brilhando, tamanha é a beleza que tiveram a sorte de conhecer.
De vez em quando, não entendo como o Brasil não é, pelo menos, uma das maiores potências mundiais. Com tamanha riqueza, tamanho território, seres humanos talentosos, destemidos, inovadores, criativos, como isso não é a sua realidade? A China também é “um pedaço de terra sem fim”, mas é autossuficiente. Tem seu próprio WhatsApp, Facebook, Bancos, Indústria, constroem e produzem tudo o que consomem, desde carros a comida. Um país, como uma pessoa, só pode ter sua própria opinião e suas próprias decisões se for autônomo, autossuficiente, independente.
Muito poucas pessoas e poucos países no mundo podem dizer que o são – e tudo está piorando.
Tem uma imensidão de gente que considera que é livre, autônoma, independente, autossuficiente, mas vejam bem, consideram tudo isso e são concursadas, ou continuam o negócio da família, para dar apenas dois pequenos exemplos. Concursados aprendem a sentir-se seguros, fazendo parte, respeitados, mas basta se aposentarem ou decidirem trocar tudo isso por outro trabalho, para perceberem que tudo se esfuma. Num instante deixa de ter e-mail, deixa de fazer parte dos grupos, dos alertas, dos encontros, perde todos os e-mails e contatos acumulados durante décadas se não tiver o cuidado de os guardar antes. Os olhares mudam, os interesses também, você se encontra com a verdadeira realidade. Você dependia, mas não sabia – da senhora que tratava do seu imposto de renda, das suas subidas de escalão, das formações que precisava fazer, dos horários e obrigações, do respeito e admiração que você julgava ser eterno, certo, estável. Como no continente africano, tem muito que não sabemos. Ficamos a saber quando não pertencemos mais a um sistema, a uma organização, a uma família, quando conseguimos mais espaço para as nossas opiniões e decisões. Ou quando, infelizmente, vamos diminuindo as nossas liberdades, espaços de manobra, escolhas, alegrias, pelo fato de aceitarmos fazer parte de movimentos, partidos, grupos, organizações, trabalhos – que escolhemos para conseguir liberdade com esse dinheiro, status, família, amigos, etc.
Sabemos a liberdade que temos? Podemos melhorá-la a cada instante, com parcimônia? Podemos e sabemos ensinar aos mais novos o que pode ser essencial para as suas liberdades? Numa simples conversa? Sem ser um sermão?
Tanto trabalho de casa (TPC). Dizem que devemos começar pelos TPC’s que são mais urgentes, depois os mais importantes, depois os que, sendo mais fáceis e aparentemente insignificantes, podem dificultar a resolução dos mais urgentes e mais importantes. Talvez a primeira tarefa seja perceber que quando sentimos que temos tudo, que controlamos tudo, que conseguimos, que somos bons, que fazemos parte, é quando devemos estar preocupados – porque existe algo numa esquina perto de você para lhe mostrar o quanto está errado.
Ana Santos, professora, jornalista
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