“SALVADOR, DE IMPÁVIDO COLOSSO A ESPECTADOR COMATOSO” Bug Sociedade
Edifício Evian, Jardim Apipema, apartamentos triplex. Chiquérrimo! Isso na rua da frente. Na rua dos fundos, a Desembargador Demétrio Tourinho, uma discussão de anos, se arrasta e arrasta a fiação dos postes, os galhos do flamboyant chique que pertence ao prédio, mas que está doente, podre, soltando enormes e perigosíssimos galhos numa rua onde as crianças da Escola Municipal Casa da Amizade passam todos os dias.
No dia de finados, mais um galho podre – enorme – caiu. Eu estava embaixo da árvore, uma senhora bem idosa também passava no lugar. O momento do estalo é incrivelmente incompreensível – não entendi o que ele queria dizer até que vi o galho se esparramar no chão.
Filmei o local, mandei o filme para um dos moradores. Imediatamente, começa “não é comigo não” – uma frase que deve ser parente do “abracadabra” porque todos os que querem sumir de um local aqui em Salvador, usam o “não é comigo não” pra se sentirem abrigados “dentro da cartola”. Portanto, ele não é síndico, não tem nada a ver com a árvore, embora tenha ficado o último ano inteirinho nos dizendo por escrito que o prédio estava limpando a fossa, enquanto os pedreiros da região viam uma obra bem diferente no terreno deles. Bem diferente tipo pode ser até uma piscina, segundo aa más línguas – mas todos sabem como as línguas podem ser...
Liguei para a Prefeitura e repito: 156 é o endereço da treva – nunca adianta nada ligar pra eles. No meu caso, como a árvore, que é privada, caiu em cima da fiação que é regida pelo poste da Coelba, eles só vem tirar a árvore do meio da rua, quando Deus quiser porque a primeira queixa, referente ao primeiro galho que caiu, já tem meses e não apareceu ninguém. Em tempo: essa mesma árvore já derrubou outro poste antes desse, há alguns anos atrás e nem assim o prédio, o síndico, os moradores, se acham responsáveis por alguma coisa além de seus umbigos.
Nenhum morador além de nós, lá de casa, deu, dá ou dará queixa. A Prefeitura dificulta tanto a atuação do cidadão, que não haver exercício prático de cidadania não é surpresa. O cidadão apenas odeia a forma como a cidade sobrevive, se arrumando toda para os turistas, enquanto dá um chute no traseiro do morador que paga impostos e taxas – e sem nenhum incentivo, nenhum muito bem, cidadão – é chicote de multa, moras e maus tratos mesmo.
Anos em busca de um bendito departamento, setor ou congênere onde o cidadão possa reclamar das árvores privadas sem receber o insultante: “senhora, a prefeitura não pode fazer nada porque o terreno é privado” - quando a morte é pública! O prédio mais chique na rua da frente, nem emboçado é, na rua detrás e nada disso importa para a Prefeitura ou seja qual for a instância a ser acionada.
Procurei um amigo meu, procurador aposentado. Espantosamente, eu já deveria ter denunciado o prédio para a sonolenta prefeitura da cidade por abandono criminoso e negligência – já que a inação do síndico pode matar ou ferir gravemente a outrem. Resta saber a quem devo denunciar porque a Prefeitura também usa a palavra “Mandrake Não é comigo não”, tanto quanto o prédio. Na polícia só se pode falar de fato acontecido: fulano morreu, fulano foi roubado – portanto enquanto a árvore não matar, não ferir, não é caso de polícia.
A pergunta que me queima o peito é: Isso é caso de quem, de quê? Qual é o lugar, departamento, treva ou assemelhado que devo procurar, afinal? Quem é o responsável? Como se aciona a responsabilidade pelo abandono negligente da árvore doente do prédio mais chique da rua?
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
“Olhos abertos e...ação.” Bug Sociedade
Hoje se decide como serão os próximos anos dos Estados Unidos da América e do mundo. Dizem que a diferença na vitória pode ser de 500 votos, numa população de 335 milhões. Nem pensamos muito nisso, mas a vida se decide muitas vezes por detalhes, por pequenas ações, gentilezas, pela diferença de “500 votos num universo de 335 milhões”.
Que humanidade somos, em quem nos estamos a tornar, o que pensamos, a forma como tratamos e respeitamos o outro? Passei a vida inteira a ver pessoas a tratarem muito melhor as pessoas do que elas as tratavam. Relações totalmente descompensadas, elas dando tudo e as pessoas sempre recebendo. Essa tremenda injustiça me construiu com pouca tolerância para relações humanas desequilibradas. Sejam quais forem as relações: de amizade, de amor, de trabalho, de vizinhança, de parceria, do que vocês quiserem, precisam ser equilibradas, justas, trabalhadas de ambas as partes. Como Ana Ribeiro me ensinou, as relações são caminhos de duas vias, precisam ser trabalhadas, desenvolvidas, investidas dos dois lados, senão não são relações, muito menos saudáveis. Uma pessoa dá e a outra recebe, mas isso se inverte e inverte de novo e de novo e de novo. Assim que deve ser.
Tenho percebido que quando dou uma moeda a um morador de rua, na segunda vez, ele quer mais. Dou um pão e da vez seguinte ele já espera mais e mais. Quando um vizinho metido a rico e importante, pede para você tomar conta da cachorra de outro vizinho – e você faz esse enorme favor, por 6 meses - e depois você lhe pede para podar a árvore do prédio onde ele vive – e ele não o faz, e quando um galho enorme cai sozinho, quase matando pessoas que passam na rua, ele diz que não é síndico e nada faz, você percebe que algo está muito descompensado. Estamos todos errados, querendo ter sempre razão, não prestando atenção aos outros, preocupados em resolver apenas o que nos interessa. Podiam ser apenas os moradores de rua a ter essa espécie de egoísmo vindo da necessidade de sobrevivência imediata, todos os dias. Mas os ricos também? Que vivem em triplex? Que podem tudo, mas escolhem apenas poder o que é bom para si mesmos? Que procuram relações onde desejam coisas e são os outros que as fazem, mas quando são eles que deviam fazer a sua parte, não o fazem? Com estas pessoas não se consegue construir relações equilibradas. Portanto não é possível construir relações. Como se vive com estas pessoas? Como se convive? Como se consegue fazer funcionar as cidades, os países, se este tipo de pessoa se desenvolve em quantidades exponenciais?
Quantos de nós, pela vida fora, se doam, fazem, dão, contribuem, se esforçam pelos outros e na hora dos outros terem oportunidade para retribuírem, nada acontece? E a gente acha que deve ser porque daquela vez não podem. E vem a segunda oportunidade, a terceira, as outras todas. E em cada uma, existe uma desculpa, uma razão para nada acontecer. E precisamos entender que ali não é terreno fértil para construir – é seco e envenenado demais.
Precisamos investir mais nos chamados multiplicadores – pessoas que são boas, que constroem, que sabem dar e receber, sabendo manter as relações equilibradas e ensinando a outros as mesmas qualidades. Precisamos valorizar os que dão o seu tempo e esforço pelos outros – não são bobos, são pessoas exemplo. Precisamos pressionar a dar os que apenas querem receber. Precisamos acelerar o tempo que demoramos a agir, a contribuir, a realizar coisas. Demorar 9 meses para apresentar alguém que pode mudar a vida dessas pessoas é errado.
Aguardamos que a vida faça o que a vida aguarda que a gente faça. Esperamos que as pessoas se doem tanto como nós, mas elas não o vão fazer sem a gente lhes dar um empurrãozinho. Aguardamos que milagres aconteçam, quando os milagres estão nas nossas mãos e ações. Não desistir é lema. Procurar soluções, também. Permitir todo o espaço aos errados, nunca, nem permitir que nos tirem do caminho.
Ana Santos, professora, jornalista
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