Como começa uma ruptura? Do macrocosmo do Brasil, está havendo uma agora, nesse instante. Mas muitas outras estão acontecendo ou aconteceram na pandemia. Já estamos diante de nossos espelhos dia a dia. Sem retoques.
O que parecia apenas uma palavra nova, há pouco mais de um ano – pandemia – virou um pesadelo, no Brasil. Mortos por todos os lados, doentes crônicos, mais de 500 mil por Covid e outro tanto talvez igual ou maior por falta de vagas para os outros doentes se internarem.
Um presidente que vê a miséria fazendo seu “churrasquinho” com bifes que custam o que nenhum brasileiro normal paga por nada que se coma nessa vida. R$150 por um bife e a gente aqui na geral morrendo de tudo e sem espaço de nada.
As pessoas, em suas casas, poderiam criar um pouco mais de espaço e de convivência, mas não – eles preferem as normas e as pequenas discordâncias que custam caro emocionalmente. Porém, grandes mentiras parecem não custar nunca nada para quem as diz. Assim, as emas – irracionais – apontam a ruptura como saída e saem correndo do “Mr President”, ali, patético, com uma caixinha de Cloroquina na mão – a decisão mais racional que foi tomada até agora.
Nós, presos em casa pelo vírus, parecemos ir acordando do estado vegetativo que fez com o “Mr President” acreditasse que aqui bastava fazer uma filinha de motos e pronto. Isso pode colar lá em Brasília, onde os puxa-sacos são bactérias muito presentes, mas onde ninguém mais come bife nenhum, a consciência fica cada vez mais plena. E o que os olhos viram? Machistas reunidos, rindo da morte. A nossa.
No microcosmo da vida, as rupturas também são respostas. Você cede porque ama e a pessoa pensa que é covardia? O amor lhe dá a esperança que só você vê e não serve para o casal? Há uma norma rígida para uma só pessoa, enquanto a outra se sente espaçosa para reclamar, ruminar, ofender e humilhar? Você se espanta de só ver aquele sorriso sorrir para as outras pessoas? Então já viu seu peito rachando. Não tema. É a ruptura. Em todos os cosmos, ela antes dói. Mas não se conforma mais, não quer mais o Status Quo, quer mudanças. E quando isso acontece, Mr President, ou se vê que ali é a linha do limite ou você está diante da mudança. Da ruptura.
Somos 220 milhões de almas sofridas no Brasil, diante de uma linha divisória composta de mortos, doentes e lágrimas. Portanto, Mr President, você ainda não viu nada.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
O mundo é um sistema bizarro. Um lugar onde é necessário aprender as regras, ditas e não ditas e onde é necessário cumprir essas regras se quiser sobreviver.
Ensinamos às crianças o que é a honestidade, a verdade e a justiça e quando elas crescem percebem que afinal tudo é diferente. O mundo não é nada assim. As regras mais poderosas são as não ditas, desditas, malditas. E quem não as aceita nunca terá uma vida confortável. Quem não as aceita terá uma vida de rupturas difíceis. E se ensina que rupturas é mau, devem ser evitadas.
Os que estão mal procuram roturas., porque não têm outra saída. Se rompem, se dilaceram, se rompem, se dilaceram...
Os ritos, rituais e hábitos deixam os seres humanos confortáveis. E cada vez com menos vontade de rupturas. Elas parecem atrapalhar a organização serena da sua vida. Ui rupturas, que coisa aborrecida e cansativa. Deixa estar assim. Assim está bem.
Tudo isso complica um pouco mais quando é um país, uma nação, que se habitua ao conforto e não estimula nem permite as rupturas, elas – as rupturas - vão acontecer na mesma, porque fazem parte da vida. E quando aparecem sem as pessoas estarem preparadas, nem aceitarem, nem concordarem, custa muito mais, dói muito mais, o sofrimento é mil vezes maior.
A pandemia é uma ruptura do universo, nos avisando de tudo o que fizemos de errado com o planeta, com o ambiente, com a natureza. Uma ruptura aparentemente inesperada mas que afinal todos provocamos. Todos nos sentamos no conforto dos nossos hábitos aguardando que tudo se mantivesse na mesma, sabendo que dificilmente isso iria acontecer. E esse conforto é também deixar os pobres, pobres, os que sofrem sofrendo, desde que eu tenha as minhas comidinhas saudáveis, os meus materiais recicláveis, minhas férias planetárias e esteja bem. Esse conforto é egoísta e venenoso e trouxe-nos aqui – pan.de.mia...para todos...
Rotura/ruptura. Pode provocar dano parcial ou total. O reparo é bastante diferente. No dano parcial tudo se mantêm aparentemente na mesma, a função é que se altera bastante. No dano total, não adianta fazer de conta que nada aconteceu porque tudo muda muito. Já não é possível fazer o que se fazia antes. Não mais. Ou então dali a muito tempo.
Quando tudo vai piorando ou quando tudo piora de repente, uma ruptura deve estar chegando, como uma onda que se está formando sem vermos.
Pode ser a vida que te coloca rupturas para te obrigar a modificar, analisar, rever, alterar, aprender algo.
Podem ser roturas que você sente necessidade de fazer na sua vida.
Seja o que for. É a sua vida, suas rupturas e seu caminho. Não é quem tem mais dinheiro, mais poder, mais sorte, mais saúde, quem aceita o jogo, que vai dizer a você o que é para fazer ou que rupturas aceitar. Seja você, estrangeiro, mulher, gay, tenha a cor que tiver, o que seja. Suas rupturas, seu caminho. Sua vida. Siga, pare, mude, permaneça. Suas rupturas, seu destino. Seu. Sem regras não ditas, inventadas, ameaçadas, ludibriadas. Faça de você, você. O que dizem, digam. O que acham, achem. Ninguém destrói você. Nem as rupturas...
Ana Santos, professora, jornalista
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