“RE-CLAMAR É QUE É PECADO” Bug Sociedade
Reclamar é clamar duas vezes. Solver é dissolver, pagar, saldar. O que a gente vê nessas campanhas cada vez mais capengas, nesses discursos patéticos dos candidatos daqui? Re-clamações. Algo como a visita da sua tia esclerosada, que reclama do copo dentro da pia, do jeito que você põe a roupa pra lavar, do pó em cima daquele móvel que você esqueceu, mas não contribui com rigorosamente nada.
Re-solver é apresentar soluções, planos, planejamentos. O candidato a prefeito está falando de aborto? Pode colocar no time da tia “esclero”. Aborto não pertence a nenhum departamento da prefeitura porque envolve soluções nacionais. Não que esses deputados panacas de Brasília tenham cabeça pra resolver alguma coisa que pertença a atualidade, mas certamente não é o vereador, nem o prefeito que vão tratar do assunto. É falação. “Encheção”. Mentira.
Re-clamando dos usos medicinais da maconha? Balaio da tia esclerosada de novo e pelo mesmo motivo: não é uma solução que possa ser votada e mudada de cidade para cidade. É nacional. E sim – temos que aguentar essas “intanhas da Câmara”, esses “estranhos” falando que “maconha é pecado”, quando a ciência aponta cada vez mais qualidades para o canabidiol, vindo da mesma cannabis – e claro que de “pecado” a cannabis não tem nada, mas isso é o suficiente para os “religiosos de ocasião” inibirem a evolução da medicina e com ela a busca de novas soluções para dor, câncer ou para a epilepsia, por exemplo.
Os candidatos querem o voto dos fieis religiosos: caia na real e ponha o pé atrás. Eles querem a obediência muitas vezes “cega e surda” às palavras do pastor, do padre ou seja quem for. Portanto, separe quem re-clama, de quem quer re-solver coisas. Quem só põe defeito e não contribui com nenhuma ideia nova que seja para a cidade, não merece voto. E o pastor, o padre, o pai de santo, não podem e não devem se meter no seu voto; não podem pedir votos. Pra ninguém.
Temas nacionais tabu, também não entram numa eleição municipal – era só o que faltava.
O candidato começou a usar o nome de Deus em vão, corra. Começou a falar que as crianças não podem ter aulas de educação sexual na escola, corra – toda a educação escolar nasce de políticas nacionais. Começou a falar que cada pessoa tem autonomia pra não tomar vacina, corra! – a saúde pública nasce de políticas nacionais, onde as pessoas precisam obedecer ao chamado e se vacinarem. Se a ideia for de aprender a ler em casa, sem convívio social, corra! – todos precisam aprender a conviver. O que não é convivência, é segregação. Você quer prender seu filho em casa? E quando você morrer, ele morre junto? Saia dessa.
Enfim, parece uma coisinha à toa, mas votar é muito sério. Você bobeia, vai nas águas de um líder religioso ou de alguém que não seja apenas e unicamente você e 700 mil pessoas morrem. Assim, ó – parece mentira, mas a tal “gripezinha” matou mais de 700 mil pessoas que “tinham que trabalhar e cuidar da economia do Brasil”.
Prefeito cuida de lixo, coleta, luz, poda de árvore, alguma coisa de transporte. Cuida das árvores, do meio ambiente, apresenta um planejamento contra enchente. O seu candidato só fala em Deus? Desconfie da honestidade dele. Porque ele está largando pra Deus coisas que o prefeito recebe salário pra resolver. Salário que você e eu pagamos todo os meses, nunca esqueça.
E não aceite re-clamação no lugar de re-solução nunca mais. Se deixar enganar, sim, é pecado.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
“Exausta” Bug Sociedade
Exausta, mas feliz, é tão diferente de estar exausta e triste. Ficamos presas no cansaço, esquecendo essa força incansável de viver com alegria, com interesse, animadas com o que estamos construindo. Quando estamos cansadas e não conseguimos dar nem mais um passo, é porque estamos mais tristes e desanimadas. Porque se estivermos entusiasmadas, conseguimos fazer mais um pouco, dar mais um passo, resistir mais um pouco.
Os telejornais, os políticos, gostam de dramatizar, de nos assustar. Bem na hora do almoço ou do jantar, nos injetam imagens e notícias terríveis do sofrimento de outros seres humanos. Cada vez mais desgraças, apresentadas de forma ameaçadora, intimidadora. Diminuindo a nossa energia para construir. Como se nós tivéssemos culpa do que aconteceu, ou para sentirmos culpa de estarmos melhores naquele momento, culpa de estarmos em casa segura e confortável, com banho tomado, jantando uma comida fresca e saudável, com a nossa família bem.
Se estamos mal, deve ser porque não fomos capazes de ser fortes, mas se estamos bem é como se fossemos insensíveis ao sofrimento de outras pessoas.
Parece um complô entre os Mídia e a Política, uma armadilha, um cerco aos nossos pensamentos. Até a forma como se incentiva as pessoas a, por exemplo, praticar esporte, é com faro comercial. Estimula-se todas as pessoas a competir em maratonas, a frequentar academias ou pilates, mas não se incentiva as caminhadas, a natação, a jardinagem, a marcenaria, participar nas obras de sua casa, nas arrumações, na limpeza, na culinária. Parece que tudo tem de ser feito para dar lucro a alguém, para ser visível. Um profundo erro. Viciar as pessoas nas redes sociais, no uso do celular, em assistir telejornais envenenados de problemas, de desgraças, com quase nenhuma notícia positiva – o desequilíbrio é assustador. Com publicidade mais apelativa para alimentos envenenados, sabendo que são envenenados. Com publicidade para empréstimos bancários, dizendo que a pessoa tudo pode. Realmente tudo pode, até se destruir financeiramente e isso levar à sua destruição moral. Como se não bastasse, agora, temos uma inundação de publicidades de apostas que aumentam cada vez mais – bet isto, bet aquilo. Me expliquem, não era proibido apostas e jogo no Brasil? Foi tudo liberado? Porque é só gente famosa ou poderosa participando nessas publicidades e isso é um incentivo enorme, e absurdo, para as pessoas apostarem. Nos intervalos de qualquer competição esportiva – por vezes nem necessita disso – somos induzidas a jogar, a apostar. As redes sociais já o fazem, prometendo um número aproximado de aumento de visualizações. Viciar em nome do desenvolvimento.
Me assusta este mundo que estamos vivendo, construindo para destruir, desanimar, viciar, envenenar, brigar, dividir. Isso sim me provoca exaustão e desânimo. Me empurra para não dar mais nem um passo nesse sentido. Me obrigo a ir em direção das caminhadas pela natureza, da alimentação vinda da terra, de tudo que não seja comercial, nem viciante, nem vazio. De lixar, proteger e envernizar tubos enferrujados, tentando mantê-los vivos e úteis. De participar, aprender ou assistir a quem se dedica a cuidar de coisas de minha casa, que eu não sei fazer. A fugir de telejornais absurdos. De multidões pagando para correr. Pagando para correr... Não é correr, é dizer aos outros que corro. Não é ir de férias, mas sim mostrar aos outros para onde fui nas férias.
Exausta...
Ana Santos, professora, jornalista
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