“A cidade dormiu cedo.
A lua ilumina o céu, vem a voz de um negro do mar em frente.
Canta a amargura da sua vida desde que a amada se foi.
No trapiche as crianças já dormem.
A paz da noite envolve os esposos.
O amor é sempre doce e bom, mesmo quando a morte está próxima.
Os corpos não se balançam mais no ritmo do amor.
Mas no coração dos dois meninos não há nenhum medo.
Somente paz, a paz da noite da Bahia.
Então a luz da lua se estendeu sobre todos,
as estrelas brilharam ainda mais no céu,
o mar ficou de todo manso
(talvez que Iemanjá tivesse vindo também ouvir música)
e a cidade era como que um grande carrossel
onde giravam em invisíveis cavalos os Capitães da Areia.
Vestidos de farrapos, sujos, semi-esfomeados, agressivos,
soltando palavrões e fumando pontas de cigarro,
eram, em verdade, os donos da cidade,
os que a conheciam totalmente,
os que totalmente a amavam,
os seus poetas.”
Jorge Amado
“Arquivos Líquidos”
“aos cuidados da chuva
entrego minhas preces
molhadas no pranto diuturno
d’outras retinas
irremediavelmente chora a humanidade que não se conhece
mas
se
sabe
irmã
chuva arquivo
rasura no peito
dor coletiva
e
em cada um
dos teus pingos de sangue
brota um bordado rubro
nano atualizado
na paleta
d’ esperança”
Andrea Mascarenhas
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