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Poesia do Princípio


Amélia Carvalheira

“Avesso das Coisas”

“O universo quer voltar ao princípio

porque tudo está demasiadamente duro

demasiadamente perverso

 

A borboleta deseja voltar ao casulo

porque, lá, ela se sente protegida

da excessiva dureza da vida

da descomedida perversidade dos homens

 

A criança chora com saudade do ventre materno

onde ela era livre

onde o cordão umbilical era laço que unia…

 

Aqui fora, a criança chora

e reclama a ausência

infligida pela pressa das horas

do tempo que nunca sobra…

 

É preciso colocar, de novo,

as coisas no prumo!

 

Vai, criança!

Não dá mais pra voltar pr’o ventre

Então, segue em frente

e desavessa o mundo!”

 Ilza Carla

REIS, Ilza Carla.

Poemeadura. Ilhéus, BA: Mondrongo, 2018.

 

 

 

“Um dia para sempre”

“à minha mãe, Anatália

 

 

minha mãe morreu hoje

não rezei, não abracei fotografias, não xinguei deus

ficou tudo como estava:

a máquina de lavar, a rua, o tempo, a casa

 

minha mãe morreu hoje

há nove anos seu corpo horizontal e imóvel

me enterra num velado silêncio de velório

 

minha mãe morreu hoje

desde então vivo sem perdão

– sem o colo em que me encolho

para, criança, em vão, acreditar de novo –

 

minha mãe morreu hoje

todo esse tempo, sem por que nem pecado

sem deus ou diabo, sigo só:

homem sem fé, mas culpado.”

Jorge Silva

Publicado em: Enegrescência, Ogums Toques, 2016.

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