“O REALEJO DE VINHO”
“Para quem me queira ouvir:
Sou um homem aos frangalhos.
Parte por culpa de tudo.
Parte por culpa de nada.
E digo mais ao casual
Ouvinte deste relato:
Não sendo herdeiro nem rico,
Não tenho crédito na praça.
Amo as japonas escuras
De mangas e tudo vasto.
E os colarinhos puídos
Uso desabotoados.
Ao pôr a minha gravata,
Fabrico um laço bem largo.
E acho triste andar com ela.
E mais tristes as gravatas.
Eu nunca faço questão
Que uma roupa seja cara.
Mas ampla e, sendo possível,
Com certo ar desesperado.
Eu prefiro aos bons charutos
Um velho e forte cigarro.
E odeio fumar cachimbo
Pois sou muito angustiado.
No mais, um vento me agita,
Interior e largado.
E me devasta os cabelos,
Rosto, sorriso e palavra.”
Affonso Manta
Salvador, Bahia
“TERCEIRA ELEGIA”
(trecho)
“Estive sempre de pé no ônibus, espremido
[entre o ferro
da cadeira e o rumor dos passageiros.
Educado a ser o último, cedi o lugar a gestantes
[e idosos.
Estive sempre de pé no ônibus, me defendendo
ao largo do corrimão de tantos rumos,
alianças e ponteiros com paradas diferentes.
E o brado irritante do cobrador ainda a exigir
um passo à frente.
O fato de não ter sido é mais trabalhoso
do que a fama. Prossegui a me imaginar,
sondando o que poderia ter vivido.
Disperso, anônimo, no comício do mar
e nas trevas.
Diminuindo o risco, reduzimos a possibilidade
de nos libertar. O medo, o medo, o medo
é o que nos faz escolher.
Descobre-se um amor
na iminência de perdê-lo.”
Fabrício Carpinejar
Caxias do Sul
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