Para mim e para os que se lembrarem de mim, sempre estará ali o domingo, as laranjas, o mar, o vento, a vida. Para os que ali estiverem, um dia estará também a despedida.
1. Poesia indicada por Bug Latino
“Para comer depois”
“Na minha cidade, nos domingos de tarde,
as pessoas se põem na sombra com faca e laranjas.
Tomam a fresca e riem do rapaz da bicicleta,
a campainha desatada, o aro enfeitado de laranjas:
‘Eh bobagem!’
Daqui a muito progresso tecno-ilógico,
quando for impossível detectar o domingo
pelo sumo das laranjas no ar e bicicletas,
em meu país de memória e sentimento,
basta fechar os olhos:
É domingo, é domingo, é domingo.”
Adélia Prado
2. Poesia indicada por Maria Lúcia Levert
“O POEMA”
"O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê,
O poema alguém o dirá
Às searas
Sem passagem se confundirá
Com o rumor do mar com o passar do vento
O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento,
No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas
(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)
Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar as suas ondas,
E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema no tempo… "
Sophia de Mello Breyner Andresen
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