Não sei bem quando o conjunto dos brasileiros deixou de olhar para o lado e ver que dividimos espaço com pessoas, todas elas diferentes entre si. Talvez por isso não ter ficado bastante claro, ao tropeçarmos em pessoas que nos pedem comida, eles não perceberam que o Brasil estava ficando faminto. E cada faminto deixou uma dor no coração do Brasil, na gente.
Houve um distanciamento estranho – do tipo sentimental - entre os que torciam pelo presidente que não se reelegeu porque eles pararam de ver a dor ao seu redor. Milhares de pessoas – centenas de milhares de pessoas morreram de Covid e não tinha importância tomar vacina ou obedecer aos médicos que pediam distanciamento – o do tipo social. E apesar da palavra “distanciamento” ser a mesma, o conteúdo, o significado que lhe foi dado soou sempre tão diferente, pra nós, entre nós.
O tipo tão diferente de distanciamento nos rachou. E metade mais um pouco de nós acham a falta de generosidade da outra parte quase que uma coisa imperdoável – embora saibamos que temos que nos unir. Numa briga de irmãos, por mais que um bata no outro, sabe que não dá pra machucar demais – senão se perde muito em termos de reclamação e castigo de mãe ou aborrecimento de pai. Precisamos perceber isso e consertar nossos absurdos nos entendendo. Porém:
Nazismo não dá. Se vocês ainda não ligam pra motivos humanitários (a nossa rachadura principal), decorem: é crime ser nazista, no Brasil. Vocês vão querer ser presos e reclamar da vida ou vão entender que muita coisa – MUITA MESMO – do que esse presidente que se vai falou eram crimes?
Preconceito também não dá. Quem nasce no Brasil e não se reconhece como mestiço é amplamente cego. Quem acha que é mais estrangeiro que nativo por ser filho ou neto de imigrante é um tipo de idiota despatriado porque, em outro País, será visto como brasileiro sempre - SEMPRE MESMO. Quem sabe então começa a se aceitar como nativo de um País mestiço, aqui no Brasil? E a nos aceitar como somos?
Fome, problemas com o pensamento científico e desmatamento também não dá. E isso é o mínimo necessário pra vocês saírem dos memes e voltarem à rotina da vida real. Afinal, somos um País rico, que não precisa mais ser explorado, colonizado – nós podemos ser mais do que plantadores de capim de pasto; podemos ser tecnológicos, solares e brilhantes – e somos!
Separar alguns estados prejudica muito vocês – o Sul já se auto desmatou e depois imigrou para o Centro-oeste e Amazônia para – adivinha – desmatar lá também. Aprendam novos truques porque esses, não pode mais. É muito atraso matar as pessoas e deixar o pasto para as vacas – se elas sobreviverem aos problemas de clima que foram criados.
Kintsugi é uma emenda feita de ouro derretido, aplicado em vasos que rachavam. O Japão criou o recurso para valorizar suas obras de cerâmica. Precisamos do ouro da nossa generosidade e simpatia para consertar esse tanto que foi rachado em nós, enquanto povo. Muita coisa não é aceitável, mas não éramos assim e podemos voltar ao que éramos. Se esses nazistas já existiam, eles precisam ser presos. Não é aceitável separar, diminuir, explorar, violentar, machucar e matar ninguém. Não é razoável se impor pelas armas, ao invés de ideias – e claro que vocês sabem disso por serem brasileiros. Não é razoável ter preconceito de nenhuma espécie. Com tudo isso, se recomponham e se juntem a nós todos. Somos ouro. Somos o Brasil.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Amigos sempre me contaram como era desagradável saber que as “pessoas” falavam deles, quando sua mãe ficou doente ou morreu, quando desperdiçaram dinheiro ou foram à falência, quando, enquanto família, atravessaram momentos difíceis, feios, desprestigiantes. Nunca viam solução só viam desastre, fim, destruição. E também me falaram que quando a vida entrava nos eixos ou até voava de sucesso, as “pessoas” ficavam em silêncio ou então se lembravam subitamente de quanto os amavam e do quanto lhes queriam bem. “Pessoas” sempre lembravam o passado menos bom, os defeitos dos outros, mesmo falando sem fundamento. Tinham uma arma para arremessar: “- que bom que venceu mas afinal agora vai fazer igual ou pior. Não podemos esquecer o que fez...” As “pessoas” são sempre uma entidade que sabe tudo dos outros e nada dela própria e da sua vida. Tem dificuldade em acreditar na possibilidade de vencer contra máquinas devoradoras, de alcançar os sonhos, de enfrentar seus medos. Prefere se manter na “vidinha” e não gosta que outros tentem, tentem, tentem.
O que o Brasil precisa fazer é muito difícil. Não será perfeito? Talvez....mas melhor do que o que existia, sem dúvida. E quem é perfeito mesmo? Não atrapalhem. Deixem quem quer fazer, fazer. Foi tirado tanto aos seres humanos que vivem no Brasil sem luxos, com a conversa de pessimismo, intimidação, amedrontamento, vazio intelectual, deselegância, esvaziamento. Precisa ser recuperado, mas não é só quem está ou vai para o Governo. Não fique sentado aguardando o milagre chegar. Todos precisamos fazer um pouco. Os que perderam e não saem do amuo, precisam crescer e somar. Acorde para a vida. O que pode fazer? O que sabe e pode ser útil para outras pessoas? Vamos, faça algo. Os ricos e os muito ricos precisam ser mais humanos, mas aqui é mais lenta a situação. Quase parada. Sonho com o dia em que os ricos e muito ricos aprendam realmente a viver, aprendam que o que fazem não tem valor nenhum.
Como estava não podia continuar. Íamos em direção ao abismo... Ouvir comentadores portugueses, que admiro tanto, falar no passado do Lula como uma razão para preocupação, me preocupa mais ainda. Vocês têm ideia do que foi viver estes 4 anos no Brasil? Vocês souberam de tudo o que o aconteceu de terrível por aqui? Como podem estar apenas preocupados? Não nos tirem a alegria, não venham poluir a esperança, não venham com ideias agoirentas. Tipo, o Vinicius Júnior foi escolhido para a seleção...mas pode se lesionar até lá...
Ser gente é também olhar a realidade complexa, difícil e não fugir, nem apontar defeitos para desistir. Ser gente é ir, seguir, fazer o melhor possível com o que se tem e deixar de desculpas, de desculpas e de desculpas.
A vida parece ter atingido Lula com a arte de kintsugi ou kintsukuroi – “a arte japonesa de reparar com ouro objetos em cerâmica quebrados. Desta forma, o que está quebrado não é jogado fora e acaba adquirindo um grande valor.” (trecho retirado do site greenme) Façamos isso conosco, com a nossa vida. Tudo sempre tem conserto, tudo sempre tem solução. Tudo pode ser transformado e melhorado. Mas temos de ser nós a buscar, a fazer, a acreditar, a lutar. Nada cai do céu...nem a Pátria, nem a Família, nem Deus...
Ana Santos, professora, jornalista
Kintsugi
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