Poucos sabem o que significa o termo aporofobia, mas ele faz parte da vida dos brasileiros no dia a dia. Infelizmente, não só aqui. Ninguém sabe? Aporofobia significa aversão aos pobres. Como ela faz parte da vida dos brasileiros cotidianamente? Invisibilizando a pobreza e os pobres. Não existem garis, nem faxineiros de shopping, não existem mendigos, catadores de latas, papeleiros, carroceiros e se existem, recebem nomes difamatórios. Não existe "bom dia" pra eles, não existe “com licença”. A sociedade apenas passa por eles reclamando. De alguma forma, os pobres atrapalham a visão de desenvolvimento, economia forte, gigante adormecido em berço esplêndido, Pátria amada Brasil “pum, pum purupumpum” ou coisa parecida.
O silêncio dos refugiados que apenas desapareceram na pandemia grita. Ninguém ouve falar e sobretudo – ninguém se lembra de perguntar onde eles estão agora, se a Covid os afetou, se eles têm como se salvaguardarem. Apenas a notícia “refugiado” foi substituída pela notícia “Covid-19”. Mortos de um lado, mortos de outro e o destaque vai para os ricos e famosos que por acaso – apesar de bons médicos, hospitais e atendimento – também morreram.
Podemos justificar dizendo que com Trump e Bolsonaro fazendo de tudo para ocuparem a página principal fica mesmo difícil nos lembrarmos dos pobres, mas... a vergonha está em saber intimamente que eles não podem assumir tantas culpas quanto gostaríamos. Essa, por exemplo, eles não podem.
Temos horror de ficarmos pobres. No Brasil isso é um pânico, uma fobia. Ser pobre significa esquecimento, abandono, inferioridade, insignificância, discriminação e preconceito. E daí começam a aparecer diversas somas adversas: se você for pobre e branco, se for pobre e preto, pobre e mulher, pobre e trans, pobre, negro e trans... se a polícia te parar e você for pobre, pobre branco ou preto, e trans... E mesmo que o policial seja tão preto quanto você, pelo menos ele não é gari, nem trans e sobretudo – não é pobre. POBRE, POBRE, POBRE, POBRE.
Quanto de aceitação sobra para os pobres? Quanto da sua aceitação sobra? Quanto de espaço dividimos enquanto sociedade com os pobres? Quanto de atenção damos aos meninos nos sinais? Uma vergonha um País onde muitos milhões de nós são como fantasmas perambulando pelas ruas. Pobres. Sinônimo de invisíveis. Fantasmas. Animais. Bandidos.
Escute o silêncio da aporofobia e perceba o grito no seu peito. É de vergonha. Não é privilégio pagarmos duas coisas para termos uma, no Brasil – é a estupidez do status. É estúpido uma escola pública para pobres e outra, privada, para ricos. É estúpido uma saúde para os pobres e outra para ricos. É estúpido pagar duas vezes pela segurança que não temos. É ESTÚPIDO. Alô você, com três salários, que finge que não me vê – sim, você é estúpido. Alô você, que não estuda porque seu pai paga tudo e nada parece afetar seu mundinho – você também é. Minha herança, dada por minha mãe, foi estudar. Minha proteção, meu mantra. Deixou meu olhar agudo e a casca grossa.
Aporofobia é para ser denunciada num País onde ter dinheiro parece ser ainda um salvo-conduto. Acredite: pode parecer que é, mas não é. Porque existem os que olham nos olhos e dizem: ESTÚPIDOS.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Se nunca assistiu a uma entrevista da filósofa Adela Cortina, precisa de o fazer urgentemente. Uma das filósofas mais importantes do nosso tempo. Escutar suas palavras é sentir a companhia de justiça, da honestidade, da responsabilidade, da coerência. Um ser HUMANO. Um caso raro hoje em dia.
Criou uma palavra nova - aporofobia. Encontrou no léxico grego a palavra “aporos” – pobre - e uniu a fobia, definindo aporofobia como aversão ou desprezo aos pobres. Uma palavra que faz agora parte do dicionário de língua espanhola. Nos alerta para alguns enganos. Não são os estrangeiros, negros, homossexuais, mulheres, etc, que muitos na sociedade rejeitam. Na verdade são pessoas com estas características, mas pobres, porque Pedro Almodovar todos amam, Barack Obama e Oprah Winfrey, também. Jorge Jesus, treinador português foi venerado por 40 milhões de brasileiros, no mínimo. Os refugiados não são tratados assim. O problema não está aí. Juntos dos ricos todos procuram estar. O problema social grave está quando um ser humano é pobre, doente, sem abrigo, necessita de ajuda. Sendo negro, pior, homossexual, pior, estrangeiro, pior, mulher, pior. E devia ser tudo ao contrário não era? Deveríamos estar junto dos que precisam, de quem podemos ajudar. É um absurdo pensar que fazemos tudo ao contrário, em conjunto, em sociedade. Vamos na maré, na onda, na rajada de vento e nem olhamos para o que não fazemos, para o que se passa junto de nós. Olhamos para o que nos interessa silenciando a dor e o desespero dos que precisam. Ignorando a urgência de problemas graves que precisam ser resolvidos no imediato...como a fome, por exemplo... Por outro lado, quem sofre, pede ajuda como lhe é possível, mas vai sendo abafado e enfraquecido pela lentidão de ações, pela invisibilidade, pela falta de recursos, de informação. Pela falta de igualdade de oportunidades, pela falta de democracia, pela presença monstruosa do silêncio cego e hipócrita dos que têm e desprezam os que não têm – aporofobia.
Não esqueça nunca esta palavra e tente fazer algo para que ela não seja tão determinante na vida de tantas pessoas. Um turista com dinheiro é sempre bem tratado, mesmo que muitas vezes seja explorado. Um refugiado é considerado um problema, um aborrecimento, que se tenta ignorar.
Julgo que seria bom que as pessoas “pensantes e atuantes” da Bahia, do Brasil, de Portugal, do Mundo, pudessem ocupar um pouco dos seus pensamentos tentando encontrar estratégias para solucionar esta cegueira e este silêncio que despedaçam qualquer sociedade, tornando-a cada vez mais vazia, perigosa e insegura. Que os responsáveis pela educação, respondam a estes problemas com rapidez e assertividade. Dizer que vão fazer, dizer que estão preocupados, deixar o tempo passar, reunir, reunir, reunir, preparar projetos pesados burocraticamente e horrorosamente lentos, chega a ser vergonhoso quando as pessoas precisam de ação. Existem milhões de pequenas ações gratuitas e rápidas que se podem integrar na sociedade com efeitos extremamente positivos. Dá uma dor de coração ver o tempo passar e tudo ficando pior para os que precisam, quando os que podem fazer, mergulham em papéis e guerras políticas.
Os que sabem têm responsabilidade para com os que não sabem e precisam agir, ajudar nas suas especialidades. As referências sociais positivas e saudáveis precisam ser mais visíveis do que as referencias negativas e nocivas – grande responsabilidade dos mídia, para além das Prefeituras e Governos. Cuidado com o que fazemos e dizemos, principalmente estando junto de crianças e jovens. Sem saber, nem querer, somos sempre exemplos. A população precisa ser ensinada a lidar com preconceito, a saber agir, saber prevenir, saber atenuar. Tantos especialistas académicos que podiam contribuir aqui. Se alguns não têm plataforma para divulgar seu conhecimento, o Bug tem as portas escancaradas sempre. Trabalhei mais de 20 anos em educação e fico doente vendo a lentidão das melhoras e a rapidez da destruição. O Bug faz e sempre fará a sua parte, no que pode, rezando para que quem pode, possa se apressar nas ações. O bonde está fugindo, escorregando...
Por último, quando podemos fazer projetos que têm continuidade? Em vez de existirem por um ano, 6 meses e não aproveitar esse início de caminho? Sempre a começar de novo não leva a lugar nenhum. Damos tantos “tiros nos pés” que nem sei como ainda temos pés...
“Se cair 7 vezes, levante 8.” Provérbio Japonês.
Ana Santos, professora, jornalista
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