Antigamente – um antigamente bem próximo – as pessoas queriam alcançar metas, ultrapassá-las e esse resultado, esse somatório de coisas era o sucesso. Mais antigamente ainda, muita gente obedecia ao desejo familiar, seguia uma tradição e tentava ser feliz com a adaptação do que os pais queriam, naquilo que seria o seu exercício de trabalho. Ou então, como aconteceu comigo, você definia sua carreira baseado naquilo que gostava verdadeiramente de fazer e se jogava numa projeção mental, no seu ideal. Eu amo uma parte da fonoaudiologia – a linguagem – e trabalhei muito tempo mesmo tratando afasias, gagueiras, atrasos de linguagem, etc. Mas nunca me conformei em ter que esperar as pessoas adoecerem para entrar na vida delas. Esse foi o meu gatilho para mergulhar em comunicação profissional e estudar direção, preparação vocal, dublagem, telejornalismo, oratória e tudo ao redor do que se chama linguagem proposicional – linguagem humana pura, na veia.
Viu que não falei em dinheiro? Viu que não falei de fama? De indicação política pra cargo? Porque nesse antigamente, a maior parte das pessoas não pensava nisso. Os Beatles não pensaram nisso também, nem a Oprah Winfrey. E ficaram multi, mega, blaster milionários.
Então, qual é o objetivo de se ter como meta apenas ser famoso? Não precisa fazer nada, realizar nada. Apenas as pessoas entenderam que podiam arrumar seguidores sem fazerem nada propriamente pra chamar a atenção deles. Você aparece na rede e compra, dança, posta coisas estranhas, polêmicas, faz fofoca, aparece pelada – aquilo que na minha época a gente chamava de pendurar melancia no pescoço – só que em larga escala, por causa da internet.
O problema é que ficar famoso assim, não te dá realização nenhuma. Precisa ter uma propulsão interna, o motor pro foguete subir e você não ficar pra trás de você mesmo, do seu desejo, da sua vontade. Outro dia eu estava pensando que muita, mas muita gente mesmo é infeliz durante a semana pra gastar seu dinheiro no final dela e beber, encher a cara, esquecer, virar a noite, beber mais ainda, perder o juízo... pra encarar a segunda de ressaca, mau humor, naquela rotina, com aquele chefe, aquele serviço - blegh.
E se fosse pra ganhar menos com uma coisa que te desse um prazer de um milhão de dólares e menos dinheiro no final de semana? O que se pode fazer e ter prazer sem pensar em lucro? No último final de semana ficamos aqui em casa organizando a poda de uma árvore problemática no meio da rua. Ganhamos em vê-la, ali de frente de casa, poderosa de novo. Houve quem viesse reclamar porque ela não ficou tão bonita da sua janela, mas os galhos podres saíram, o perigo acabou, o poste que estava torto não vai mais cair e os cabos que caíram podem finalmente ser consertados. Ganhamos tudo isso, mas nenhum dinheiro.
Portanto, talvez seja melhor, ao invés de dar mais passos à frente, dar um atrás e se perguntar: o que é o sucesso pra mim? Só fama é sucesso? Só dinheiro é sucesso? Sucesso é encher a cara no final de semana? Talvez você se espante com a resposta e passe mais algum tempo com os velhos da sua família, com as crianças da escola do lado ou mesmo abandonando o curso onde você vai ter a clientela que herdou de seu pai, mas nenhum prazer no exercício daquela profissão. Talvez você tenha a coragem necessária pra sair da frente do seu computador pra encarar uma visita com seu cachorro a um hospital ou mesmo a ficar e conversar com seus pais - e entender o que se passa na cabeça deles ou fazê-los entender o que se passa na sua cabeça.
O fato, é que o sucesso não é ficar sentado sem pensar em ninguém, só esquecendo que você existe. Sucesso envolve as pessoas, a felicidade que a gente pode dar a elas e trocar com elas. Sucesso é muito mais que fama e muito, muito mais que dinheiro. Atrair fama e dinheiro com o seu sucesso se chama realização. Mas se você não realizou nada ainda, então talvez seja melhor realizar, antes de sofrer pela falta de fama.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
“O que é o sucesso?” Bug Sociedade
Talvez algo que ninguém sabe o que é. Talvez algo que não interesse verdadeiramente. Talvez um conceito da sociedade de consumo só para nos desorientar. Talvez complexo. Talvez difícil. Talvez inútil. Talvez uma armadilha!
A criança nasce. Muitas pessoas já pensaram por ela, na vida que desejam que tenha, em como chegará ao sucesso pessoal e profissional. Tudo muito pensado, muito programado, decidido. Escolhidas ações, coisas e amigos, experiências controladas, desejos de futuro profissional determinados. O lugar onde vai viver, os países que vai conhecer, onde passará férias, o número de filhos. O amor se confunde com controle, o filho como meio de obter sucesso na vida, ser alguém perante a sociedade através da função de pais. A sociedade aponta, os párias são os que não casam, os que não têm filhos, que não têm curso superior, que não têm casa, carro, nem férias em resorts. Não tiveram sucesso. Os outros, que cumprem todos os cânones, os perfeitos. Tiveram sucesso. Um conceito tão bizarro, tão patético, tão destrutivo que as pessoas correm para se casar com medo de serem consideradas anormais ou menores pelos outros e até por si próprias. A coisa entranha-se. Fazem cursos que todos aprovam, compram casas que outros querem. E essa criança não tem espaço para se descobrir, para escolher, para sentir, para ter a vida que era para ter. E vai pelos caminhos que provocam sorrisos e alegria aos que ama e a acompanham na vida, acreditando que todos sabem como se faz. Mas não sabem. Não souberam para si muito menos saberão para os outros. A criança descobre tristemente tudo isso, já adulta, quando um dia se olha no espelho e vê que a única pessoa que não está feliz, a única que não sorri nesse percurso e nessas escolhas, é ela.
De alguma maneira se perdoa tudo de ruim aos que aguentam estar onde todos querem que estejam. Uma troca. Eu aceito as borradas que fazes e tu fazes o que eu quero que faças. E de alguma maneira tudo se tenta menosprezar, ridicularizar, silenciar aos que escolhem o seu verdadeiro eu, caminho, destino. Parece tudo uma farsa onde todos precisam fingir. Se alguém decide não fingir, expõe os outros. Não é permitido. Ou, para pertencer ao clã, não é permitido. Persiste? Então silenciosamente deixa de fazer parte. Silenciosamente se pune quem não cumpre o estipulado. Quem decide caminhar seu caminho, seguir o apelo da vida. Não adianta castigar ou impedir, mas as pessoas não entendem. Não entendem que o verdadeiro sucesso é dentro que se sente. Não adianta matar a planta, se ela escolhe viver. Se ela tem algo importante para fazer. Mataram Martin Luther King, mas não mataram seu legado, sua chama, que persistirão para sempre nos iluminando o caminho. Como Marielle Franco e tantos outros mais. Não se cala nunca as vozes nem os desejos dos que estão aqui para contribuir para um mundo melhor. Podem matar a pessoa física mas não matam nunca a chama. Podem asfixiar, mas não conseguem impedir a construção. Podem excluir mas caminhos não faltam para os que sabem o que fazem aqui.
Amir Klink, uma das personalidades mais incríveis do nosso tempo, ajuda as filhas da melhor forma que sabe – dando e ajudando...NADA. Dando a elas a escolha, a procura, a luta pelo que querem. Nada dando, está dando tudo o que importa.
Gloria Maria, uma das mais incríveis jornalistas brasileiras, assume-se como realista. Vive sem pensar no pior, nem no melhor. Refere mesmo que sonhamos só com o céu azul mas que sempre aprendeu que a vida tem céu azul, mas também tem nuvens cinza. E é assim que vive a vida. Talvez uma excelente definição de sucesso seja uma das suas expressões: “Eu tenho medo, mas não deixo nunca que ele me paralise.” Frase de quem, numa época em que ninguém saía do seu país, deu várias voltas ao mundo, subiu 2 vezes aos himalaias, acompanhou guerras, invasões de embaixadas, enfrentou um tumor muito agressivo no cérebro, esteve internada com covid19.
David Fonseca, um dos cantores e compositores mais famosos em Portugal diz que não vive pensando no sucesso. Nem sabe o que isso é. Olha a vida – é formado em fotografia e cinema – reflete sobre o que vê e exterioriza a sua interpretação, através de imagens e das músicas. Talvez por isso seja tão criativo, original e um homem que transborda felicidade, energia e boa disposição. Vive tentando apenas fazer bem o que gosta. E você?
Ana Santos, professora, jornalista
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