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““O PREÇO” DA CIDADANIA FEMININA AINDA É O ASSÉDIO?” e “Hora de empurrar esta pedra” Bug Sociedade


Contorcionista, 1952. Alfredo Ceschiatti Bronze, Fotografia retirada do Site Enciclopédia Itaú Cultural

““O PREÇO” DA CIDADANIA FEMININA AINDA É O ASSÉDIO?” Bug Sociedade

Como a campanha eleitoral não respondeu a nenhuma das minhas questões, a eleição não me emocionou. Continuo sem saber para onde as pessoas devem ir, quando chover muito. Continuo sem saber como, numa cidade com tantas mulheres fortes, continuamos desqualificadas para sermos votadas como vereadoras – uma meia dúzia de gatas pingadas, apenas.

Portanto, sobrou a vergonha, a perplexidade de ver mais uma mulher relatando violência sexual na TV – dessa vez, Anielle Franco, a ministra, a irmã de Marielle – assassinada em pleno Estácio, no Rio de Janeiro. Mais um caso de violência contra mulheres, contra o gênero feminino - que os homens olham para o lado e fingem não ver.

Há poucas semanas, postamos um programa sobre o tema, que repasso e indico: https://www.youtube.com/watch?v=H4eKd56Pr_w&list=PLY7KxWqpXlFhABLS0RlBbgbY2CIwLHige&index=93 . Há anos, tentamos chamar os homens para discutirmos a questão do assédio. Se fala muito de exercício de cidadania, de responsabilidade social, muito se fala em criar leis “que nos proíbam disso e daquilo”, os homens votam “não aos “contraceptivos”, queriam “votar sim” à criminalização do aborto; nem querem falar de aborto. Entretanto, acham praticamente casual assediar mulheres – que não têm para onde ir, naquele momento, não sabem o que fazer. Falam de cidadania, mas não abrem acessos. Na verdade, o “sistema masculino” nos cospe com inúmeros nãos. E assim, os homens assediam, violentam, estupram e, quando abandonados, voltam com facas e revólveres, ácidos e pistolas para matar, ferir, queimar. E mentem. Mentem, mentem, mentem. A culpa é sempre nossa, claro. A gente nem pode falar do desespero que é engravidar de um estupro, mas o aborto masculino é propalado, alardeado.  Afinal, “largar uma barriga em cada esquina” é quase como um atestado de qualidade máxima de machismo.

Todos vão para o Instagram tirar a selfie do papai rezando – é quase obrigatória, nas campanhas eleitorais. Mas a DR, a discussão da relação entre o gênero masculino e o feminino, eles estão nos devendo.

Cidadania é só uma palavra; é falar da cidadania que interessa aos homens ou é pra valer? Porque Anielle tinha vergonha ao falar do caso. Profunda. Quanto mais princípios te passam, mais vergonha se sente, é lógico. Quantos homens vieram à público falar do assunto? Quantos propuseram leis que coloquem a questão do machismo como parte da educação de uma criança, na escola? Quantos assumem seu machismo e tentam mudar? Quantos, ao verem uma mulher ser assediada no ônibus, no trem, tentam defendê-la do tarado? E a palavra certa é tarado mesmo. Um homem que não sabe se controlar é animalesco, tarado. Quem disse que o vagão rosa “que prende a vítima, ao invés dos tarados” é uma coisa justa? Tudo isso os homens inventaram. Isso é cidadania? Então, para resolver os problemas com o crime, os legisladores acharam uma “boa ideia” prender as vítimas numa prisão cor de rosa, deixando os tarados soltos? E isso é a representação da justiça para o gênero masculino...

É tão cansativo assinalar sem parar que a questão da cidadania não é resolvida num debate ou numa aula, mas em união para criar acesso aos nossos direitos. E vejam: Nem chegamos na discussão da ousadia que é um homem acreditar que sabe alguma coisa do feminino, quando nem sequer respeita a possibilidade de uma mulher trans fazer xixi num shopping. De uma mulher hétero não querer um filho de estupro. De uma mulher lésbica se casar com outra mulher.

Cidadania é um exercício. É um passo a passo. Os homens precisam entender que ouvir é um desses passos. Cidadania é abrir o acesso à busca do direito. E o direito, amigos, é universal. Nunca – NUNCA – masculino, apenas.

Portanto, os homens heteronormativos estão nos devendo.

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV

 

“Hora de empurrar esta pedra” Bug Sociedade

Acabei de ouvir a entrevista que a Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, deu no domingo no Fantástico. Acho que você deve assistir também. Está aqui. Se for do gênero masculino, assista e não desconfie, não duvide, não invente razões para colocar este assunto noutro lugar que não seja o de defender o gênero feminino e pensar junto em como podemos mudar e melhorar as relações humanas e acabar com estas vergonhas que sofremos diariamente. Se for do gênero feminino deve assistir e perceber que todas precisamos ter esta coragem e não calar. O silêncio é ambiente para este tipo de “verme” crescer. Os títulos, os cargos, a fama, a mulher, os filhos ou filhas, afinal protegem suas investidas, seu machismo, sua maldade e sua falta de pudor. Tristemente pode aproveitar sua luta contra o racismo, seu cargo de Ministro dos Direitos Humanos, para continuar a obter vantagens vergonhosas sobre o gênero feminino. Quem iria desconfiar? Quem iria ter a coragem de falar? De apontar algo errado? Uma enorme pena, uma enorme vergonha, um enorme retrocesso social, quando ainda existem pessoas que camuflam suas maldades na construção de uma família perfeita, profissão perfeita, cargo de poder perfeito. Como as pessoas que vivem do lado, permitem? Como ainda as protegem? Como as que assistem, sabem de tudo e se calam? Como conseguem? Que raio de seres humanos somos quando deixamos à solta, desprotegidas, as pessoas que têm coragem para enfrentar estes vermes?

Quantas pessoas precisam ser afetadas para que a sociedade machista pense que talvez seja verdade? Quanto sofrimento a mulher precisa de sofrer para que a sociedade machista se mexa e se importe? Quanto tempo a pessoa precisa ser maltratada para que a sociedade machista resolva agir, considere que talvez haja algo de verdade naquilo? Porque é que sempre que o gênero feminino se queixa é considerado exagero, mentira, aproveitamento, vitimização, fraqueza, invenção, etc?

Ou...

Todos sabem o que se “passa” mas deixam assim?

Todos desconfiam mas nem se mexem para tentar saber se alguém precisa de ajuda?

Todos sabem mas todos consideram que é assim que as coisas são?

Todos sabem e como existem coisas piores, aquilo é considerado algo sem valor?

Ninguém fala para não perder suas “vantagens”?

As pessoas não podem falar porque os pais do “verme”, pressionam todas as pessoas, intimidam, ameaçam excluir, ou retirar privilégios? E ninguém quer ficar fora do grupo que se diz o que tem valor?

As pessoas fazem de conta que não sabem porque a pessoa está em cargos de elevado poder?

Tem sempre uma razão para as pessoas não se mexerem, não falarem, não é? Sempre o medo de perder vantagens, privilégios, oportunidades, medo de deixar de fazer parte dos que são eleitos, dos jantares, dos aniversários, dos piqueniques.

Não é só um problema de homens, ou de alguns homens, é também um problema de mulheres, das mulheres que defendem estes homens, que nada do que eles fazem está errado.

Por tudo isto e mais um monte de razões. Porque também eu preferi fazer parte das pessoas que não fazem parte desses grupos onde entra quem se cala, quem aceita, quem permite. Sei bem como nos calam, como nos humilham, como tentam nos reduzir a nada. Sei bem como é importante olhar para o que interessa, seguir apesar de todas as tentativas de enxovalharem a nossa reputação.

Viver na verdade, com a verdade e pela verdade vale muito mais do que qualquer riqueza, fama, poder.

Eu aplaudo, admiro e me emociono com o que Anielle Franco fez, da maneira nobre como o fez, com os cuidados que teve – caminha em cima de pólvora. O mundo machista político não lhe vai admitir nenhuma falha. Ela sabe disso. Felizmente é negra senão iam atribuir toda a situação ao racismo e não conseguiríamos começar a enfrentar socialmente, os assédios morais, sexuais, estupro, violação, assassinatos ao gênero feminino. Começar. Mas como quando empurramos uma enorme pedra, ninguém pode recuar, ninguém pode desistir. Somos poucas, ainda. Se alguma falha, a pedra volta para trás. E o pior é que a pedra volta para trás com movimento, ficando mais atrás do que o que estava. Entendem? Não falo de pedras, falo de movimentos humanos que funcionam como pedras em movimento. São precisas mais e mais pessoas. As que estão precisam ficar. E o esforço precisa ser grande e constante. Não temam o que vão perder. Não perdem nada, apenas perdem o que achavam que tinham. Repito, não temam o que perdem. Lutem pelo que merecem ganhar, obter, construir. Merecemos melhor. Ninguém vai fazer por nós.

Ana Santos, professora, jornalista

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