FIM DA OLIMPÍADA – SE O MUNDO NÃO MUDOU, NÓS O EMPURRAMOS PRA MUDANÇA.
Quando vemos aqueles jogadores de futebol desobedecendo frontalmente um contrato com o Comitê Olímpico, com aquela atitude marginal, não informal, pensamos que ainda falta muito ao Brasil. Ai, nem diga, nem pense que não estamos sozinhos nessa conta porque estou com preguiça. Que Brasil queremos? Esse? Ou nos faz mais gosto ver Isaquias Queiroz dedicando sua medalha aos que perderam suas vidas para a Covid? Agradecendo a todos, como Hebert?
Queremos o vexame de ver Medina tendo que justificar pelas redes sociais o motivo de, na sua agenda, não haver hora para vacinar-se numa pandemia? Não numa hora qualquer – numa pandemia! Ou devemos nos espelhar em Ítalo Ferreira quando ele diz que queria sua avó viva para compartilhar com ela a medalha?
Devemos lamentar o fato de o time masculino de vôlei, cheio de machões, ter ficado entre os tiques nervosos e o salto alto – que quebrou até pra Argentina? Ou devemos olhar com firmeza pra Rayssa, Darlan e Rebeca e reconhecer neles realismo, humildade e o verdadeiro espírito olímpico, brasileiro, que nunca se entrega? Aliás, Ana Marcela, Bia, Hebert repetiram a dose de realismo e humildade – quantas, além de mim, nem querem olhar pra medalha de ouro do futebol? Quantos, além de mim, querem uma equipe que mostre que é equipe, que tenha coragem de ser contra um campeonato da CONMEBOL e saiba se comportar como adulto num pódio, pelo amor de Deus? Estamos admitindo que existe a possibilidade de aceitação de gente afrontosamente mal educada no Brasil, só porque é famosa? Isso é porque já está assimilado que o presidente é mal educado?
Mas eu não quero assimilar nada disso.
Há alguma coisa aqui que devemos impor. Educação. Lisura. Honestidade. Então o Comitê Olímpico parece que vai processar a CBF. Os jogadores vão pagar com o mega salário deles ou seremos nós, nós, nós? O presidente anda sem máscara e quem paga a multa somos nós? Não quero. Ser mal educado é problema dele. Não usar máscara é decisão dele – se fosse de Estado, eu estaria com o dedo na sua cara, tenham certeza.
A Olimpíada acabou ontem, vimos a maravilha que Paris prepara e me pergunto se teremos alguma nação indígena incólume, até lá. Distinto público: Teremos? Não falamos do assunto e ele some, como sempre fazemos no Brasil? Nem sei dizer como me sinto acabrunhada com isso. Há três denúncias contra o presidente na Corte de Haia e ninguém fala que os povos originais estão sendo exterminados. Aliás, falando em coisas a fazer: as Confederações vão organizar palestras nas escolas, dadas pelos nossos medalhados? Ninguém precisa conhecer Rayssa? Pode ser online. Ninguém quer saber nada sobre Rebeca, Daiane, Marcela, Isaquias? Ninguém quer conhecer suas histórias, falar com eles? Alguém vai discutir o salto alto do Allisson com um psicólogo esportivo ou fui só eu que ouvi a forma como ele falava com o parceiro?
A Olimpíada acabou e eu não quero me lamentar porque o esporte não tem incentivo – quero exigir que ele tenha. Sou eu que pago. Eu sou o povo, o ser sagrado. Quem quer ser elite, vá ser sozinho.
Eu sou o povo. Eu sou do povo. Me respeitem, senhores. Porque o povo também pode ser do tipo consciente.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
“O final de uma Olimpíada” Bug Sociedade
E agora? Noites mal dormidas, dias ensonados, que valeram por conhecer mil histórias de vida, mil momentos de superação e poder ver esportes que nunca passam na televisão. Voltar ao sono regular e seguir a vida. De vez em quando, em momentos chave, parar para analisar o que foi feito, o que pode ser feito, o que deve deixar de ser feito. E seguir, com os olhos no que desejamos alcançar. E os atletas que terminaram a sua carreira? Os atletas que, mesmo continuando, sabem que nunca mais vão a uma olimpíada? Os que já pensam em Paris 2024? Os que não foram a nenhuma olimpíada mas se preparam para a próxima? Ou para Los Angeles, 2028? E os treinadores? Continuam? São trocados? Decidem não continuar? E as confederações e federações? Vão apoiar menos? Igual? Mais? E as televisões? Vão voltar para Futebol e pouco mais? E o jornalismo escrito? Vai voltar ao futebol e pouco mais? O que acontece? Muitas vezes para o cidadão normal parece que tudo desaparece e depois, magia, cerimônia de abertura de novo...
O que cada um pode fazer para que Paris, 2024, seja mais produtivo, mais saudável, mais equitativo, mais justo? Menos sofrido? E também ter em mente Los Angeles, 2028, se possível? O que se senta no sofá pode continuar a procurar saber destas pessoas incríveis que assistiu. Eles têm redes sociais, principalmente instagram, canais de youtube. Visite, apoie, acompanhe. Dê visualizações e curta os seus conteúdos saudáveis. Tanta coisa que se curte e visualiza que não contribui para um mundo melhor. Equilibre as coisas um pouco. Isso também faz bem a você. Faça parte. Não os esqueça. Eles merecem e precisam.
Televisões de sinal aberto, todos os esportes precisam passar, ser divulgados. Sempre. E de uma forma positiva, construtiva. Isso pode ser útil e rentável para vocês. Aumenta o emprego (tem demasiados jornalistas desempregados), aumenta a diversidade de interesses do público, aumenta a grade de programas. Repetição de programas tem um limite razoável, a partir do qual as pessoas passam a evitar/enjoar. Essa visibilidade aumenta muito os patrocínios (e valores) dos eventos o que permite aumentar os apoios e patrocínios dos atletas. Isso valoriza todos os esportes, valoriza a saúde, valoriza a vida. Permite que muitas crianças e adolescentes conheçam outras possibilidades, para além do futebol. Todos sabemos disso. Mas tudo precisa ser feito com bom gosto, com boas intenções. Programas de horas e horas com conversa sobre atletas, jogadas, guerras de clubes, parecem apenas ocupação de grade televisiva e isso empobrece todos. Vamos tentar todos ser “olímpicos”, mesmo entre olimpíadas.
Patrocinadores, apoiar um atleta é também um ato cívico. Não é só rentabilizar a vossa marca. É algo mais. Abandonar um atleta durante a pandemia é um ato inqualificável já que deveria ser exatamente ao contrário. Melhorar o apoio em fases difíceis é um ato de altruísmo e que todos agradecem, afinal os resultados são sentidos como um povo. Vocês têm muita responsabilidade sobre o futuro do esporte e esperamos muito de vocês. Desejamos que sejam humanos, responsáveis, ponderados e, acima de tudo, que percebam que com os vossos gestos, fazem um país muito feliz. Seja qual for o país. Adquiram especialistas ou perguntem a especialistas quais os atletas novos que merecem investimento. Não o façam só com os que têm os caminhos “facilitados”. Esse passo é tão importante... Estas possibilidades podem fazer tanta diferença...
Confederações e Federações, por favor cuidem muito bem da seleção dos jogadores/atletas. Contribuam no que for possível para o respeito de todos, e exijam o respeito e cumprimento de regras estabelecidas. Os atletas vão representar o seu país, não vão de férias nem têm direito a fazer tudo. Mas também não podem passar necessidades para representar o seu país a este nível. Respeitem suas diferenças, as suas carências. Quando não os respeitam, isso abre caminho para qualquer um os desrespeitar também. Apoiem o final de carreira dos vossos atletas, emocionalmente e abrindo caminhos profissionais para o seu futuro. Os atletas são o vosso maior patrimônio e um dos maiores patrimônios de um país. Sem eles não existe confederação ou federação. Atletas e treinadores que obtiveram sucesso devem poder contribuir para o futuro da modalidade. Principalmente os que obtiveram o que mais ninguém obteve. A escolha e manutenção de treinadores precisa ser baseada em competência, competência e competência. Não há milagres... Se não for assim, todos perdem. Os atletas australianos e americanos, após os Jogos Olímpicos, viajam juntos pelo país, visitando escolas, clubes, para estimular crianças e jovens a querer competir a esse nível. Porque outros países não o fazem? Ou Estados desses países?
Por último, mulheres, negros, pobres, lgbtqia+, são grupos minoritários no apoio e no respeito. Minoritários na escolha. Isso precisa mudar. Um país pode se transformar numa potência mundial, numa referência mundial, se perceber todos como um, todos como sorte, todos como resultado, todos como progresso. O talento sobra na rua, mas sem apoio nem saída, vira problema. O que escolhemos? Vamos juntos até Paris, 2024?
Ana Santos, professora, jornalista
Commenti