Ouvi essa frase ontem e estremeci – ninguém morre de terremoto. Morre da falta de planejamento, de descaso, de corrupção. Morre-se de muita coisa, mas não se morre propriamente de terremoto.
Suei frio quando projetei o pensamento e o trouxe para o Brasil. Porque ninguém morre de chuva. Morre de os governos entrarem e saírem recebendo relatórios sobre clima extremo e fingindo que isso não é seríssimo num País cheio de construções erguidas em zonas proibidas, em áreas sem esgoto que enchem. Ou pior: fingindo que não existe clima extremo, que não se precisa de vacina, que Deus protege especialmente quem não leva os filhos ao Posto de Saúde.
Tive mesmo a impressão de desfalecer, quando percebi que a Amazônia tem frutas, peixes, animais que deveriam estar soltos por ali – se o governo não tivesse “liberado” a extração de ouro para os ladrões que – imagine – nos roubam o ouro todo, não pagam impostos e, além do ouro, também a droga, a arma, o pedágio, o sexo com as nossas meninas-parentes.
No meio do centro de Salvador, com uma linha de pipa e uma pedra, se colhe muita manga na Avenida Centenário; como é possível morrer de fome e de doença no lugar onde está a cura do planeta?
Na Turquia todo mundo sabe que tem terremoto. No Brasil, todo mundo sabe que numa determinada época do ano chove. Quem vai morrer de chuva no Rio? Se a barreira cair, o bueiro entupir, a rua encher, vai ter político dizendo que a culpa é de Deus? Vai ter gente nos mandando rezar e pronto, chega, só isso?
- Mãe, estou aqui com você – gritava o homem de mãos dadas com a mãe resgatada dos escombros de um prédio Turco, depois de mais de 100 horas presa ali – e o governo, ao ver que pode perder as eleições, não “se vira em ajuda” – manda prender os que corromperam, compraram e economizaram – com vidas.
Um outro homem, sentado num banquinho, em meio à ruínas, lá se quedou por dias – mãos dadas com a filha morta, debaixo da laje.
Ninguém morre de terremoto. Ninguém morre de chuva. Ninguém morre de floresta tropical com mercúrio – alguém sempre precisa permitir, omitir, esconder, amealhar, abandonar, matar. Claro – tudo isso, fingindo a melhor das intenções e fingindo caçar fantasmas por todos os lados...
Somos nojentos, sabe?
Mas também divinos. Nas mãos que nunca param dos socorristas, nos cães mais heróis que muitos, no grito de alegria do que salva, mais alto do que o que foi salvo. Bivalentes entre o pior e o melhor, é o que somos.
- Que sentido quer dar á sua vida? Qual o seu propósito de viver no Planeta Terra? Isso nunca o assombra? O que você quer ser? O que vai escolher ser? Você vê a corrupção com nitidez ou ainda não nota a constante bifurcação entre o nojento e o divino? E diante dela – a opção, a escolha consciente – você teria a coragem, a ousadia de escolher ser o agente da morte?
Pense nisso.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
"Pare, escute e olhe" Bug Sociedade
Leon Weintraub, judeu polaco/polonês, esteve em 3 campos de concentração e perdeu 64 de seus familiares na segunda guerra. Dá palestras até hoje como contribuição para que o passado não se repita e deixa um conselho aos descendentes dos criminosos nazis/nazistas: mais tarde ou mais cedo precisam se confrontar com esse fato e devem fazer tudo para que isso nunca mais aconteça. “Esquecer seria o pior de tudo”, diz. Eu como portuguesa concordo em absoluto e guardei na minha alma tudo o que ouvi dele. Também eu, como portuguesa vivendo na Bahia, precisei me confrontar com o passado e preciso todos os dias de fazer o possível por não esquecer. E o principal, fazer o possível para que a justiça, mesmo que tardia, seja feita. Quando puder ouça ou leia um pouco do que Leon Weintraub nos diz. Não podemos ficar apenas assistindo e nos lamentando pelo crescimento dos movimentos de extrema direita no mundo. Precisamos colaborar. Retirar o ex-presidente foi o primeiro milagre... E que milagre... E os nossos ministros, que mais parecem os Avengers, têm tanto para fazer. Se todos ajudarmos fica mais fácil. Bora Brasil!
Automatismos. Parecem coisas boas mas envenenam a nossa vida. Nada está garantido. Nada. Nem aquilo que “temos a certeza” que é nosso, ou que sabemos alcançar, ou que sempre tivemos. E ao mesmo tempo as engrenagens da vida também não são garantidas – estudo e por isso terei um bom emprego; sou boa pessoa e por isso a vida será generosa comigo, sou rica por isso sou melhor do que os outros, etc. Tudo sempre foi assim e por isso sempre será. E de repente, um tremor de terra que tira todas as certezas, todos os hábitos, todas as engrenagens, todos os automatismos. Nas inundações a mesma coisa. Nos incêndios a mesma coisa. Nas fatalidades – crateras que se abrem no chão, balas perdidas, brigas de trânsito, maridos ciumentos, terrorismo, guerras, invasões – a mesma coisa. Algo precisamos aprender para estarmos minimamente preparados para o que vem de surpresa, para quando a vida nos tirar tudo. Literalmente tudo. O Covid foi muito impactante e parecia o pior que nos poderia acontecer, mas afinal, parece apenas ter aberto uma porta para mais e mais. O mundo não é mais da forma como nos disseram que seria. Talvez precisemos SER de outro jeito, para sobreviver e para ajudar este mundo. Sem dúvida precisamos ser diferentes do que somos e precisamos fazer coisas diferentes das que fazemos. O que éramos já não funciona tão bem como funcionava. Precisamos mudar, urgentemente. Às vezes a sensação é a de estar a um passo de escorregar pelo desfiladeiro abaixo. E quem sabe nesses momentos um poema Haikai – poesia japonesa – pode fazer algo por nós? “Não esqueças nunca o gosto solitário do orvalho.” Ou “ Silêncio, uma rã mergulha dentro de si.” Coisas tão simples, ou não tão simples. Coisas que parecem tão fáceis, talvez não tão fáceis.
Você sabe o que veio fazer aqui? Eu te digo o que você não veio fazer. Não veio para estuprar pessoas individualmente ou em grupo e depois culpar a vítima; não veio para matar; não veio para ter porte de arma; não veio para invadir outros países; não veio para tentar ser o Hitler do Brasil; não veio para dizimar os povos originários da floresta; não veio para trair as amizades, os amores, as pessoas; não veio para virar as costas a familiares que sempre te apoiaram; não veio para espezinhar os professores; não veio para roubar; não veio para ser mais do que ninguém.... Quem sabe formatar o seu HD?
“Se te ocorrer, de manhã, de acordares com preguiça e indolência, lembra-te deste pensamento: “Levanto-me para retomar a minha obra de ser humano.” Marco Aurélio
Ana Santos, professora, jornalista
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