“OS PEQUENOS DETALHES FEMININOS”
Do ponto de vista das mulheres, os detalhes importam. Muito. Não se enganem com seus silêncios oprimidos porque eles explodem. Queimam.
Um olhar especial, num processo de sedução, é um detalhe. Um olhar de ciúmes, também. De posse, possessividade. Mas a insegurança infantilizada e imatura de parte da sociedade - dos homens - soma detalhes todos os dias. De detalhes simples como “você vai se arrumar só pra mim”, passando por “essa roupa está meio ridícula em você”, até chegarmos a “você não vai porque eu não quero” é uma evolução de detalhes, uma soma.
Agora vemos a tragédia do Afeganistão e nenhum governo, fora o da Noruega – não por acaso governado por uma mulher – se colocou frontalmente contra o que o Talibã está fazendo. Mas o Brasil tem seu Talibã e todas as mulheres precisam esquecer a forma como foram criadas e ajudar. Não, servir. Não, competir pelo homem. Ajudar uma à outra. Discar 100, ligar 911, gritar da sua janela que vai chamar a polícia. Ajudar concretamente.
Nós vamos ver mulheres serem trucidadas nessas próximas semanas. Claro que o Governo do Brasil será incapaz de falar alguma coisa aproveitável, já que não pensa. Aliás, preciso muito conhecer, para além dos Avengers da CPI, quais políticos são respeitáveis por aqui porque acho imperdoável influenciar para eleger um presidente da Câmara como o que foi eleito, sinceramente.
Mas se em Brasília o político pode ser vendido, ali na casa da vizinha, talvez haja um homem machista, inseguro e imaturo emocionalmente que se ache melhor porque bate, tortura, humilha uma mulher que pode ser sua namorada ou mãe. Homens desprovidos da percepção do espaço que ocupam acham que ocupam todo o espaço – e tentam fazê-lo – mesmo que recorrendo à força.
O detalhe interessante é que nenhum homem, nem que seja a força, consegue dominar a mente e a imaginação de uma mulher. Mesmo aquelas que apanham muito, aquelas que foram ultrajadas e estupradas – por dentro, elas estão em ação. Nada detém o espírito feminino. Portanto esqueçam esses pobres pênis que vocês pensam ser insubstituíveis, “imbrocháveis” porque o nosso pênis, meninos, é e sempre será virtual. Muito mais do que Freud poderia ter imaginado, antes.
As paredes grafitadas por mulheres no Afeganistão instigam homens a aderirem ao grito de libertação que precisa ser geral. Aqui e no resto do mundo, as mulheres vão continuar insistindo em serem livres. Para serem mulheres e trabalharem, estudarem, engravidarem, jogarem bola, viverem como quiserem.
O que está fora disso, pequenos homens fixados em seus pobres pênis, é denúncia, é injustiça, é luta que se arrasta há séculos e há de continuar até que a última mulher se sinta livre para ser quem é. É guerra. E para espanto, pânico e terror masculinos, nunca seremos capadas. Vocês, “imbrocháveis”, não conseguem nos capar, nunca conseguirão nos capar. E sem sermos capadas, somos livres porque ninguém pode nos tirar o que não temos medo de perder.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
“Mulher”
O que dá o direito a uma pessoa inferiorizar, humilhar, escravizar, obrigar, assediar, explorar, etc, outra? Como é possível existirem leis que permitam? Leis criadas por seres humanos...
Mulheres, são os seres de onde saímos... Que nos criaram, que criaram outros e outras como nós. Não são só as nossas mães, nossas irmãs, nossas mulheres, amigas que têm valor. São elas, eles, elos. Todos. Todos. Dividir para reinar? No século 21?
As mulheres da etnia dos Uigures, muçulmanos que vivem na China, vivem atrocidades. Atualmente. Enquanto escrevo. Abusadas sexualmente, torturadas, humilhadas de todas as formas inimagináveis. De qualquer idade. Tratadas como nada. Devassadas. Quem tiver coragem de saber mais procure na internet sobre mulheres uigures e se prepare porque é inqualificável o que se faz. Meu coração se parte ao meio ao imaginar que se trata alguém assim. E que se diz que não é verdade. E que se persegue as mulheres que conseguiram fugir. Que conseguiram ter a coragem de denunciar. Os e as jornalistas que tiveram a coragem de divulgar. Quantas situações existem pelo mundo que nem chegamos a saber? Que dor...
Na Rússia, em 2017, o congresso russo e Vladimir Putin aprovaram uma lei descriminalizando a violência doméstica. Isso significa que marido só vai preso por agredir a mulher, mãe ou criança se lhe quebrar/ partir algum osso – um dos sinais colocado para “graves danos”.
O que falar do que as mulheres sofrem por influência e imposição dos Talibãs? Sem liberdade. Sendo tratadas pior que animais de estimação. Veja no link abaixo algumas das restrições. Sim porque podemos imaginar outras restrições e outras “obrigações” ou “consequências” que não estão inscritas em lado nenhum. Não precisamos pensar muito.
Tudo isto me deixa muito perturbada e preocupada. Me deixa cheia de culpa por ter tido a sorte de nascer num país livre. De ter tido a liberdade de pensar, agir, decidir, contribuir para o mundo. Mesmo assim, no mundo que tive a sorte de nascer existem muitas coisas erradas, subliminares, sutis, veladas umas vezes e afrontosas, humilhantes, intimidadoras, outras vezes. O silêncio das mulheres não quer dizer que aceitam, que concordam, quando observam ou sofrem comportamentos desses, no mundo “civilizado”. Elas sentem, elas guardam, elas não esquecem. Elas, as mulheres, sabem muito bem quem presta e quem não presta. Sabem muito bem quem são os homens que merecem ser chamados de homens.
Qual é mesmo o pecado de ser mulher? Qual é mesmo o medo que os homens têm das capacidades das mulheres? Esta visão de competição, de ego, de invejas numa vida onde todos precisamos de todos é asfixiante. Uma vergonha. Um profundo erro. Tempo perdido. E o mundo se destruindo e a civilização se implodindo.
Penso que o futuro passa pelos homens – líderes, poderosos, influentes, de sucesso - adquirirem qualidades atribuídas às mulheres. As mulheres líderes, poderosas, influentes, de sucesso já adquiriram qualidades atribuídas aos homens. É um passo fundamental.
O Covid19 poderia ter conseguido unir todos os povos do mundo, mas isso não sucedeu. Não sei qual vai ser a desgraça que nos vai unir. E, nessa união, talvez seja o momento em que se possa normalizar, equilibrar, os direitos e deveres de todos.
Era não era? E aí...acordei de um belo sonho...
Ana Santos, professora, jornalista
Link sobre mulheres uigures, na China.
Link sobre agressão a mulheres na Rússia
As 29 restrições contra as mulheres impostas pelo último governo talibã no Afeganistão
Fotos de obras e da artista cujo objetivo é o de divulgar seu trabalho e sua sensibilidade e de estar junto das mulheres que sofrem no mundo.
Artista Shamsia Hassani (@shamsiahassani)
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