“SOCIALMENTE NUA”
Justiça social é uma ideia inclusiva, mas o que é inclusivo, não é parte do Brasil real – aquele que está fora do discurso das Excelências.
Comemorar o dia da inclusão do voto feminino seria uma data muito mais marcante, se o respeito pela mulher vigorasse e a gente não apanhasse, se ferisse ou fosse tão assassinada por homens que nem nos percebem. Eles mesmos - os excelentíssimos homens – votam contra o aborto como se eles não estivessem cansados de abortar seus filhos. Senão, os filhos todos seriam registrados com o nome do pai. Mas ninguém pensa nisso - sabemos muito bem que o aborto masculino, assim como qualquer coisa masculina, pode. Falou em feminino, a coisa muda de figura na hora.
São 90 anos... afinal votamos. Mas nosso problema persiste e permanece. Votamos. Mas temos que escolher entre candidatos quase todos homens, incompetentes e machistas horríveis. Não votar também não pode, já que o voto é obrigatório. Os políticos: homens, machistas, com aquela esperteza desvalida que embrulha o nosso estômago, não estudam nada, não pesquisam nada. Fazem do Congresso seu centro de palpites federais e nos espetam com leis que ampliam os ataques à Amazônia, ao Pantanal, à mulher, ao bom senso.
Justiça social não pode incluir sequer a ideia de que existam políticos que recebem três ou quatro salários acumulados mensalmente. Mas existem. E falam português.
Seria muito diferente se falassem holandês ou francês? Honestamente? O problema nunca foi o idioma. O problema sempre foi e sempre será o conceito de colônia. Mas antigamente ele existia e era normal. Inadmissível é olhar o Brasil de hoje, falante de português, parte da lusofonia, décima economia do mundo ainda achar comum e normal colonizar os mais pobres, explorar cada vez mais o trabalho dos que não nasceram com os sobrenomes das castas especiais ou indicados e bem vindos por elas.
Numa semana em que se comemora, os 90 anos do voto feminino, o dia da justiça social e o da língua portuguesa, devemos olhar fixamente para objetivos que ainda não vingaram e tomar posse do Brasil. Nós, as mulheres, podemos fazer isso bem melhor que os homens, creio eu. Olhem ao redor, afinal: somos uma sombra do que poderíamos ser. Mas quem nos governa, desde sempre: homens. Qual a natureza desses homens, historicamente: a pilhagem, filha da ambição ilimitada e do exercício do poder como vaidade. A compaixão? Será quem a conhecemos nascida das ações de um político? Talvez José do Patrocínio lá atrás e Ulisses, mais atualmente. Podia falar Marielle, mas ela é mulher, era boa, maravilhosa e teve que sumir do mapa da política. Quem matou? Homens. Milicianos. Um nome “menos rude” para bandidos cruéis. Afinal, os bandidos são cruéis o suficiente para se auto batizarem com nomes diferentes dos traficantes de armas e de influência comuns – mas é o que fazem.
Por fim, existe a classe dos que se intitulam filhos especiais de Deus e nos evangelizam para pensar e sobretudo votar como eles mandam - ainda – tem cego pra tudo nessa vida...
Inclusiva mesmo é a solidariedade entre os que sofrem e nisso somos mestres. As Excelências não planejam nada, os morros derretem ao nosso redor cercados de desculpas esfarrapadas, mas quem tem moto sobe morro no meio da lama, se não tem anda a pé, doa o que tem na esquina, pede pra levar, se amarra numa corda e desce nos bueiros em busca de vida. Os políticos precisam nos descobrir, isso é fato. VIVA PETRÓPOLIS.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
“Língua materna, Justiça Social e Voto Feminino” Bug Sociedade
Semana de reflexões profundas. Domingo, dia 20, Dia Mundial da Justiça Social, 2ª Feira, dia 21, Dia Internacional da Língua Materna, 5ª Feira, dia 24, Dia da Conquista do Voto Feminino no Brasil.
Precisamos nos preocupar verdadeiramente com as palavras de Txai Suruí: “a Terra está falando. Ela nos diz que não temos mais tempo.”
Pensar na tragédia em Petrópolis, na miséria que se disseminou em todo o planeta com a pandemia, na forma como se vende fruta no Mercado Municipal de S. Paulo, na forma como se continua a subdividir as pessoas, de acordo com a sua formação, nível económico, cor de pele, gênero, país de origem, religião. Pensar em tudo isso, tudo o que já aconteceu e tudo o que todos os dias acontece de tragédia, percebemos que ter o dia mundial de justiça social não parece adiantar muito. Criam-se dias para chamar a atenção para os problemas, para os tornar prementes, mas depois é apenas um dia onde todos comentamos 5 minutos sobre o problema, postamos uma foto no Instagram, lamentamos muito e seguimos com a nossa vida. Podíamos pensar todos os dias em fazer algo a favor dessa justiça social. Na nossa vida e na vida dos que nos rodeiam. Na prática. Não precisa ser nenhuma atitude complexa. Mas infelizmente dançamos ao sabor dos dias disto ou daquilo e cada vez menos isso tem importância ou significado nas nossas ações. “Sabes que dia é hoje?” “Sei. Um dia incrível que devemos lembrar sempre.” Fim de ação. Lembrar, falar, pensar. Não chega. Não adianta. Fica tudo igual. Precisamos ter cuidado com este ritmo de nada fazer. De seguir. De caminhar anestesiados. Adormecidos. Um dia a enxurrada leva a casa dos amigos, dos familiares, a nossa. Um dia o vírus afeta-nos ou afeta alguém que amamos. Um dia as diversas oportunidades de trabalho que temos e que só dividimos com os amigos e parceiros desaparecem também para nós. Um dia o problema cai no nosso colo e aí vamos querer pressa e solução. Roberta Medina, vice-presidente do Rock in Rio, no Rio, Lisboa e Madrid, comentou numa entrevista que depois do rapto do pai e desde que foi viver para Portugal percebe que não adianta ter muito dinheiro se as outras pessoas não têm o mínimo. Compreende agora que todos devem ter direito a uma vida equilibrada, casa, comida, roupa, saúde, educação, para não se revoltarem com as injustiças diárias. Quando todos compreendemos e realmente fazemos algo por isso? É que não basta dizer que se compreende...
Dia Internacional da Língua Materna. Enquanto umas pessoas se preocupam em dominar uma segunda língua ou uma terceira, a maior parte das pessoas nem a língua materna dominam. Cada vez se vê mais pessoas com dificuldade em escrever no Whatsapp – enviam áudios dizendo que é mais rápido - mas quando escrevem percebemos que não conseguem dizer o que querem dizer. Se embolam nas palavras, nas letras, no pensamento. E mesmo através do áudio, ou numa conversa, muitas vezes as pessoas estão falando a mesma coisa e brigam porque acham que o outro está contra. É um problema muito grave. O combate ao analfabetismo e o domínio da língua materna deviam ser das principais preocupações dos governos. Isso é o que sustenta tudo, a compreensão, a comunicação, a ambição, o conhecimento, a noção de mundo, de vida. Sem isso, viveremos cada vez mais sós, cada vez mais uns contra os outros, sem saber ser com os outros, nem saber o que aqui viemos fazer. Para além de aumentar a agressividade, a criminalidade, a depressão, o isolamento.
Dia da Conquista do Voto Feminino no Brasil, em 1932. E mesmo assim são poucas as mulheres que podem ter uma opinião política própria ou diferente do pai ou do marido. Como se fosse uma rebeldia, quando afinal é seu direito. E é direito de qualquer ser humano não divulgar sua religião nem sua opção política e é seu direito pensar pela sua cabeça. Algo tão simples, tão importante, mas que na prática não é assim tão comum. Muitas vezes parece que as pessoas precisam se mover por onda, todas juntas tendo as mesmas opiniões. Bom a opinião própria é muito valiosa na vida das pessoas e as mulheres nunca podem esquecer isso. Sua opinião é tão importante quanto a dos homens. Em 2009, os dados do IBGE, indicavam que na população brasileira, 52,2% são mulheres, 27,8% mulheres negras. Como vemos, um país que depende da opinião das mulheres, principalmente das mulheres negras e que as devia respeitar muito mais. (como curiosidade informar quem ainda não sabe, que 54% da população é negra).
Com o voto consciente e atento, um povo pode melhorar a justiça social. Um povo que se cuida e tenta sempre melhorar o domínio da língua materna e que cuida das suas escolhas na hora do voto, obriga a justiça social a acontecer e terá um país mais próximo do que deseja.
Ana Santos, professora, jornalista
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