Na subida da escada, o som do martelo “malhando” o ferro chamou a atenção. Por um momento, as cenas sempre convenientes e bem comportadas tomaram conta de tudo, muitos cumprimentos e simpatias. Mas quando o som do ferro somou-se ao dos Cantos Gregorianos, eu já fiquei indócil para assistir ao filme que falava, no telão.
Depois de tudo o que vivemos, as mortes por Covid, agora somadas às mortes na Ucrânia, há um chamado das cruezas que doem, apertam o estômago, mas que continuam mantendo a alma desperta. Há uma emoção que em mim sempre está calada, gritando e se esfolando por não conseguir impedir o que continuamos a ver. Os pós, as tintas, o céu de Ouro Preto, os paralelepípedos do chão, as obras do Aleijadinho, a história, Portugal e Brasil com tanto a dizer um para o outro – ainda – o palpitar de raízes em comum, a dor em comum. Há um momento de prontidão emocional pra que a pessoa levante os olhos e percorra a exposição. Pelo menos foi assim, pra mim.
Telas com grandes olhos fundos, manchas escuras arregaladas pelo descortinar das “verdades pandêmicas”, onde as máscaras reais foram postas nas faces para que de lá pudessem ser arrancadas pelas nossas verdades ultrajantes e egoístas. Tudo está ali. A verdade humana está ali. Os esgares mal escondidos, os medos – os olhos arregalados e inexpressivos.
Na exposição, uma tela “pulou” na minha frente. Mascarada, careca, feia, horrível, pulsante, viva estando morta, viva estando presa à tela, viva por recordar a todos nós as mentiras, os abandonos, as mortes, a falta de convívio, o desespero, a dor e a nossa podridão ambulante que levamos com sorrisos efêmeros – quase sempre inúteis e algumas vezes embaraçosos.
Cada quadro uma dor - necessária – se quisermos nos olhar diante do espelho da vida para vermos alguma coisa concreta do que fizemos por nós. Não fantasmas. Não o andar bruxuleante. Um caminho que nos leve à nós mesmos e ao todo do que somos.
Esse desespero colado à tela mostra-nos, a todos?
O Bug Latino arrasta e se arrasta ao ver cada palavra não dita, cada palavra “poupada” para não apoiar, não ser generoso. Isso mostra-nos a todos e a isso se precisa combater.
Linda exposição.
Ana Ribeiro
Não perca a exposição de pintura Des(Alma), de Carlos Mota, no Gabinete Português de Leitura, na Piedade - Salvador. De 20 de abril a 20 de maio de 2022 terá a oportunidade de viver uma experiência forte, intensa, rica, emocionante. Um momento para poder refletir sobre a pandemia, nossos sofrimentos, nossas perdas, nossas dores, nossas desilusões com o ser humano, com o mundo, com a vida. As tonalidades cruzam-se entre suaves e fortes, criadas com pigmentos da região de Ouro Preto. Arrepiante e imperdível. Pode também assistir a uma performance híbrida – vídeo e música – muito bela. Um cuidado carinhoso nas imagens, uma música estonteante.
Gabinete Português de Leitura, um lugar ótimo para esta exposição e, desejamos, para muitas mais atividades culturais. No coração da cidade, de fácil acesso, com uma estação do metrô do lado e com um espaço de estacionamento na retaguarda. Para ser perfeito bastava existir um acesso do estacionamento diretamente para o Gabinete.
Na nossa visita, tivemos a oportunidade de encontrar pessoas influentes da comunidade portuguesa, como o prezado Cônsul, e da comunidade baiana, como Bel Borba, e os queridos colaboradores do Consulado Português que tanto têm feito pela nossa vida na cidade e por quem temos o maior dos carinhos. Personalizo na D. Alda e Sr. Roberval, pessoas que sempre cuidaram profissionalmente da burocracia da minha vida pessoal como se fosse da sua família e isso é tudo para quem vive fora do seu país. Consulado Português que sofreu mudanças estonteantes, pouco antes de iniciar a pandemia, tanto ao nível de espaços, como de acesso, como de gentileza. Ir ao Consulado foi, durante alguns anos, uma experiência muito ameaçadora e traumatizante, mas agora é felizmente uma experiência agradável, equilibrada, respeitosa. Expresso a minha gratidão imensa ao atual Cônsul por isso.
Ana Santos
Fragmentos das pinturas de Carlos Mota
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