“ENTRE TRUMP E MARIA DA PENHA” e “Me perdoem, mas...” Bug Sociedade
- portalbuglatino
- 8 de abr.
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“ENTRE TRUMP E MARIA DA PENHA” Bug Sociedade
Eu estava me programando pra falarmos sobre a bomba que o Trump jogou na economia e na geopolítica do mundo – algo como uma declaração de guerra mundial, a mudança radical da arrumação comercial - que os Estados Unidos mesmo conduziram e agora abortaram, voltando ao comércio protecionista do século XIX – se as aulas de história não me falharam - mas tive que voltar atrás. Fui surpreendida com o comentário do pessoal do site Meteoro, que falava que a Brasil Paralelo tinha criado um documentário para que o ex-marido da Maria da Penha – exatamente a mulher que deu origem à lei – defendesse seu ponto de vista – claro que totalmente diferente ao de que todas as instâncias judiciais apontaram, além da própria Maria da Penha, que sobreviveu ao atentado.
Fiquei pasma: com que audácia uma produtora como a Brasil Paralelo coloca em risco – de novo – a vida de uma mulher que foi vitimada, suficientemente agredida e aviltada como Maria da Penha? Ela que perdeu o movimento dos membros inferiores, ela que levou tiros que, segundo seu julgamento e todas as instâncias judiciais, foram dados pelo seu marido? Ela que correu risco de vida, ela que teve coragem suficiente para testemunhar, ela cujo nome foi usado para batizar a nossa lei de proteção contra violência sexista?
Que o mundo seja machista, infelizmente temos que conviver – embora eu jamais vá aceitar; mas que o mundo machista perca a capacidade de entender que esse tipo de deturpação mata mulheres, é inaceitável, inconcebível.
Os homens estão sendo ostensivamente conduzidos para seu embrutecimento. Incel, manosfera, empobrecimento de vocabulário, manipulação de ideias, incluindo aí a entrada de um rio de apostas em novos jogos de azar e toda a frustração advinda disso – tudo em meio a um trabalho ininterrupto de estímulo à competitividade entre eles e contra nós.
Não basta mais liderar: os homens agora querem que as mulheres voltem a ficar em casa – mesmo quando a grande maioria está careca de saber que não tem meios financeiros de bancar a vida de um casal com filhos, sem a ajuda da mulher, eles querem nos emudecer, querem obediência, com atestados permanentes de inferioridade: “Você acha que vai sair assim? Mulher minha não anda se mostrando por aí; ta falando demais; ninguém pediu sua opinião; você acha que vai terminar comigo e sair me chifrando por aí? Eu te mato e pronto, baranga!” isso e tapas; isso e socos na nossa cara; isso e pular pela janela fugindo das facadas; isso e nos enchendo de tiros na frente dos filhos.
Não é uma metáfora, não é um exagero: essa é a vida do gênero feminino no Brasil. E qualquer semelhança com o gênero feminino - gays e trans inclusos – são consideradas “matáveis” cada vez com mais violência.
Sabendo disso, a Brasil Paralelo resolve dar ao condenado em todas as instâncias um documentário falando de como não atirou, não aleijou, não quase matou... Mas não vou me dirigir à produtora: O que dizer dos homens que continuam assistindo um canal, um streaming assim? Seria de uma grosseria espiritual abjeta e absurda, se não fosse uma ação concreta que nos ameaça e atinge a todas, do gênero feminino, na nossa vida real. Que nos coloca em perigo.
Ah sim, os homens não pensam nisso. Mas há muitas como nós, ao redor deles: filhas, esposa, netas, vizinhas. E homens de outros grupos - como estes que assistem e projetam a Brasil Paralelo - e que podem vê-las como objetos passíveis de serem massacrados porque afinal “a mulher tem que saber qual é o seu lugar”, certo? Aí fica-se viúvo, perde-se a filha, a neta, a amiga da filha, a vizinha e vai-se ao enterro chorar e reclamar da política, do governo e dos “comunistas”. Tudo como de praxe. Mas quem paga pra que esse tipo de conteúdo exista, tem as mãos queimando. Estão queimando agora, com a verdade. Machismo mata. Todos os dias. E mata o gênero feminino: mulheres, mulheres trans, gays – são vitimadas todos os dias. A cada 24 horas, 13 mulheres sofreram algum tipo de violência no Brasil. Por ano, 165 gays são mortos, por aqui; travestis e mulheres transgêneros: 96; lésbicas: 11; bissexuais: 7; homens trans: 6.
Somem os casos. Tenham vergonha de acessar e assistir plataformas que deformam a convivência humana assim. Tenham vergonha de colaborar e contribuir. Tenham vergonha de ver, de comentar.
MACHISMO MATA. E muito, no Brasil.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
“Me perdoem, mas...” Bug Sociedade
Estou escrevendo este texto enquanto ouço Gal Costa, cantando “Força Estranha”.
Me perdoem, mas como pode Gal ter terminado assim? À sua própria sorte? E mesmo agora que poderia existir algum apoio do seu país para manter sua história, seu legado, o que acontece? Gal Costa era muito mais do que uma voz. Era um Brasil que acabou, junto com ela. Que empobreceu junto com sua ida e pelo que ela sofreu até ir embora. Ela e tantas outras mulheres que são “excluídas” do “jogo” da vida. Que coisa mais triste e humanamente empobrecida e preocupante.
Me perdoem, mas é como se eu fosse assistindo à morte e destruição de um país que aprendi a amar desde menina. Lá do lado da Europa – Europa que vocês tanto admiram e que afinal é um lugar como todos os outros – eu aprendi e todos aprendem a admirar e a amar o Brasil. O Brasil de Gal Costa, de Caetano Veloso, de Maria Bethânia, de Gilberto Gil, João Gilberto, Naná Vasconcelos, Egberto Gismonti. O Brasil de Nelson Rodrigues, de Clarice Lispector, de Lima Barreto, de Carolina Maria de Jesus, de Cora Coralina.
Brasil, “o gigante belo, forte e um impávido colosso. Com um futuro que espelha essa grandeza” (adaptação da letra do Hino do Brasil). Um futuro que precisa ser construído, não acontece do nada. Um futuro ameaçado por todos os lados. Um futuro que parece ser sempre só para alguns. NÃO EXISTE FUTURO SÓ PARA ALGUNS num país de todos. Não cabe anistia para quem faz mal a alguém. Cada brasileiro pobre pode fazer listas intermináveis das coisas que tem de pagar, se errar. No mais simples e mais básico erro. Roubou uma manga, será preso – se não for agredido ou morto antes disso. Porque será que um rico, ou poderoso, ou poderoso rico, merece anistia? Anistia por crimes graves, ou pelos crimes mais graves que se podem imaginar na humanidade? E porque quem rouba uma manga por fome não tem anistia? Porque não anistiamos todos no mundo e cada um faz o que quiser? Os poderosos ricos “ensinam” a forma de conseguir “as coisas”, mas roubar manga é uma vergonha e um crime bárbaro. Anistia mas só para alguns, para os “eleitos”.
Perdoem-me por dizer isto mas vocês não veem o que estão a fazer? Ao vosso país, aos vossos irmãos, a vocês e às vossas próprias vidas? Vocês acham que ir à missa no domingo, às 17h, vos livra de todo o mal que fazem na semana inteira? Acham que basta tomar banho, vestir as roupas de grife, o melhor perfume, o melhor relógio e a hora na missa vai limpar toda a culpa? Antes da consciência vos assombrar por tanta coisa errada que estão fazendo com os que deveriam proteger, talvez fosse boa ideia se preocuparem em limpar vossa alma, vosso caminho, vossas ações.
Me perdoem, mas é como se se ensinasse as pessoas que não se pode roubar manga, mas torturar pode. Não se pode estacionar em lugar proibido, mas fazer “rachadinha pode. Não se pode atrasar um dia o pagamento de imposto – mesmo que seja vindo do além – mas “arranjar” empregos para os familiares “silenciosamente” pode. Não se pode ter a calçada de casa sem o piso tátil – eu, porque outros podem – mas pode estuprar desde que tenha dinheiro, se tiver dinheiro e for famoso então é perfeito.
O Brasil e suas injustiças, em cada esquina, em cada passo, em cada dor, em cada lágrima seca. As pessoas se queixam em voz baixa ou pelo olhar, pelo corpo sofrido. Nem queixar podem. Enquanto outros riem, viajam, comem, compram, esmagam, anistiam. Meu Deus! Vocês estão cegos? Estão surdos? Estão doentes?
Me perdoem mas como pode um país tão religioso permitir que tantas pessoas sofram? Sabendo que se pode impedir esse sofrimento? A religião é apenas poder? Aprendi que a religião, seja ela qual for que você escolha na vida, serve para nos melhorar, para fazermos o bem a nós e aos outros. Mas talvez tenha sido eu a única pessoa a assistir a essa aula. Ou a essa live. Ou a esse tutorial.
Tem algo de muito errado nos nossos corações.
Ana Santos, professora, jornalista
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