Cada vez que pedia socorro, recebia um “mata-leão”; namorada espancada no Espírito Santo; espancada em Minas, espancada no Rio de Janeiro; espancada nos Estados Unidos, espancada na Rússia; bebê abusado; mulher abusada; LGBTQIA+ abusado; ucranianos abusados. Mundo: Mundo?
Não temos resposta para nada?
Essa é a minha sensação permanente: não temos resposta para nada. Como se o mundo estivesse ficando idiotizado diante do caos armado. O Brasil colhe boa parte da comida do mundo e não parece um contrassenso comer lixo do caminhão, ossos e pelancas, ao contrário: o que era lixo, passa a ser mercadoria e o açougueiro quer colocar preço na pelanca. A culpa não é do presidente, nem do ministro, nem da presidência, nem dos militares, nem dos ministérios. A maior armadilha mundial, hoje, é que alguns fazem muito mal, mas a culpa não é de ninguém. Economia está péssima aqui, mas não tem responsável – embora não se possa chamar o presidente de irresponsável, percebem? Na Rússia, embora tenha bomba, míssil, destruição, ucranianos mortos pra todo lado, ataque com bombas e tanques, gente escondida, gente que foge, gente torturada – não tem guerra. Percebem? Igualzinho ao Brasil.
Em Portugal – que recebe pessoas de múltiplos Países, principalmente do Brasil – xenofobia não se discute abertamente. Nem na Rússia. Nem os ucranianos que não conseguem entrar em todos os Países, mesmo fugindo da crueldade de um presidente – palavra conhecida, de novo.
E o que tudo isso, tão solto, tem em comum? Querem implementar agora que não se pode falar abertamente de nada disso, quando o mundo precisa desesperadamente falar sobre isso. Não cada um com a sua ideia pronta, mas cada um tomando o seu pensamento como uma sugestão do cérebro, que fica ali pela mente, colhendo ideias pra transformar em “algoritmos naturais”. E assim, deixamos de visitar o museu porque acolhemos a sugestão de que selfie é que é importante! Senão, como todo mundo vai saber onde você foi? Mas alguém precisa saber onde você foi?
- Ei, gente! Acabei de fazer xixi, querem ver? Tem uma remela linda no meu olho direito! Clic, clic, clic! E estamos entretidos quando um homem suspeito é agressivo com uma criança bem na nossa frente. Quanto custa a minha foto? Quanto o apresentador vai pagar pelo meu filminho?
- Ei, gente! Passei no curso, venci na vida, ganho 6 dígitos por mês, troquei de carro, como no restaurante mais chique do mundo, minha TV é enorme! Pouca coisa sobre “fiz o dever de casa com os meninos”! Fazer o dever é como remela – ninguém quer fotografar.
Qual é a sua resposta ao mundo? Uma que seja original, mesmo que o seu original seja: não sei ou não entendi. Qual a sua pergunta ao mundo? Original, mesmo que original seja: “você por acaso está roubando a minha inteligência”? Clic, clic. Se não sai na selfie – clic, clic – você se interessa? E se ajuda a quem precisa de ajuda, mas não sai na selfie?
Onde está girando o seu mundo, parente? Tem coragem de dizer que é mestiço? “Pardo”? Tem coragem de dizer que todo mundo no brasil é mestiço, pardo? Quem é você, parente? Todo mundo é seu parente ou você é daqueles que falam que, no mundo, o filé é só pra seus filhos, como o presidente? Tem nome pra isso, parente – egoísmo.
Onde você está nesse mundo de meu Deus – parente?
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Era importante que o máximo de pessoas ouvissem o que tem a dizer e a ensinar, Marina Marroquí, vítima de violência de gênero que virou uma educadora social de vanguarda. Sofreu muito e procurou uma saída para si e agora tenta ensinar o que aprendeu para impedir que outros sofram o que ela sofreu. Ser maltratada por uma pessoa que diz que nos ama é dantesco. Ter a coragem de falar abertamente sobre o que sofreu é de uma coragem brutal! Os abusadores, agressores, sempre consideram que a vergonha e a humilhação impedem as pessoas de falar, mas Marina quebrou o enguiço. A vergonha precisa de estar do lado dos que fazem mal, não dos que o sofreram.
Não podemos ficar inertes, centrados no nosso mundo, soltando exclamações de horror, assistindo a esta quantidade absurda de mulheres maltratadas, ofendidas, humilhadas, atacadas, torturadas, assassinadas, pelos maridos, pelos namorados, pelos amantes, por estranhos, em todo o mundo. Muitas situações se constroem na nossa frente. Precisamos sinalizar, atuar, aprender, ajudar a mudar muita coisa. Mas continuamos a conversar muito mais. Marina Marroquí lhe dirá tudo o que precisa saber, seja você homem, mulher, lgbtqia+.
Outra pessoa para ouvir, David del Rosario, investigador em Neurociência do dia a dia. David nos lembra que sentimos o que pensamos. Claro, uma maravilha se os pensamentos forem construtivos, mas se mantivermos pensamentos estressantes, de medo e de preocupação, tudo será sentido e adoeceremos. Imaginem, por exemplo, estas mulheres abusadas, o que vivem, pensam e portanto sentem anos seguidos. Não é por acaso que pessoas maltratadas degradam seu corpo por dentro e por fora, adoecem. Se sentimos o que pensamos, precisamos manter pensamentos construtivos, animadores, isso é claro. E descartar os pensamentos desanimadores. Mas não é só! David nos avisa: todos os pensamentos que mantemos e aceitamos, voltarão regularmente porque o cérebro considerou que nos agradaram. Se os excluímos, o cérebro toma nota disso e não será muito frequente nos apresentar esses mesmos pensamentos já que foram descartados. Mas, muitas vezes ao pensarmos algo preocupante, mantemos o pensamento tentando transformá-lo em algo bom ou tentando enfrentá-lo. Pois é, isso não é nada bom porque o que estamos a fazer é manter o pensamento. Deixe o mais rápido possível de o fazer. O cérebro vai considerar que esse pensamento é bom para nós, porque o mantivemos e vai dispará-lo constantemente. Seja você quem decide os pensamentos que mantêm e os que descarta. Descarte o que incomoda, mantenha o que é agradável. Seja você o “senhor do seu destino”, dos seus pensamentos. Não mantenha pensamentos desagradáveis tentando muda-los. Isso não existe.
Agora, não esqueça: viver não é pensar. Viver é atuar, é ação. Faça, atue, transforme e não siga os pensamentos e atos dos outros só por hábito. Faça da sua vida, a sua vida.
Embalados por estas novidades porque não aproveitamos e deixamos de ter pensamentos menores e/ou comparativos, sobre outros povos? E, porque não consideramos cada pessoa como única? Putin é uma pessoa russa muito problemática, mas não são assim todos os russos. Não podemos generalizar. O que não quer dizer que é aceitável russos pró-Putin receberem ucranianos em Portugal e tomando nota dos endereços dos familiares na Ucrânia. E o que isto, para além de absurdamente errado e pecaminoso faz? Coloca, na cabeça de outras pessoas de outros países, que todos nós portugueses concordamos com isso. Não! Não! Não! Um português ou um grupo de portugueses faz algo muito errado, isso não significa que todos sejamos assim. Serve para portugueses, brasileiros, o país que quiser. Não podemos mais fazer isso, generalizar, categorizar para ser mais fácil. A vida não é fácil mas precisa ser justa.
David del Rosario fala muitas mais coisas incríveis e termino com uma delas: de cada vez que estamos com alguém, tentemos estar como se estivéssemos pela primeira vez. Porque nenhum de nós é mais o que foi ontem, todos nós devemos e precisamos ser melhores hoje e melhores amanhã. Achamos que conhecemos as pessoas e não queremos que sejam diferentes do que esperamos. As pessoas estão em evolução, em movimento. Não se trave, não trave os outros. Sempre que nos preocupamos em ser o que esperam de nós e que os outros sejam o que desejamos, impedimo-nos de evoluir, de viver coisas enormes, incríveis que estão aí para serem vividas, que nos aguardam.
Ana Santos, professora, jornalista
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