“DISSONÂNCIA COGNITIVA NA PRÁTICA” e “O inimaginável que acontece” Bug Sociedade
- portalbuglatino
- 1 de abr.
- 5 min de leitura

“DISSONÂNCIA COGNITIVA NA PRÁTICA” Bug Sociedade
São coisas da minha vizinhança. Inimagináveis. Algo assim que me faz pensar o significado mais amplo de dissonância cognitiva.
Vivemos em Salvador da Bahia. Cidade mais africana do Brasil, com altos desníveis sociais. Tentamos caminhar todos os dias nas redondezas e conhecemos praticamente todos os passantes. Nas palavras de Nelson Rodrigues, “todos os transeuntes”. Há poucos dias atrás, encontramos com pessoas nada íntimas, na rua. A primeira: lá ia ela e um funcionário. A segunda, me pareceu apertar o passo para falar comigo. Do nada elas puxaram um assunto e, no espaço de menos de seis frases, deixaram-me totalmente perplexa e boquiaberta.
Caso 1:
- A França ta fogo. Cheia de muçulmanos. Os franceses não querem mais ter filhos, sabia? Trocaram por cachorros. Agora os muçulmanos invadiram tudo fazendo muçulmaninhos – uns 10 – um com cada mulher. É o ranço do sangue que não sai.
Fiquei sem entender como tinha sido “atropelada” com aquilo. Talvez ainda esteja.
Caso 2:
- Você viu a injustiça?
- Que injustiça?
- Você não viu o julgamento? – aí entendi o sentido.
- Acompanhei cada segundo!
A pessoa parou e me olhou desconfiada:
- Não me diga que você é contra Bolsonaro?
- Totalmente.
- Você é comunista?
- Não. Apenas sou anti Bolsonaro.
- Mas por que?
- Você já se esqueceu que ele agiu pela morte de pelo menos 500 mil pessoas, na pandemia?
- Ah, mas já está provado que o problema era da vacina.
- Sim, porque quem morreu não tomou vacina nenhuma!
Tem algum nexo, isso? Essa conversa? No século XXI alguém imaginava ainda precisar defender a importância das vacinas? Que espécie de poder a ultra direita tem sobre algumas pessoas – com as quais cruzamos, nas ruas – totalmente dissociadas da realidade, da política nacional e internacional, dos princípios mais básicos de saúde pública, da convivência social? Como a vida das pessoas fica reduzida aos comentários dos grupos de WhatsApp? Com crimes federais gravíssimos que foram cometidos e que finalmente agora estão sendo postos sob os olhos da Justiça, algumas pessoas têm apenas isso a dizer?
Você vê alguém cometendo um crime e sua justificativa para a cumplicidade é que "gosta" da pessoa? Sua honestidade não beira os seus olhos?
Ainda vamos prosseguir com criminosos militares, milionários financiadores, políticos articuladores. Para cada golpista vai surgir uma desculpa esfarrapada?
Hoje, 61 anos do início da ditadura de 1964, continuo boquiaberta com os crimes cometidos contra a nossa liberdade e democracia.
Ainda estamos aqui – em perigo...
Prazer enorme ver Hildegard Angel no STF. Que frisson vê-la - lado a lado - com o réu por crime TENTATIVA DE GOLPE DE ESTADO. Poder ver isso é provar a importância das democracias, no mundo.
SEM ANISTIA.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
“O inimaginável que acontece” Bug Sociedade
Cada pessoa tem seu jeito de aprender. Tem seu jeito de viver. Tem seu jeito de amar. Tem suas escolhas.
Existem regras ou limites para o que é adequado para todos. Essas coisas escritas, faladas, instituídas, que todos sabemos e todos respeitamos. Passam dos mais velhos, chamamos de boa educação, de bom senso, de comportamentos socialmente adequados. A intenção é a de fazer bem a todos ou, no limite, fazer o bem ao maior número de pessoas e não prejudicar ninguém. Alguns chamam de “regras não ditas”. Aquilo que todos sabemos e todos respeitamos.
Um exemplo pode ser a forma como cumprimentamos as pessoas. Se no Brasil é de abraço apertado, em alguns países é um beijo, noutros dois, noutros 3 e noutros 4. Noutros é aperto de mão. E a variação de abraço, beijo e cumprimento de mão ou apenas inclinar a cabeça, pode ser no mesmo país, dependendo da intimidade com a pessoa, se é homem, mulher, chefe, funcionário, colaborador, estranho. Mas a gentileza de cumprimentar é comum.
O valor de dar a palavra. Cumprimento de mão para selar acordos. Receber e dar em troca. Amigos como pessoas confiáveis e com quem se pode contar.
Enfim, olho Bolsonaro e não vejo nenhuma. Nenhuma. Não sei onde nasceu, nem onde estudou, nem conheço nada da família, mas as suas “regras não ditas” são diferentes. Totalmente diferentes.
Existe um tipo de pessoa que só vê o caminho por onde se vai safar, se vai “dar bem”, e para isso, fará o que for necessário. Se conseguir resolve rápido a situação, mas se demorar também não é problema porque aguarda anos, décadas se necessário for, pacientemente aguardando uma oportunidade. Descansem que esse tipo de pessoa não é só brasileira não. Tem por todo o mundo.
Sabem como conseguir trabalho, sabem como trabalhar pouco e obter todas as regalias, sabem como aproveitar todas as oportunidades de “evoluir”. Estão sempre presentes nos lugares e nos momentos oportunos, estão sempre nas “fotografias”. Circulam recolhendo informações de todos os lados e depois fazem de conta que não sabem de nada. Seu ego costuma ser gigante. Quem os rodeia sabe muito bem que não pode contar com sua gentileza, bondade, generosidade – eles não têm isso. Mas ficam na mesma ao seu redor porque sabem que por ali vai aparecer coisa boa – dinheiro, trabalho, oportunidade, conhecimento, relações. Não sei quem será pior, se eles se os que os rodeiam.
São mais do alguma vez imaginávamos, porque estão aparecendo por todo o lado. Estão apodrecendo as normas sociais, as regras “não ditas” da vida em sociedade, as gentilezas e bondades – a tal da boa educação.
A liberdade passa também, atualmente, por não depender deste tipo de pessoa – no trabalho, na família, no bairro. Mas principalmente no país onde vivemos. Ou no nosso país. Ou no país vizinho. Ou no país que se associou ao país igual a ele e que vai tomar aquilo que quer dos outros. Apenas por que quer. Do mesmo jeito que uns “tomam” as mulheres dos outros só porque querem. Ou o seu celular. Ou as propriedades. Ou o seu dinheiro. Ou a sua felicidade.
Estamos todos em choque com o que Trump está fazendo, com o que Putin tem vindo a fazer, com o que Bolsonaro fez e está fazendo, e tantos outros mais. Mas pessoas iguais a eles vivem bem do nosso lado, muitas vezes durante largos anos, como que camufladas. Do nosso lado, no trabalho, na família. Como se existisse um botão que nem sabemos que existe, mas existe, que é acionado quando fazemos algo que aparentemente é inofensivo mas que lança suas mãos sobre ele – o botão. E essas pessoas, de repente, fazem o inimaginável, para nós. Dizem o inimaginável, para nós. Acusam-nos do inimaginável. Safam-se de forma inimaginável. E obtêm um sucesso e uma fama inimagináveis.
A democracia desaparece rapidamente e o inimaginável surge nas nossas vidas, se ficarmos olhando, se ficarmos achando que não é conosco. É sempre conosco.
Ana Santos, professora, jornalista
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