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“De onde vem o perigo?” Bug Sociedade


Meu Deus! Se a gente se fixar nessa pergunta, nem se levanta da cama.... As pessoas – nós todos – dividem seu espaço real com o imaginário e nem pensamos muito nisso. Mas é super comum você estar num calor infernal, sonhando que está boiando num mar calmo e fresquinho. O medo é uma dessas coisas imaginárias porque é mais ou menos como um cálculo: se eu fizer isso será que vai certo? E se der tudo errado, qual é o pior? Se acontecer o pior, eu vou sofrer muito? Vou sentir dor? Posso morrer? Então o medo é um conselheiro – mas não pode ser o chefe.


De onde vem o perigo? Isso nunca é muito claro porque o perigo não se apresenta objetivamente. As falsidades do convívio humano dão claras mostras de que o perigo vem de lugares inimagináveis. Há ali um “amigo” que você jura que é fiel, uma relação, uma parceria. Há as suas promessas de ser fiel – e há o perigo de você se corromper ou ver que aquele seu amigo se corrompeu. Há os perigos de sempre: ladrões, assaltos, inseguranças, terrorismos, mentiras. E há o perigo que as vezes o sucesso traz. Há o perigo de nos endurecermos e é por causa disso tudo, que olho o perigo e tenho medo de reagir, antes que a ação aconteça. Porque nós precisamos esperar o perigo aparecer - ainda que de longe - para endurecermos e se isso ocorrer antes, estamos impondo uma reação às pessoas que podem nem ter a intenção de nos causar mal. Tenho medo, portanto, de não perceber se uma pessoa que eu gosto estiver precisando de ajuda. Tenho medo de deixar passar. Tenho medo de pegar Covid mas, sobretudo, tenho medo de contaminar alguém. Engraçado que esses cálculos de coisas pequenas, eu nem costumo fazer: não vejo perigo em discordar, não vejo perigo em reclamar, não vejo perigo em debater. E já sofri consequências por isso tudo, mas minha maneira de existir é assim. O perigo de qualquer coisa não me transforma em “puxa-saco” de ninguém. Não nasci com esse talento e não pretendo desenvolvê-lo. Tento ser sempre – SEMPRE MESMO – uma pessoa simples, de gostos simples, vida simples e que vê qualquer pessoa como simples – do presidente ao desconhecido que me pede uma água. E isso porque há sempre o perigo da vaidade nos cegar. Tenho medo quando percebo que as outras pessoas ainda vivem a ilusão de quererem marcar como são diferentes e brilhantes quando nascemos e morremos exatamente do mesmo jeito – solitários – mesmo que haja uma equipe gigante de pessoas, isso não adianta nada porque somos nós diante do universo. E diante do universo somos uma poeirinha que suja e polui tudo ao seu redor. Tristemente somos apenas isso. Não nos prevemos. E como disse acima, esse é um dos meus medos – o de não perceber se alguém estiver sofrendo.


Vem vindo o final do ano e a pandemia vai gerar um perigo adicional ao Natal de muitas famílias. Como na prática, aqui em Salvador, minha família é Ana, nada vai mudar pra nós. Mas existem tantas pessoas que não estão aqui que eu adoraria rever, chamar, convidar, ter dinheiro pra trazer... não apenas dinheiro, mas também que elas tivessem saúde e oportunidade de finalmente virem conhecer a Bahia, mas a Bahia que me encanta e que não está propriamente nos cartões postais; escolher um dos 200 sabores de sorvete na Ribeira – um problema sempre bom – comprar ervas no Vale da Muriçoca, legumes do Antonio, do Vale das Pedrinhas, pão de queijo do Rei da Pamonha... Tenho medo da dificuldade da vida, dessa doença que separa as vidas, tenho medo de me acostumar com o que não podemos nos acostumar.


Se entreguem, pois, ao detalhe, absorvendo os detalhes de cada um deles. Ao sorriso de bom dia, ao pois não, ao obrigada, à gentileza do dia a dia. Se entreguem ao momento, ao agora. Aí, sem medo de errar no sorriso ou de chamar as pessoas pelos seus nomes. De reclamar olhando nos olhos delas, chamando-as por seus nomes e pedindo por favor. E por favor é um comando de sempre, nunca pode faltar. E gentileza é uma forma de sempre, que também nunca pode faltar. E há o perigo de esquecermos esse básico, embora ache que eu nunca vá esquecer disso – só quando a “grossura ambiental” manda eu me defender com unhas e dentes.

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV


Você sabe sempre na sua vida de onde vem o perigo? Nunca é apanhado de surpresa? Nunca percebe que foi enganado ou que se enganou depois da ação, da decisão, do comportamento?


As pessoas que já passaram fome, nunca mais esquecem. As pessoas que já foram torturadas, nunca mais esquecem. As pessoas que já viveram em ditadura, em censura, em privação, nunca mais esquecem. Em qualquer destes casos, não querem mais sentir e passar o que passaram. Nunca mais. E desenvolvem, por sobrevivência, uma atenção, uma prevenção, uma vigilância para se protegerem. Aprendem a perceber de onde vem o perigo, quando o resto do mundo está completamente distraído.


Precisamos sofrer para aprender a detectar de onde vem o perigo? Porquê? Precisamos confiar no que parece certo para descobrir o quanto erramos e pagar por isso? Porquê? Precisamos ir atrás do que todos dizem e depois nos arrependermos desgraçadamente? Porquê? Votar, acreditar e confiar em pessoas que só pensam em si e que destroem vidas, famílias, países? Porquê?


Existe uma necessidade urgente em melhorar a nossa capacidade de avaliar onde é seguro estar, avaliar o que é confiável, avaliar que caminhos são consistentes e principalmente o que é importante que exista nos outros que escolhemos para família, amigos, colegas de trabalho. Os especialistas em prevenir violência, agressividade, conflitos, falência, insucesso, divórcio, injustiças, etc, alertam as pessoas para “os pequenos sinais”, detalhes e comportamentos aparentemente sem importância mas que mostram aos mais atentos “de onde vem o perigo”. Tudo aquilo que estranhamos deve merecer pelo menos um segundo olhar, uma atenção mais demorada. Como se aquela peça do puzzle não estivesse no lugar certo ou mesmo como se aquela peça não fosse daquele puzzle – da nossa vida. Como se a vida nos avisasse que talvez fosse melhor tirar a peça ou a trocar de lugar, para que a nossa vida – nosso puzzle – possa prosperar. É doloroso? É. Mas é muito mais doloroso quando percebemos tarde de onde veio o perigo, porque a “peça” já danificou bastante nosso puzzle. Porque pessoas morrem, perdem empregos, ficam sem dinheiro, sem saúde, sem vida, sem casa, sem amigos, vazias, sem saída. Sair dessa lama é muito mais difícil. A vida é uma construção que precisa estar em cima de poderosos alicerces, capazes de resistir aos sismos da vida. Precisamos manter uma boa capacidade de manter o perigo longe, de criar barreiras, os espaços ocupados, criar fossos, para os perigos não terem espaço para entrar nem caminhos para iniciar. Como as infiltrações de umidade/humidade nas casas....não preste atenção só quando já é muito visível....

Ana Santos, professora, jornalista


Bergon, um amigo muito querido nos enviou esta música depois de ler este texto. Obrigada, querido Bergon. Nós também te amamos muito...


CUIDE-SE BEM (Guilherme Arantes / 1976)


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