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“Como se prova a verdade?” Bug Sociedade


Quem está vivo e acompanha os fatos da política do mundo se depara cotidianamente com o confronto entre verdade e mentira. E não adianta dizer que a prerrogativa é brasileira porque, apesar de especialistas nessa investigação diária, nossas frustrações são tão grandes que muitas vezes queremos acreditar que aquela coisa é verdadeira, sem nos importarmos com os fatos reais.


Ex ministros mentem? Militares não são paladinos da justiça? Os políticos não nos veem como gente? Somos a milionésima parte de um gráfico de pizza? Invisíveis? Desprezíveis? Todos sabemos todas as respostas. É assim e ponto final. De alguma forma, há uma ilusão de que se você esconder a verdade, ela desaparece pra sempre. Mas esse pensamento, amigos, é infantil. É fazer como as crianças que acreditam que, ao taparem os olhos, se esconderam. Fake News não pesquisada, é exatamente isso – um adulto bobo, tapando os olhos com as mãos e dizendo que a gente pode procurar porque ele se escondeu.


Você pode tentar esconder os fatos, mas eles não se escondem. Quem mandou matar Marielle? Por quê a polícia acha que pode entrar numa favela matando e não ser punida? Quem consegue continuar pagando serviços públicos e privados ao mesmo tempo por falta de competência do Estado? Pazuello pode mentir? Capitã Cloroquina pode mentir? Ernesto Araújo pode mentir? Presidente pode mentir? Pessoas desprezíveis devem se sentir com prerrogativas especiais? Que espécie de sociedade é essa? Ninguém vai fazer nada pelos meninos do Marrocos que chegam à Espanha? Israel vai continuar esquecida do que sofreu na Alemanha pra optar por matar, matar e matar palestinos como se eles não fossem tão importantes quanto eles? O gelo do mundo vai derreter e nós vamos apenas assistir? O que você faz com o seu lixo?


Nós somos desprezíveis? Um pouco. Pensamos no mundo e como somos pequenos, xingando o catador de latas que rasga o saco de lixo da nossa rua, como se fôssemos superiores. Na verdade, não somos nada, nunca seremos nada, não podemos querer sequer ser nada. Somos poeiras de universo.


Como se prova a verdade? Olhando não para o que queremos, mas para o que realmente vemos. Ai que pena, você votou errado? Se está defendendo o governo, vendo os números crescerem diante dos nossos olhos e se assusta com a proximidade de 500 mil pessoas, desculpe – você votou errado. Não temos paz enquanto isso se mantiver, nenhum brasileiro pode ter paz. Escute: Nenhum brasileiro pode ter paz. Você não tem esse direito.


Como se prova a verdade? Estamos gastando dinheiro público para que se ensine ex autoridades a mentirem na nossa cara. Gastando o nosso dinheiro. Ao invés de vacina, curso de mentira; ao invés de oxigênio, curso de mentira.


Como se prova uma verdade? Não sendo desprezível. É fácil. Levante os olhos e se olhe na cara. Tenha coragem. Pense nos seus amigos, seus vizinhos, conhecidos. Quantos adoeceram? Morreram? Estão sequelados? Teve vergonha por esquecer deles nas inúteis discussões do Facebook? Olhe nos seus olhos e aceite a verdade.


Comece por você.

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV


Tenho tido um pesadelo terrível que tem durado bastantes dias. Parece não terminar. Pessoas que deviam ser corretas, dignas, honradas, que deviam assumir seus erros, ser um exemplo, mentem sempre que a boca abre. Sorriem durante. Seus olhos brilham de prazer pelo ato de mentir. Suas mãos ainda se esforçam por demonstrar detalhes que possam falhar nas frases, palavras ou pelo abafado som da máscara. Como se ainda não bastasse, ainda se preocupam em “revelar” detalhes do que “inventaram”. “Detalhes” e “detalhes” de uma imaginação abusiva e oportunista. Babam inverdades. Você fica com vergonha por eles. Você acorda do pesadelo com vergonha do que viu e ouviu. Você adormece de novo e lá está de novo a mesma história, o mesmo enredo. Aí você pensa que o pesadelo deve, em algum momento, trazer um anjo, ou um conjunto de anjos que descobrem tudo e que desmascaram tudo e todos. E todos respiram de alívio pelo susto. Mas, mesmo em pesadelo, não é assim. É fácil mentir, rir dos que têm de ouvir e engolir tudo isso, mas provar que a realidade não é assim, que tudo o que foi dito é uma enorme e patética mentira, amigos, amigos, demora anos ou talvez nunca seja possível. Nem na vida real, nem em sonho ou pesadelo. Um segundo para mentir, uma vida para demonstrar que foi mentira. É isso. Contundente realidade que te choca, te espanta e te faz questionar nos problemas do planeta Terra. Talvez os problemas deste Planeta sejam na verdade, a gente. Os seres humanos. Nós os que deterioramos tudo. Que alteramos tudo de formas que se torna difícil ou impossível a recuperação. Pudera. Nem somos capazes de dizer a verdade, de aceitar a verdade, de reconhecer as nossas falhas, de perceber que o mundo ou um país não são nossos, só porque, por uns meses, somos ministro, ou presidente, ou líder seja do que for. Talvez cada um que vive tivesse de passar por momentos de dor, de fome, de injustiça, antes de poder entrar neste “jogo” ou “mundo” em que vivemos. Talvez, depois de sentir na pele, pudéssemos ser melhores. Mesmo assim, é preciso desejar muito. Porque a esperança nos foge de cada vez que aumenta o número monstruoso de mortes por covid19 neste país e no mundo. De cada vez que pessoas fogem desesperadas dos seus países em busca de ajuda. De cada vez que bombas destroem prédios de pessoas que apenas querem viver, mas que nasceram em países em guerra ou em litígio. De cada vez que ouvimos mexer no lixo da rua, nos finais de tarde, enquanto lanchamos no conforto da nossa casa. A esperança nos foge porque mesmo com tudo a piorar, com tanto problema para resolver, tanto desespero humano, tanto por fazer, continuamos a mentir descaradamente por cargos, por “honra’, por mais milhões, por ganância, por cegueira. Nós somos um pesadelo na Terra.

Ana Santos, professora, jornalista

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