O ÚLTIMO CAPÍTULO
Na última semana do segundo turno, percebi que estava exausta e em frangalhos. Conversar, me parecia um esforço enorme e tudo isso porque foi superlativo demais ter que exigir, lutar, tuitar mil vezes O NORDESTE QUER VOTAR, discutir, explicar, xingar. Porque há o que se poderia chamar (antigamente) de ideologia – e que eu aceito; mas havia o inadmissível – a perda da democracia e tudo o que se fez para retirar o povo da equação do voto. E isso nunca.
Eu ainda não realizei onde as pessoas não perceberam que havia gente morrendo de verdade, independentemente de sermos fãs ou não fãs deste ou daquele; e que todos ocupamos exatamente o mesmo lugar, num mesmo espaço. Nós somos os brasileiros e não há classe A e classe B entre nós. Não há brasileiros tipo exportação e de banca de liquidação. Não somos frutas, aqui. Como numa família enorme, há parentes ricos e pobres, mas somos filhos da mesma terra; da mesma mãe e do mesmo pai. Portanto, se a Noruega consegue, se a Nova Zelândia consegue, se a Suécia consegue, nós temos que olhar para a igualdade e nos ver em algum lugar. Esta é a proposta que pode nos unir.
Somos filhos de um País milionário. Ninguém precisa ter mais, comer mais, tirar chances dos que têm tanto talento, mas não têm chances de colocá-lo em uso.
Metade de nossa família sente-se de luto desde ontem. Mas afinal, seja lá qual for a dor, ganhamos – todos juntos, o mesmo remédio – democracia. Eu e o seu Zé; você e a Dona Maria. Em um dado dia, nós somos como deveríamos ser sempre – iguais – e assim votamos. Isso vale muito.
Vale tanto que eu, que vi a democracia e saltei, confiei e lutei por ela, me sinto parte da história, mas não exatamente vencedora – falta a metade da casa, metade da família. Já faltavam antes os que morreram de Covid, entre os famosos e ricos, como Paulo Gustavo e os pobres mais pobres, como os 680 mil. Foram tantos, tantos... Já faltavam na conta, aqueles que perderam suas casas e estão jogados por debaixo das pontes das cidades – vocês os viram? Já faltavam quando, atrás do caminhão do lixo, eu mesma vi pessoas debruçadas no mecanismo, pegando o que podiam pra poderem comer. Já pensou reformar o mundo e todos terem escolas boas pra estudarem, com sinal de internet disponível, assim como uma taxa de água, um IPTU que todos dividimos? Já pensaram reformar o mundo e termos saúde pública pra todos e crianças de volta às vacinas, sem reclamação? Já pensou a Justiça Eleitoral desenvolver uma tecnologia onde a gente pudesse votar onde estivesse, assim como sacamos dinheiro no Banco 24 horas? Já pensou acordarmos como a Nova Zelândia e o serviço público, além de nos atender bem, ser obrigado a falar de maneira simples e fácil de entender? Isso mesmo – nada de nos passar a batata quente ao ligarmos 156!
Basta percebermos o nível de perda que significa a democracia e nos darmos as mãos – acabou a briga. Amando ou odiando, esse presidente nos colocou um contra o outro e isso é muito - e já basta. Somos um País chamado Brasil. Somos iguais. E vamos nos reconstruir mesmo que agora a mágoa seja ainda maior do que este lugar. Mas é o nosso lugar, acreditem.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Saber ganhar, saber perder. Duas coisas que todos os seres humanos deveriam aprender, desde crianças. Vamos vendo que cada vez existem mais pessoas que não sabem nem se comportar numa situação, nem na outra. E quando são pessoas do futebol, fica triste e preocupante. No caso de um presidente de um país, piora bastante. Estas aprendizagens, aparentemente fáceis e ligeiras, são complexas, mas extremamente importantes porque arrastam outras formas: quem não sabe perder e se nega a aceitar a derrota, dentro de si e publicamente, normalmente faz a fuga em frente, aldrabando, inventando desculpas, mentindo sem limites, procurando ter razão de alguma forma, ilegal, parcial, marginal, o que der, “desaparece”, amua, fica em silêncio, inventa uma realidade paralela.
A vida não para, por muito que por vezes a gente pense que até dava jeito. Ela nos faz seguir, nos faz avançar, nos impede de criar vaidades ao ficar saboreando vitórias, porque urge resolver, construir o futuro e nos impede de ficar amuado, deprimido, envergonhado, humilhado, porque o que precisamos é corrigir os erros que fizemos e partir para outra fase da vida, tentando ser melhores do que éramos até esse momento. Dizem que isso é sinal que amadurecemos. Amadurecer, dizem também, é saber dar a devida importância a cada momento da vida. Dar mais valor ao assédio verbal sofrido pela nossa filha, na escola, do que à morte de mais de 600 mil pessoas nos indica bastante imaturidade, infantilidade. O esporte e a competitividade de forma justa e civilizada, na infância e adolescência, dá essa prática, esse “calo”. Temo que muitos adultos tenham de aprender, no divã de um consultório, no caixão, ou na prisão, a aceitação da derrota e o respeito pelo “adversário” na vitória. Tantas mortes por assassinato, por roubo, por brigas podiam ser evitadas com essa aprendizagem.
Quando as pessoas nos querem fazer sofrer, elas nos tiram o que amamos, o que temos, impedem o que desejamos. Cabe a nós aprender que somos muito mais do que tudo isso que nos tiraram, ou que perdemos. Afinal nada é nosso, nada é de ninguém. Aprender a fugir das brigas, aprender a deixar ir o que afinal parece que não é para nós. Aprender a recuar, a reconhecer e corrigir os erros, aprender a respeitar os outros, o seu valor e o seu caminho. Aprender a recomeçar, aprender a dar valor às segundas, terceiras...., oportunidades.
Um dia tenso, uma noite tensa. Um resultado que devolve a esperança ao Brasil e ao mundo. Desejamos que o mundo apoie o novo caminho, desejamos que as pessoas que vão enfrentar a terra arrasada que virou o Brasil, tenham energia, capacidade e competência para o que as espera. E que cada um de nós faça a sua parte.
Ana Santos, professora, jornalista
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