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“Abolição da Escravatura?” Bug Sociedade


DIFERENÇAS

Sempre houve e haverá no poder essa ilusão de que é possível capturar os espíritos, mas não – os espíritos nunca são “capturáveis”. Nós – ou somos permissivos e omissos e os deixamos à beira do caminho, jogados – ou não há meio capaz de “dobrar” o nosso gigantismo e a concretude do amor.


13 de maio, é um dia assim. Se pensarmos que há apenas 134 anos atrás houve a véspera do que foi o último dia de escravatura - num ato simbólico que tentou findar a ideia de que houve um sofrimento atroz que atingiu e continua atingindo o povo brasileiro – que antes não era propriamente brasileiro, era africano e indígena – mas que agora somos todos nós.


A ideia de que tentam e sempre tentaram nos classificar como grupos separados precisa acabar porque é uma forma eficaz de nos enfraquecerem.


Pulando de um lado a outro, vejamos a Ucrânia – que foi invadida, logo em seguida ameaçada e depois de mil tentativas de desmoralizá-la como povo, como País, de esvaziar a ideia de guerra, de invasão, de morte, de destruição – ela venceu o Festival Eurovisão da Canção. Os russos tentaram hackear a votação, por toda a Europa – não deu certo. O povo de lá apenas votou e o clipe com a música é um choque de beleza, de maternidade, de humanidade – mesmo no meio de uma guerra. Aqui vai o link: https://www.youtube.com/watch?v=Z8Z51no1TD0&t=188s


Vivemos no meio de uma guerra, aqui também, mas não nos juntamos o suficiente para nos apercebermos de que a luta pela liberdade é permanente e nos envolve a todos. Na Ucrânia, eles não admitiram a tal invasão – aqui é admissível que haja insurgentes contra a democracia e que a vida do nosso povo – que é mestiço à custa de muita morte e sofrimento – continua sendo desperdiçada com uma violência que nunca acaba. Todos os dias. Aqui, é admissível que haja muito dinheiro e ele seja transferido de “maneira secreta” – é o que diz a TV – e não de maneira criminosa – que deveria ser a forma como a TV teria que dar a notícia. É razoável ouvir um homem do governo federal perguntar “quantas arrobas” pesa um homem, como se ele fosse um cavalo. Mas não. É um homem. Um homem brasileiro.


Eu não quero mais falar em divisões. Essa criatura – e ele é apenas mais uma – nos subdividiu em raças, mantendo as castas, os sobrenomes e as indicações. Depois, nos subdividiu em gêneros e depois em religiões e depois em costumes, e depois na família brasileira, e na camiseta amarela e na agressividade, coação e barbárie.


Só que agora a pergunta é: servidão ou liberdade? Fascismo ou democracia?


E o que a Eurovisão mostrou, a TV mundial já havia mostrado antes: há um povo que não foge a luta e que não é o brasileiro, é o ucraniano. Mas até outubro temos que mostrar que não existe sequer a conversa, a menção, a sugestão, o pensamento de que aqui perder a liberdade é assim tão fácil, tão omisso, tão promíscuo – porque nós não somos assim. Porque os escravizados vieram totalmente apartados de seus laços, famílias, casas – mas aqui, ao chamarem mãe e pai na religião, jogaram redes que aqui estão. E novas famílias – mesmo sendo de santo – foram aumentando e se formando, até o ponto de estarmos aqui apontando o que a política quer continuar a fazer e pedindo para que digamos não. Não a divisão. Não a exploração. Não a escravidão. O menino que entrega comida de moto é o escravo de século XXI (?).


Nós não somos assim. Há um orgulho em ser como nós – quando o indígena apenas se negava a trabalhar, comer, a viver e ficava totalmente parado – à espera – nem que fosse da morte, do castigo, da tortura porque nada é pior do que não ser livre.


O 13 de maio passou como uma data a se esquecer, mas ela foi construída com o nosso orgulho, nosso sangue. E assim como a Ucrânia impressionou o mundo com a sua capacidade de lutar, nós somos capazes de fazer o mesmo e resistir. Porque democracia é luta diária e nos deixamos dividir – e a escola péssima, não nos mobilizou, a saúde pobre não nos mobilizou, a segurança que virou matança não nos mobilizou, o lixo pelas ruas não nos mobilizou, a falta de esporte, a falta de espaço, a falta de atenção – nada nos mobilizou. Mas a falta de liberdade, não. Nunca. Porque liberdade somos nós, é o povo, é a vida e a sociedade. Liberdade é apontar a porta da rua e dizer claramente: FORA!


Somos um povo, aqui também, um povo orgulhoso da sua forma de ser e resistir. Somos brasileiros. Somos o Brasil, falando, aqui.

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV


“Abolição da Escravatura?” Bug Sociedade

Turritopsis nutricula, incrível água-viva de, até, 2 cm, que dizem ser imortal não me sai da cabeça. O que ela sabe da vida e o que pode nos ensinar? Preciso acreditar que ela procura equilíbrio em si e no exterior. Ou será que ela nem quer saber já que a imortalidade é algo adquirido? Dizem que Putin está muito doente. São várias as doenças que divulgam, incluindo Câncer e Parkinson. Não sei bem o que pensar, muito menos sei qualificar. Ucrânia continua a ser destruída por ordens de Putin, ele movimenta-se sempre junto das malas que dizem conter os botões dos ataques nucleares, as votações da Eurovisão, neste sábado, sofreram ataques cibernéticos russos para evitar a vitória da canção ucraniana. Um homem doente? Em que lugar do corpo mesmo? A Eurovisão é um dos maiores espetáculos de televisão neste momento no mundo. Uma máquina brutal, bem organizada, inovadora em tecnologia, design, edição, direção de imagem, direção de conteúdo, entertainement e que sempre abraçou a diversidade. É o lugar! Abba (1974) e Celine Dion (1988), são alguns exemplos de artistas que explodiram depois da sua vitória. Putin também sabe da projeção deste momento, a importância que tem para a Europa e, principalmente, para as pessoas de todos os cantos europeus – o pobre, o rico, o alto e o baixo. Foi um momento incrível poder acompanhar em Salvador, pelo Youtube, o show e a votação com a companhia de pessoas da família em Portugal, via videoconferência. Mais incrível ainda testemunhar ao vivo a votação que as pessoas atribuíram à canção ucraniana. Quando o povo pode falar, pode votar, ele precisa dizer o que pensa e o que quer. Não pode vacilar, muito menos perder essas raras oportunidades. O povo da Europa no sábado pela noite disse a Putin o que tinha a dizer. Ele sabia disso e tentou impedir. Felizmente não conseguiu. A quantidade de cantores que se emocionaram durante o próprio desempenho – a cantora espanhola, o cantor australiano, a cantora holandesa,... – demonstraram a importância e a intensidade que este evento, teve na vida das pessoas. Senhor Bolsonaro e os que o seguem algum dia precisam de aprender que a cultura tem um papel e um valor brutalmente importante na vida. Não é divertimento não! O comentário de Volodymyr Zelenski, após a vitória: “...a nossa coragem impressiona o mundo, a nossa música conquista a Europa.” Tem toda a razão! Um linda música, uma letra sensacional, uma vitória muito especial e merecida e um evento cultural que permite que as pessoas “falem”. Brasil, os eventos culturais precisam dar espaço para as pessoas falarem porque são elas o que importa.


Eu tento encontrar argumentos minimamente válidos para um ser humano se achar superior a outro, mas é difícil. Abolição da escravatura dizem que já aconteceu. Dizem que depois do dia, do momento de algo termina, que ainda existirá um lastro e durante algum tempo pode existir esse comportamento, situação. Como o gás de um refrigerante que vai saindo até terminar. Um tempo entre abrir a garrafa, deitar no copo e o gás terminar. O “gás da escravatura” não termina nunca! 134 anos... É impressionante! Olhamos numa direção e tudo parece ter desaparecido. Olhamos noutra direção e sempre aparece uma situação pior ainda do que a anterior...


Inma Puig, nos lembra: “O futuro é dos sensíveis.” No presente permanecemos insensíveis, se calhar precisamos fazer algo. Tudo o que nos é confortável, nos hipnotiza, nos bloqueia, nos cega. Estamos bem? Estão está tudo bem. Essa premissa está tão errada, não está? Porque não fazemos nada? Não conseguimos ver a verdade dos outros com nossos olhos, por muito que nos esforcemos. Nos nossos olhos parece que os outros estão sempre bem, não é? E seguimos o nosso caminho alegres da vida porque se para nós está tudo certo, está tudo certo na vida e no mundo.


Saber cuidar, perceber que o outro pode não estar bem e tentar ajudar precisa estar dentro de todos nós. De todos. Inma Puig nos pergunta porque fazemos tudo tão bem, ao cuidar das crianças, quando elas iniciam a caminhada, ao protegermos da queda, as animamos e incentivamos a tentar de novo quando caem, damos elogios, ligamos para a família toda quando elas dizem as primeiras palavras, mas, quando um adolescente ou adulto ou idoso está perante uma aprendizagem, não apoiamos, não incentivamos, não perdoamos o erro, não felicitamos o sucesso... Aliás, porquê em 10 coisas boas e 2 más, a gente só fala nas 2 coisas más? E se esse adulto está sob a nossa autoridade, muitas vezes, vezes demais, abusamos, exploramos, humilhamos, escravizamos? Mas falarem de nós? Apontarem o que está errado? Não admitimos nada, nem uma chamada de atenção.


Tem um efeito tão devastadoramente maravilhoso uma pequena atenção, um “bom dia”, um carinho, um sorriso, um olhar que se cruza e que se encontra, mesmo com pessoas que nem conhecemos, porque isso é tão raro?


Eu não sou nenhum exemplo, não se preocupem em criticar. O que sei é que tento. Todos os dias tento. E todos devemos tentar. É sempre tempo de experimentar, de começar, de recomeçar. Não pensar muito, fazer mais, lembra de David Del Rosario? Pois é...


As pessoas dizem cada vez menos o que sentem, o que vivem, o que sofrem, as ajudas que precisam, mas as que conseguem falar, as que colocam em palavras tudo isso, nos deixam espantados e assustados com o nível de sofrimento, de desamparo, de falta, de maldade, de loucura, de desequilíbrio, de “falta”, que sentem e vivem em si.


134 anos após a data da abolição da escravatura, ainda surgem casos de “trabalho análogo à escravidão”. O último divulgado, uma senhora de 86 anos, com 72 anos de “trabalho análogo à escravidão”. Uma pessoa que nem tem noção do que não teve, nem do mundo fora da sua vida, nem do que viveu. Nos últimos 27 anos, foram “descobertos” 58.166 casos. Um mais terrível do que os anteriores. E os que não são descobertos e divulgados? Vamos continuar a viver a nossa vida? A conversar com amigos e família comentando os horrores e seguindo na nossa vida boa? Aqui não tem votação por celular como na Eurovisão, mas tem números para denunciar, tem olhos para observar. Muitas pessoas neste momento precisam ser salvas pelos que precisam começar a estar mais atentos e outros precisam avaliar como se comportam com as pessoas que estão sob sua autoridade.

Ana Santos, professora, jornalista

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