A MALDIÇÃO DA VAIDADE
Espelho, espelho meu!! A vaidade parece ser um tema feminino, mas os homens são muito mais vaidosos e orgulhosos de “sua plumagem” do que nós. Como plumagem, tomem aquilo que eles querem que todos vejam e respeitem, invejem. E eles se perdem por esse caminho, podem acreditar.
Bolsonaro quando fala com orgulho de si: “o filé é pros meus filhos” – não se vê mesquinho, aquinhoando pessoas que não deveriam ser beneficiadas apenas por terem nascido nesta ou naquela família. Ao contrário – se vê deformadamente como um pai devotado. Só que não.
O olhar da vaidade deforma o que está a mostra, é um fato.
Artur do Val se viu no espelho da vaidade como um “macho Alfa”, certo? Aos seus olhos e os de seus amigos de grupo, aquela fala é “a fala do homem”, do “latino de direita que come todas as que lhe dão mole”. E se “come, tem que comentar”, senão fica invisível e assim ninguém sabe que você é o “animal gostoso da matilha”. Mas pra quem está vendo sem a lente da vaidade, sem a lente dos milhões de seguidores (esses seguidores seguem mesmo a quem?), quem é Artur do Val? Um homem de olhar depravado, que usou dinheiro público (mais uma vez) para, ao invés de socorrer refugiados desesperados, preferiu projetar um assédio que pretende fazer, falando coisas asquerosas de mulheres em situação de risco, em fuga, em guerra. Uma pessoa deplorável, resumindo.
Putin, nem se fala. Ele olha o espelho e se vê como um czar, um imperador que vai reconstruir e reunificar seu reino. Nem se vê mais como parte do mundo. Sua deturpação é tão enorme, tão maniqueísta, sua sensação de ser parte de um poder supremo é tão alta e incoerente, que ele se coloca acima do mundo e da vida humana - como apenas os maiores covardes são capazes de agir.
Aquele País tão menos visível – a Ucrânia – ao reagir como uma mulher que se defende do estupro do Putin, se torna o verdadeiro herói - aquele que atrai o olhar do público que está vivendo a vida real – e é esse olhar mundial que atrai a ação todos os governantes do ocidente. Se nós não estivéssemos olhando fixamente para a Ucrânia, Putin talvez já tivesse bombardeado tudo e acabado com o assunto. Mas ele agora também quer ter o lugar de herói, dentro de suas lentes de vaidade. Quer ser o protagonista do filme, como Zelensky. Jamais, em tempo algum, o roteiro que a história lhe apresentou – o de vilão, o de bandido, o de invasor. Ou seja, diante do espelho da realidade, Putin está furioso e isso significa descontrole. Descontrole pode implicar em erros, o que é bom, se alguém o for atacar. Mas, significativamente, o descontrole implica em vingança, em se sentir desprezado e por isso “receber o aval interno” – desfocado da realidade – para massacrar.
O que eu posso fazer, sendo apenas uma mulher ocidental do outro lado do mundo? Escrever sobre isso, no dia internacional da mulher. Porque os homens que matam, sentem a mesma vaidade do Putin e não admitem que a mulher os troque, que a mulher termine, que a mulher trabalhe e ganhe seu próprio dinheiro. Eles são os protagonistas da história e não percebem que estão construindo ali a vilania que pode acabar com suas vidas e levá-los pra cadeia, suicídio, fuga.
Na vida real, os fatos não somem e essa é a única verdade educativa ao redor da vaidade. Os fatos permanecem. Você vai tentar passar o resto da sua vida mutilando pessoas, mentes; corrompendo outras pessoas para esconder o fato que estará ali, em frente à sua vida, lhe mostrando o que fez, quem deflorou com palavras e ações, quem prejudicou, quem matou, quais vidas acabaram pelas suas mãos. E sim, você pode ser sem escrúpulos – mas como todos os que vivem, você também vai morrer. MEMENTO MORI!
E na morte, a vaidade acaba, tenham certeza. E o espelho por onde olhamos mostra os fatos que tentamos esconder de todos, mas nunca de nós. Porque nós sabemos o que roubamos, o que assediamos, matamos, prejudicamos.
No dia internacional da mulher, para além do botox, do lifting, da lipo, da reestruturação facial feitas avidamente, hoje: MEMENTO MORI!
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
“A Maldição da Vaidade” Bug Sociedade
Em plena invasão da Rússia na Ucrânia e a continuidade de uma guerra horrível entre os dois países, o parlamentar brasileiro Arthur do Val, pré-candidato ao governo do estado de S. Paulo, viajou em missão humanitária, dizem “uns”, viajou para acompanhar de perto a guerra para o seu canal de Youtube, dizem “outros”. Durante essa “iniciativa”, enviou uns áudios para um dos seus grupos de WhatsApp - o grupo dos amigos do futebol, diz ele. O que fala, nesse áudio, talvez diga muito sobre si próprio e seus amigos. É pesaroso e triste perceber o nível raso das conversas entre alguns homens, sobre mulheres, quando sabem que nenhuma vai escutar. No conteúdo dos áudios, que podem ser encontrados e escutados por qualquer pessoa que pesquise na internet, fala das mulheres ucranianas como artigos de prateleira, no mercado, artigos acessíveis para comprar, utilizar, comer, usufruir. Falando de mulheres desesperadas que estão em filas para fugir do seu país, de mulheres que fazem parte das organizações que gerem a logística complexa do movimento de quase dois milhões de pessoas. Uma linguagem, uma postura, um raciocínio, inacreditáveis. Parece mentira, parece uma história do humor mais fraco, baixo, bizarro. Mas não é. É a realidade de um mundo com aparência bonitinha, mas por dentro apodrecido até ao miolo.
Algumas das “des”virtudes humanas que poluem o mundo: machismo, vaidade, prepotência, superioridade, soberba, grosseria, que a grande maioria dos homens adquirem para serem respeitados pelos amigos dos grupos de redes sociais, de grupos de infância, de grupos de trabalho, de grupos da academia. Vemos imensos homens sensacionais e humanos mas ainda continuamos a errar constantemente na forma de educar a maior parte deles. Por quê, se somos nós as mulheres, as suas mães? Por quê se cada vez sabemos mais de psicologia, sociologia, neurociência? Onde este processo se deturpa e a “sina” se mantém? E por que razão, quando todos assistimos a comportamentos destes, na maior parte das vezes ficamos calados? Aceitando, perpetuando o problema? Sabemos que ele não desaparece. Irá crescer e um dia estourará. Ficamos sempre rezando para não estarmos presentes na hora que estoura e que não seja contra nós.
Principalmente, nós mulheres, já sofremos de alguma forma as consequências de tudo isso, ou com assédio moral, ou sexual, ou agressão, ou traição, ou intimidação, ou humilhação. Mas ninguém impede, ninguém protege, ninguém “se mete”. Ninguém quer “estragar” a aparente família perfeita. Se for muito grave ainda é necessário a coragem de fazer queixa de um homem, numa delegacia, de homens. De ficar exposta.
Uma das melhores apresentadoras da televisão portuguesa, uma profissional sensacional, teve a coragem de acusar publicamente o seu marido, professor catedrático, ex-embaixador da Unesco, ex-deputado e ex-ministro da cultura. Paga até hoje, muito caro, por essa sua valentia e coragem. E todas as mulheres sem exceção a admiram e a têm como referência, para além dela ser um enorme aviso a todas – na hora de defender o nosso lugar, nosso respeito, nossa vida, nos preparemos para perder tudo o que pensávamos ter como adquirido. Inclusive a nossa imagem, nossa carreira, nossa reputação.
Atualmente o mundo enfrenta um homem desvairado, cego, prepotente – Putin. Avisou muitas vezes e todos fomos achando que não teria coragem. De fazer de novo. Putin foi crescendo. Putin foi se fortalecendo. Putin foi-se preparando. E, um dia, considera que o provocaram e quer o brinquedo apetecido. Quem o consegue impedir? As consequências do que ele deseja são tão abismais, tão inacreditáveis que nos lembram de um passado que nunca deveríamos repetir. Ao mesmo tempo, nos interrogamos sobre como é viver perto de uma pessoa assim. Pensamos em todos os que o rodeiam, principalmente sua mãe, sua mulher, suas filhas.
Duas filhas, com mais de 30 anos, em cargos importantes, mas que não assume publicamente como filhas. A mais velha, investigadora e líder de uma iniciativa russa de inteligência artificial. A mais nova, vice-diretora do Instituto de Pesquisa Matemática de Sistemas Complexos da Universidade Estadual de Moscovo. Talvez mais 4 filhos, talvez uma terceira filha, com a ex-ginasta rítmica russa Alina Kabaeva, uma designer de moda, de 18 anos. Talvez uma filha, 2003, de uma empregada de limpeza que se tornou milionária com seu nome circulando no “caso” Panama Papers. Mas talvez sejam meras especulações. Fato é, não assumir as duas filhas do casamento que teve. Em 2020 foi noticiado que Putin estaria a recuperar de uma cirurgia, devido a um câncer e que lhe tinha sido diagnosticado Parkinson. Seja o que for que digam dele, da sua família, da sua saúde, nunca saberemos o que é verdade ou mentira. Mas sua vaidade e prepotência são visíveis. A cegueira pelo que quer, também. O que está a destruir e a provocar na vida do planeta também. A fome, dor e morte na Ucrânia também.
O parlamentar brasileiro, o ex-marido de Bárbara Guimarães e Putin, três exemplos diferenciados, de pessoas impregnadas de vaidade. Uma, perde totalmente o sentido do que faz na vida, outra, esmaga a pessoa com quem decide viver e ter filhos. O outro, num nível de vaidade poucas vezes visto na humanidade, não quer saber se com suas ações vai destruir milhões de vidas, de virar o mundo de cabeça para baixo porque o que ele quer e quando quer prevalece.
A vaidade causa muita destruição em volta. Algo continua errado na nossa construção e desenvolvimento pessoal. Na nossa educação. Ou em algo que não sabemos nomear. Porque as verdadeiras aprendizagens só as fazemos no fim da vida. Depois de fazer mal a muita gente. Continuamos a “fabricar” pessoas tóxicas, problemáticas, desagregadoras, perigosas. Precisa fazer algum sentido e ter alguma utilidade toda a nossa inteligência, tudo o que sabemos e tudo o que descobrimos.
Ana Santos, professora, jornalista
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