eu acho que, quando criança, eu não descobri que era gay.
apenas era, não tinha nada a ser descoberto, apenas vivido.
e eu tinha um prazer enorme em viver.
tive uma infância muito alegre: era muito feliz por ser muito bom no elástico, esconde esconde, garrafão...
adorava dançar! sabia todas as coreografias.
minha vida era isso.
e apesar do coração, às vezes, acelerar com a presença de um menino nunca tinha erotizado isso.
de repente o mundo começa a me informar OSTENSIVAMENTE que eu era gay e ser gay não era bom. eu tinha uns 10 anos.
os outros me descobriram!
me jogaram nu no meio do palco, apontaram os holofotes e riram. minha vida no colégio virou um inferno!
no meu aniversário de 13 anos um colega me desejou a minha morte (naqueles cartões que todos são obrigados a deixar um recado pra você).
singelo.
durante um período achei que pudesse estar ficando louco.
sobretudo porque passei a acreditar que o problema estava em mim.
passei a nutrir um profundo desprezo por mim.
tinha nojo de mim, nojo por me permitir, ainda que brevemente, às vezes sentir prazer ao me imaginar com algum cara.
mas eu só podia estar louco! louco duas vezes!!
os homens eram ruins pra mim.
ninguém nunca falou sobre o assunto comigo e eu jamais traria o assunto à tona.
me empenhei em construir a imagem de um cara que não liga, que está acima disso.
me transformei numa figura assexuada para o outro.
minha sexualidade estava restrita ao meu quarto, à minha cama e à minha imaginação (e também ao nojo e a sensação de fracasso que vinham sempre como uma ressaca).
durante anos acreditei que se conseguisse gozar pensando numa mulher talvez pudesse reverter minha condição.
se eu conseguisse encontrar prazer no oposto teria salvação.
na faculdade tive amigos incríveis, pessoas que me enxergavam e me admiravam pelo que eu era.
mas foram anos acreditando numa mentira, me forjei a partir de uma mentira, na minha loucura vi na faculdade um oportunidade de começar do zero, lá ninguém sabia do meu passado, lá eu podia ser normal e ninguém questionaria.
mesmo que ninguém se importasse mais com isso eu passei a acreditar que era assim que tinha que ser, minha vida toda (até quando eu me lembrava) tinha sido construída com esse objetivo, conseguir ser hétero, não iria desistir agora que estava tão perto.
aos 26 anos fui beijado pela primeira vez por um homem todo meu corpo tremeu, descontroladamente, não foi um tremor bom.
no dia seguinte tive febre, vomitei, fiquei de cama.
meu corpo dava sinais de que a minha "terapia" auto-induzida era efetiva.
só consegui me abrir à possibilidade de um outro beijo um ano depois.
e cada dia é uma nova batalha.
contra o mundo e contra um mundo dentro de mim.
CURA GAY não é brincadeira é CRIME! doença é a homofobia!!!