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2 Contos sobre um novo amanhecer


Conto “NUBLADO, SÓ CÉU”

Ela abriu os olhos cedo porque tinha dormido mal, depois de tantas fofocas ameaçadoras. Podem agredir, atacar, provocar e nem as mulheres e crianças vão escapar.

- Gente, o que é isso...

Brasil é fogo. Desde que se lembrava havia uma frase que selava o nosso destino naquele momento. Esse é um País que vai pra frente, Brasil, ame-o ou deixe-o, Gigante adormecido, Ninguém segura a juventude do Brasil, 90 milhões em ação, pra frente Brasil, do meu coração...

- Seria um slogan ou um vaticínio do qual sempre precisamos fugir, renascer? – pensou inquieta.

Olhou pela varanda de casa – tempo nublado. Nem sabia se isso era bom ou mau sinal. Ela apenas estava cansada de ser rondada pela morte – vestida como um espantalho disfarçado e de uma agressividade que nunca tinha sido tão explícita. O desprezo ao gênero feminino de todas as formas que existem, feminicídios, pandemia, assassinatos cada vez mais comuns...

Suspirou e depois de pensar por meio minuto, resolveu nem se pentear, antes de sair de casa. Queria a totalidade de si mesma e ela era o caos a maior parte do tempo.

- Que Brasil é esse, minha gente...

Movimento na rua era pouco. Era um frenesi. Pessoas, de um lado para outro, guardadores de carros, ambulantes. E gente. A agitação efervescente da democracia. Votar!

Era contra – radicalmente – a obrigatoriedade do voto. Os políticos nem se esforçavam para nos tirar de casa, nos convidar e convencer a votar porque contavam com a obrigatoriedade do voto. Brasil é assim. Antes de confiar, controla; antes de premiar, castiga. Mas nesse dia, apesar de preocupada, ela ia alegre. O voto decisivo era o dos escanteados de sempre: mulheres e pobres.

- Que beleza...

Que ironia, ter que contar com quem nunca faz parte da conta, pensava ela, em busca de sua cola, já pronta muitos dias antes. Afinal queria usar a menor quantidade de tempo para clicar e se sentir feliz de novo.

Votava longe – outra coisa errada.

- O STF poderia desenvolver um sistema onde a gente pudesse votar nas zonas mais livres e não na nossa, obrigatoriamente.

Um dia...

Agora, ir. Fechou a porta, abriu o cadeado do portão com cuidado, trancou tudo e olhou o céu. Não importava se estava nublado ou não porque ela via no céu esperança.

- De novo a luz, quem sabe? – Suspirou e começou a andar.

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV


Conto “Olhos fechados”

Ana tenta entender o momento que está a viver. O país onde vive está a um dia de saber o seu futuro. Sente-se como quando o doente vai ao médico para saber se a doença regrediu e se pode voltar a viver como vivia antes. Sente uma enorme honra de poder fazer parte de mais um momento muito importante deste país. A vida muda muito, noutro país, noutro continente, noutro hemisfério. Ama comer assolapada o acarajé, se lambuzar nos seus sabores que sempre a fazem fechar os olhos e agradecer por ter mudado a sua vida para sempre. Lamber os dedos depois de descascar manga, fazer a caminhada comendo fruta do conde e ir cuspindo as sementes para as matas, comer pitanga da árvore. Viajar e parar no bar/restaurante Pamonha para comer aquela super coxinha de galinha, ou o super kibe ou o super pão de queijo. E em cada um, os olhos fechados sempre acontecem. Receber a oferta anual e mágica da comida de preceito no dia de S. Cosme e Damião por uma amiga mais do que especial. Outro momento olhos fechados. E olhar a Baía de Todos os Santos? Ahahahah, não pode fechar os olhos para não perder pitada, mas quando relembra mais tarde, acontece. E o pastel de queijo coalho na Mouraria? E o suco do Zé? E a carne ou galinha na panela em qualquer boteco da Bahia? E as caminhadas e mergulhos no mar nas praias desertas, na linha verde? E tantas coisas mais??? Agradece aos brasileiros que fazem a vida dela mais bela, mais rica e mais gostosa com Gonzaguinha: “Viver e não ter a vergonha de feliz...

Sempre aqueles olhos fechados quando acontece algo especial à sua volta, ou no que come. Amanhã, quem sabe, ela fecha os olhos, longamente e intensamente de novo.

Ana Santos, professora, jornalista


“O Que é, O Que é?”

“Eu fico com a pureza

Da resposta das crianças

É a vida, é bonita

E é bonita


Viver

E não ter a vergonha

De ser feliz

Cantar e cantar e cantar

A beleza de ser

Um eterno aprendiz


Ah meu Deus!

Eu sei, eu sei

Que a vida devia ser

Bem melhor e será

Mas isso não impede

Que eu repita

É bonita, é bonita

E é bonita


Viver

E não ter a vergonha

De ser feliz

Cantar e cantar e cantar

A beleza de ser

Um eterno aprendiz


Ah meu Deus!

Eu sei, eu sei

Que a vida devia ser

Bem melhor e será

Mas isso não impede

Que eu repita

É bonita, é bonita

E é bonita


E a vida

E a vida o que é?

Diga lá, meu irmão

Ela é a batida de um coração

Ela é uma doce ilusão

Êh! Ôh!


E a vida

Ela é maravilha ou é sofrimento?

Ela é alegria ou lamento?

O que é? O que é?

Meu irmão


Há quem fale

Que a vida da gente

É um nada no mundo

É uma gota, é um tempo

Que nem dá um segundo


Há quem fale

Que é um divino

Mistério profundo

É o sopro do criador

Numa atitude repleta de amor


Você diz que é luta e prazer

Ele diz que a vida é viver

Ela diz que melhor é morrer

Pois amada não é

E o verbo é sofrer


Eu só sei que confio na moça

E na moça eu ponho a força da fé

Somos nós que fazemos a vida

Como der, ou puder, ou quiser


Sempre desejada

Por mais que esteja errada

Ninguém quer a morte

Só saúde e sorte


E a pergunta roda

E a cabeça agita

Eu fico com a pureza

Da resposta das crianças

É a vida, é bonita

E é bonita


Viver

E não ter a vergonha

De ser feliz

Cantar e cantar e cantar

A beleza de ser

Um eterno aprendiz


Ah meu Deus!

Eu sei, eu sei

Que a vida devia ser

Bem melhor e será

Mas isso não impede

Que eu repita

É bonita, é bonita”


Gonzaguinha


Gonzaguinha - O que é, O que é? (Viver e não ter a vergonha de ser feliz)

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