Conto “A empáfia dos falsos”
Ela sempre se espantava com a reação à diferença, em seu País. Um lugar onde havia os que se posicionavam como muito ricos, milionários, enquanto eram apenas menos pobres que os pobres que eles fingiam nunca ver.
No seu País, os verdadeiramente ricos se escondiam. Ninguém sabia sequer quem eles eram, que lugar ocupavam, onde comiam – medo de sequestro, de roubo, de sei lá o quê. Usavam os mais pobres pra tudo. Eles faziam as compras, escolhiam seu pão, sua farinha, limpavam seus lugares. Na verdade, eles não controlavam nada em suas vidas, acreditando que poderiam controlar tudo, se controlassem as pessoas.
- Mas pessoas são controláveis ou se deixam controlar? – ela pensava.
Nesse momento, era preciso olhar com bastante atenção para entender onde morava a verdade porque todos eram enganados e enganáveis. Ao mesmo tempo.
Na eleição passada os candidatos foram destruídos um a um pelos autores das mentiras – e eles venceram. O que acontece quando a mentira vence?
- O caos! É tiro pra todo lado, bolo de arma em aniver de criancinha, autorização pra dar tiro e ter arma, mais arma, mais arma... É pobre caindo como pó. Pandemia e pó. Tiro e queda. Pá, pá, pá... Aquilo que era, não foi. Passei de bife a pezinho de galinha...
E agora tudo de novo.
- Não quero votar! Opa... Não quero votar? Mas se é a única hora da minha vida onde eu me igualo ao mais rico, ao banqueiro, ao cara que vai trabalhar de helicóptero... Esse pessoal meu patrão se olha no espelho e tem de virar... eu. Medo de perderem dinheiro e passarem a ser eu. Mas quando passam na frente do espelho, procuram o helicóptero.
- Não tem helicóptero! Tem a categoria muito rico, vocês que fogem da pobreza e nós – aqueles em que a pobreza veio como uma onda e nos envolveu. Aqueles que tentam não se afogar. Cadê meu título, pai? Painho!
Pegou o celular e baixou o título.
- E não me venha oferecendo dinheiro porque nem um ouro paga eleger quem eu quiser. Nenhum ouro me dá a alegria de tirar essa arma da cabeça de meu irmão, de meu crush. De meu pai, coitado – que tem o sonho de me ver na UFBA, gente... Meu Pai me ajude, me ampare, me guie. Que ninguém morra de tiro, por favor, nunca, nunca, nunca...
Baixou o título com a internet do patrão, só pra atazanar...
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Conto “Os indecisos”
Indeciso 1
Ana acaba de fechar a porta do apartamento e começa a descer as escadas do prédio. Tem a cabeça num turbilhão complexo e confuso de informações, de dúvidas, de medo. O pai diz uma coisa, a mãe outra, o patrão outra, na televisão em cada canal uma opinião, o marido outra, as amigas, as colegas de trabalho, etc. E ela? O que ela acha? O que ela quer? Nunca teve espaço para isso, só quando vota. Em tudo na sua vida, tem de fazer o que algum outro quer, precisa, exige. Só quando vota, faz o que quer. Numa vida de 50 anos, são tão poucas as vezes que vota e, portanto decide sobre a sua vida – e dos outros – que sempre que vai votar fica confusa e nunca sabe o que pensa, o que é melhor para si. Não sabe decidir, escolher. Da próxima vez precisa ler e conhecer melhor a atualidade para saber o que vai escolher.
Indeciso 2
Ana olha-se no espelho e tenta ganhar a coragem que necessita para enfrentar todos à sua volta. Ela vai votar no candidato que ninguém na sua família vai votar. Ela não concorda com nada do que amigos e família falam e pensam e chegou a hora de utilizar o seu dedo para tomar a decisão que seu coração lhe diz. Ela defende a Pátria mas as pessoas que falam na Pátria, nada fazem por ela. Ela defende a família, ela que tudo faz, os sofrimentos e sacrifícios em toda uma vida, mas aqueles senhores que dizem respeitar a família, utilizam só as palavras, porque na prática andam de moto, com os amigos e a curtir nos finais de semana, não pensam nem na família.
Indeciso 3
Ana fala com a sua cabeça e sua alma, mais uma vez. Diz que é mulher e que um dos candidatos não respeita as mulheres. É negra e um dos candidatos não defende a sua cor. É lésbica e um dos candidatos não aceita a sua natureza. É indígena e um dos candidatos permite a destruição sem limites da sua casa, a Amazônia. É contra o uso da violência, das armas e um dos candidatos incita à violência e ao uso das armas. Não precisa estar mais indecisa. É muito claro agora que decisão deve tomar.
Seu dedo escolhe com calma e com certeza, com clareza e com confiança, com esperança num futuro mais sorridente.
Ana Santos, professora, jornalista
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