Conto “DIA DAS MÃES”
Todos peladinhos, amontoados no ninho da sabiá, feinhos, pelancudos, mas as fofuras em pessoa! Vem a mamãe, traz minhoquinhas de todos os tipos e tal.
Ocorre que a estação de chuvas começou mais cedo e – meu Deus! – nenhum telhado estava pronto para as chuvas que caíram, creio eu. A chuva caía de balde - Deus resolveu colocar todos os telhados em teste, em Salvador, creio.
E lá estava ela, de nariz pra cima, de olho na mamãe passarinha e também nas goteiras da varanda. Não havia o que fazer – a casa ia ficar com água – paciência. De vez em quando um trovão lhe lembrava de não colocar mais do que o nariz para cima – caía uma chuva tão pesada que as plantas se encurvaram todas, com o peso da água.
De repente, um piu diferente. Ela levanta os olhos. Lá estava o peladinho, com as asas abertas, tentando batê-las para que a goteira que havia no ninho saísse de cima dele. Impasse total. Não podia ajuda-lo porque a mãe ia expulsar todos os filhotes do ninho, não podia deixa-lo encharcado porque ia morrer, não podia tapar a goteira porque a chuva não permitia nada.
Ficou por ali, olhando o desespero do passarinho, sem saber direito o que deveria decidir.
Num dado momento prrr – a mãe chega, se chacoalha do lado de fora do ninho e de um jeito bem de dona da casa, senta em cima dos filhos e pega a goteira toda pra si mesma. Cara de mãe era pouco! De vez em quando, sacudia a cabecinha, espantando a água. Mas lá ficaram a mãe, a minhoca, os filhotes, o ninho, a chuva, a goteira e os olhos da menina, que entrou em casa, arrumou uns pedacinhos de fruta, um pedaço de pão doce e deixou tudo arrumadinho na varanda.
Ninguém soube como ou por quê, mas, no dia seguinte, a mãe voltou com a minhoca no bico, como sempre. Piou os filhotes, mas todos haviam sumido. O porteiro do prédio ao lado testemunhou a invasão dos micos – uns 15 – que depredaram todos os ninhos, ovos e filhotes.
Lá ficou a menina, com o nariz pra cima e já fungando com a morte de todos os seus amigos. No dia das mães, não havia mais filhos e a mãe, coitada, nem piava mais, por ali.
O final feliz ficou vazio. Uma Ucrânia. Bem no meio de Salvador da Bahia.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Conto “Sabiá”
A Sabiá encontrou um lugar para fazer o ninho. Na verdade parecia um Spa ou até um condomínio fechado. Sensacional! Fez um ninho do lado do telhado que é mais protegido para o inverno e fez outro do lado mais arejado para o verão. Apesar de toda essa “tecnologia e conforto” ultimamente só utiliza o ninho mais protegido.
De vez em quando os humanos começam a ouvir uns cantos e a alegria chega à casa – “pessoal a Sabiá veio de novo criar seus filhotes”. Pensem nuns humanos felizes...
Fica um tempo sentadinha, com os ovinhos debaixo. Umas semanas. Deve ser bem quentinho esse lugar. O seu par vem com comida de vez em quando mas é um período bem silencioso, bem calmo. Não tem muito piar. Se os humanos vão ao jardim quando o sol está a ir embora, a Sabiá fica irritada e manda-os para casa. Como se estivesse dizendo que os filhotes necessitam de um ambiente calmo para nascerem.
Um belo dia os vizinhos humanos começam a ouvir uns “piu piu”. Oba! É dia de nascimento. A Sabiá já não fica no ninho de dia, só de noite. Quando os filhotes cantam bem alto os humanos já sabem que é hora de alimentação. E lá vem a Sabiá com comida na boca, muitas vezes com uma minhoca pendurada no bico. Primeiro estaciona no galho da pitangueira. Parece que está a apreciar as redondezas e tentando entender se está tudo bem. E depois voa para o ninho. É uma alegria! Aquelas boquinhas abertas e a mãe distribuindo seus achados, um pouco em cada uma. Se os humanos abrem a porta com mais barulho para ver essa beleza de momento, a Sabiá voa e deixa os filhotes piando, piando, sem entenderem porque a refeição foi interrompida. E os humanos lá tomam vergonha na cara e fecham a porta para a refeição terminar sem alvoroço.
As cabeças vão ficando maiores, o piar mais forte, a penugem mais escura e mais farta, o ninho ficando apertado para todos, e um dia inicia-se a aprendizagem do voo. A mãe chama dos galhos da árvore ou do fio de eletricidade ou do muro de uma das casas e os desafia a saírem do ninho. A irem ter com ela. É um piar diferente e parece envolver um ambiente sério acham os humanos, mas a verdade é que também nunca viram as sabiás sorrirem na vida, por isso tudo parece sério. O que parece é que a mãe ou o pai, os humanos não sabem bem qual, ensinam um filhote de cada vez a voar, a virar adulto e a ir embora viver a sua vida.
E um dia, a casa esvazia porque o ninho esvazia. Deixa de existir aquela feliz sinfonia diária, aquela sensacional rotina. Os humanos ficam desesperados, aguardando o momento em que se inicia de novo o processo. E um dia, ela volta e começa tudo de novo. Umas vezes o processo é feliz, outras vezes nem tanto. Numa dessas vezes menos boas, os humanos presenciaram um momento duro, triste e desesperador para a Sabiá. Na hora do almoço, no galho da Pitangueira, não se ouvia o piar dos filhotes. Os humanos também não estavam entendendo. Os filhotes ainda não estavam crescidos para voar. As aulas ainda não tinham nem começado. Eles ainda eram muito pequenotes e com pouco pelo. Mas a verdade é que não estavam no ninho. A mãe, com a comida na boca, uma minhoca pendurada no bico e uma espera e uma aparente inquietação. Roda para um lado, roda para o outro. Foi embora e não voltou mais ao ninho. Sabia que os filhos tinham sido roubados por algum animal malvado e não podia, ela, correr o risco de ir ao ninho e ser apanhada também.
Tristeza. Ninho vazio. Invasores. Os humanos queriam dizer-lhe que pode voltar a criar seus filhotes de novo ali mas não sabem se a Sabiá vai achar o mesmo. Uns apaixonados por Sabiás dizem que eles não voltam ao mesmo lugar onde foram ameaçados ou onde os filhotes foram roubados. Outros dizem que quando lhes roubam os filhotes, elas voltam ao mesmo lugar e até mais cedo porque a ninhada anterior não prosperou. Ninguém sabe o que vai acontecer. O que se sabe é que tem muitos humanos tristes e na expectativa. Com esperança que voltem. Volta Sabiá. Tem muita gente com saudades...
Ana Santos, professora, jornalista
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