Conto “OS EGOÍSTAS MORREM SOZINHOS”
Eu tinha perdido o sono e via na TV um programa político, já bem no meio da madrugada, ali perto das 4 horas da manhã. Queria dormir mas, preocupada em não perder a hora – tinha me compromissado em acompanhar um evento na manhã seguinte - não conseguia.
Muito comentário dos jornalistas com aquele remanso do “é assim, fez assim, traiu e é assim”. Mas de repente, o nome de uma deputada nordestina, idosa, do tipo “mulher forte sim senhor” apareceu. Estava na UTI por causa da falta de educação dos seus pseudo-colegas. Eu digo pseudo porque colegas de qualquer empreitada que seja, agem como colegas – ou seja - com respeito. Uma mulher de 89 anos fazendo um discurso sobre a terrível ditadura brasileira e aqueles “punguistas” de atenção tentando roubar a respeitabilidade da fala dela.
- Eles tiveram figura feminina por perto? Qualquer uma! Porque não agem como filhos e netos – são como vermes terríveis, que atacam à dentadas a honra e a respeitabilidade de personalidades – femininas - do seu País - como poderiam ser suas avós ou mães.
- Quanta coragem é necessária para se ser covarde em público? Televisionado na cara das pessoas? – eu me perguntava perplexa. Quanta coragem é necessária para que percam toda a vergonha na cara e partam para a provocação pura e simples – tal qual esses jogadores de futebol mascarados que fingem tomar a falta, caem estatelados no chão e são tão tapados, mas tão tapados, que ficam acompanhando com o rabo do olho a movimentação pelos monitores – que estão captando e transmitindo a mentira do seu olhar?
- Deputado era esse nojo de pessoa e eu não sabia? Do tipo que te dá ânsia? A Câmara tinha ou não tinha chefe? Porque para que isso acontecesse na cara do povo, esse um – o líder deles - também tinha muita coisa faltando por dentro. Líder podia ser de grupo, gangue, milícia, bandidos, pessoas. Mas líder, lidera. E líder que não lidera – por omissão, covardia, cumplicidade ou por incapacidade - tem que ser denunciado e chutado pra fora.
Homens “tão machos”, dando seu bom e velho ataque de pelanca a cada reunião, cada fala... Homens do tipo que a gente vê a moral descendo ladeira abaixo, enquanto as pessoas normais – NÓS! – vemos perplexos o que agora se ousa chamar de direita. Direita não é nada disso. Conservador não é nada disso. Isso se chama falta de princípios. Talvez de caráter.
Era seu aniversário de 64 anos. Tinha perdido sua mãe aos 92 anos e sempre via nela a semelhança da luta da deputada – em seu caso, para educar três meninas muito pequenas após a morte do pai. Luta, respeito, honestidade eram as palavras-chave.
Ela se perguntava se o Brasil havia se transformado num País de cegos e quando isso ocorreu.
- Ou um País de machinhos idiotas metidos a Collor de Melo, que davam entrevista dizendo um pomposo: “tenho aquilo roxo”! – pra todas as incompetências possíveis e imagináveis!
O fato é que aquilo que se via em Brasília não era nem direita, nem esquerda, com certeza absoluta! Aquilo era falta de respeito – e ditos conservadores que nem respeito à idade de uma colega tem... merecem o lixo das relações.
- Os egoístas morrem sozinhos, os egoístas morrem sozinhos, os egoístas morrem sozinhos...
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Conto “SSASSENHORA...”
(dezembro de 2023)
- Vizinho, bom dia!
- Bom dia!
- Queria lhe pedir que tivessem a gentileza de fazer de novo a poda da sua árvore. Os galhos estão a começar a aproximar-se dos fios elétricos e do asfalto de novo.
- Ah ok... Deixe passar o Natal e o Ano Novo que a gente faz o pedido de poda de novo.
- Ok, obrigada
(fevereiro de 2024)
- Vizinho, bom dia. Já fizeram o pedido de poda?
- Ainda não. Mas depois do Carnaval a gente trata disso.
- Ok, obrigada. Entretanto todos os moradores da rua vão contribuir de novo para limpar o terreno baldio. Vocês podem colaborar também, como na vez anterior?
- Estamos a fazer umas obras de saneamento no prédio e agora não dá muito jeito fazer mais essa despesa.
- Ok. Tudo bem. A gente assegura a limpeza do terreno, para vocês terem mais dinheiro e tempo para podarem a árvore. Mas por favor não esqueça de tratar desse assunto porque os galhos estão cada vez mais em cima dos fios elétricos, a tapar a iluminação pública da rua e quando passam caminhões/camiões, muitos galhos tocam, se partem. Alguns até ficam presos nos veículos e isso pode ser perigoso – danificar cercas elétricas, inclinar o poste da Coelba, ferir crianças que passam para a escola.
Em maio de 2024 deixei de ver o vizinho, deixou de responder às minhas mensagens. Enviei um email para a síndica do prédio. Enviei o email de novo. Já estamos em junho de 2024 e a rua e a nossa casa às escuras porque a iluminação está tapada pelos galhos. Tem galhos pesados em cima da fiação da rua. Tem galhos que chegam ao chão – e que os moradores quebram para impedir acidentes com crianças, com carros, com caminhões/camiões. Ninguém responde, ninguém faz nada.
Hoje vi o vizinho na rua...nem me cumprimentou. Bom, chegou a hora de pedir ajuda às entidades competentes da cidade.
- Boa tarde. É da Prefeitura?
- É sim.
- Queria pedir que viessem à nossa rua retirar os galhos de uma árvore que estão a tapar a iluminação e galhos que estão em cima de fiação elétrica.
- A árvore é pública?
- Não. Pertence a um prédio.
- Sendo de um prédio, é o prédio que tem de fazer a poda.
- Mas não faz. Peço desde dezembro de 2023.
- Lamento, mas não podemos fazer nada.
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- Boa tarde. É da Coelba?
- É sim.
- Queria pedir que viessem cortar uns galhos que estão em cima de fiação elétrica, a tapar a iluminação pública, por gentileza.
- A árvore é pública?
- Ela está a incomodar a via pública, mas ela é privada. Acontece que o prédio, dono da árvore, não faz a poda. Peço desde dezembro de 2023.
- Nós não podemos podar. Podemos desligar a energia quando o prédio fizer a poda.
- Mas eu estou pedindo ajuda vossa para “incentivarem” o prédio a podar a árvore.
- Mas não podemos fazer nada porque a árvore é privada.
- Mesmo que ela danifique fios elétricos?
- Infelizmente...
- Sério isso?
- A senhora pode pedir para irem verificar a situação se for presencialmente aos nossos serviços.
- Por telefone não dá?
- Infelizmente...
- Ok, obrigada.
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- Boa tarde
- Boa tarde
- Disseram-me para ligar para os senhores para fazer uma queixa de uma poda de árvore que precisa ser feita por um prédio.
- Mas a senhora quer o quê?
- Quero que me ajudem a “estimular” a síndica do prédio a podar a árvore, antes que aconteça alguma desgraça.
- Mas a senhora é que vai fazer a poda?
- Eu? Quem dera... Se eu tivesse dinheiro até podava mesmo. Eu não sou a dona da árvore, o senhor é que é do serviço que deve fazer isso e faz-me uma pergunta dessas?
- É que não sei como posso ajudá-la...
- Eu é que tenho de dizer ao senhor? Então eu liguei para lhe pedir ajuda e afinal eu é que tenho de lhe dizer o que deve fazer? Me deram seu número como sendo o serviço que trata destes problemas e afinal o senhor não sabe me ajudar?
- Lamento muito.
- Boa tarde.
/////
Que loucura tudo isto... Como, de repente, ninguém sabe, ninguém quer, ninguém é capaz de resolver assuntos que são das suas responsabilidades? Vou fazer o que faço sempre nestes momentos...zerar na minha cabeça tudo o que aconteceu e começar de novo. Sempre aparece alguém competente, no meio de tanta incompetência.
- Boa tarde
- Boa tarde. Como posso ajudar?
Expliquei tudo de novo
- Muito bem. A senhora quer fazer o acompanhamento da solicitação? Ou quer solicitar?
- Quero solicitar.
- Muito bem. Um momento.
- ok
- A árvore está a incomodar os fios elétricos e os veículos que passam?
- E também está a tapar a iluminação pública.
- Um momento.
- Ok.
- Pronto. Foi feita uma solicitação para o SEMAN. Quer anotar o protocolo?
- Sim, por favor...
- Posso dizer?
- Pode.
- Pronto. A senhora agora aguarda que o serviço seja realizado. Não sei quanto tempo vai demorar, mas se quiser fazer o acompanhamento, liga para aqui e diz o número deste protocolo.
- Muito obrigada.
- Posso ajudar em mais alguma coisa?
- SSASSENHORA...a senhora hoje foi o meu milagre...
Ana Santos, professora, jornalista
@mauricioaraujophoto
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