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2 Contos "inesperadíssimos"


Conto “FESTA DE ANIVERSÁRIO”

- Parabéns a você...

Seu filme passava-lhe em frente aos olhos. Ter nascido numa aldeia deu-lhe a visão de um mundo muito maior, onde mil vezes se sentia uma formiga.

- Mas as formigas ferram! – Sorriu ela diante de pessoas que viram seu temperamento e seu perfeccionismo colocar-se em primeiro plano muitas vezes.

Não havia do que ela desistisse, não havia o que não tentasse. E assim, aos títulos que já tinha, juntou muitos outros: jornalista, atriz, apresentadora, editora de vídeo, entrevistadora. E a cada novo desafio, surgia uma mulher diferente que cortava a grama, pintava paredes, consertava coisas – fora cozinhar e todas as coisas de mulher que ela já fazia. Um combustível que nunca parecia acabar.

Seus cabelos, negros como a noite, já se pintavam lentamente de branco, mas sua energia era ilimitada. Da vida da aldeia, trouxe a cultura e a arte europeias, a energia para educar, como professora que era e a força de uma atleta nacional, de uma técnica olímpica, numa mente que buscava por justiça ininterruptamente. Essa era ela.

Limites? Certamente os tinha. Mas lhe era importante olhá-los de frente – e quebrá-los. Muito mais se ressentia dos limites dos outros – inclusive de colegas que não viam atrasos que ela mostrava sem parar e que eles por machismo, por pouca sintonia com a evolução social e mental do esporte – achavam que poderiam omitir de seus atletas.

Do Brasil, faltava-lhe ainda um pouco de Brasil, ou seja, se este que era seu País agora, se ele se entregasse um pouco a ela, haveria de mostrar-lhe muito mais do que o que se via em termos de paixão, de ideal e de foco.

- Olhou longamente o semblante do tal deputado, em sua posse, pela TV e pensou que ainda faltava trocar muito no País para que o “Fufuca” – o “Fufuquinha” nunca mais se aproximasse da explosão de Ana Mozer, já que havia pessoas que, como ela, se davam de corpo e alma a cada momento, lágrima ou alegria.

- Muitos anos de vida...

Soprou as velinhas. Ainda havia a vida...

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV


Conto “Um outro olhar”

- Estás diferente...

- Achas?

- Completamente.

- Deve ser a terapia.

- Eu vi logo. Finalmente aceitas a terapia. Que bom. Só isso já é uma grande mudança. E é que não é pouco, é muito mudada.

- Estou e sinto-me muito diferente sim. A terapeuta tanto falou em aprender a olhar, que algo aconteceu em mim: em mudar o meu olhar, em me afastar das coisas para ter outro olhar, em aprender a olhar de outra forma, em olhar e finalmente ver, em olhar para além do que costumava ver, em distanciar meu olhar, em me desapegar...

- Nossa...nem pareces a mesma pessoa...

- Não sou a mesma pessoa...

- Não digas isso que me assustas...

- Não é para assustar. É precisamente para que sintas o contrário, para que te alegres e relaxes. Eu estou bem.

- Tá...eu entendo...mas pareces também um pouco distante...

- Talvez....ou talvez surpreendida com o que vejo, com o mundo novo que estou a conhecer.

- Como assim?

- Não sei se te consigo explicar, mas vou tentar. Vou te dar apenas dois exemplos super simples. Agora, quando olho as multidões nos grandes concertos ou shows, acho patético aquele nível de adoração. A cantora diz como deve ser e todos obedecem. Pede que se deitem ou baixem ou gritem ou sei lá, e todos fazem. Todos sabem a dancinha. Mas se o pai em casa lhes pedir um copo de água provavelmente dizem que não podem porque estão longe. São pessoas que criticam os fundamentalistas das religiões, que imitam seus gurus, mas fazem o mesmo. Esquisito, não é? Além disso, são gente rica, gente de sucesso. Como pessoas que são poderosas, líderes nos seus trabalhos – e falamos de ambientes muito competitivos – aceitam fazer o que uma pessoa, que apenas canta o que ela gosta, lhes pede.

- Xiii, nunca tinha pensado nisso. Realmente...

- Outra surpresa...veja os jogadores de futebol. Se prestar atenção e fizer essa tal distância do olhar, vê coisas incríveis.

- Nem preciso dessa distância...

- Sim, eu sei, mas se fizer o que a terapeuta me ensinou, meu Deus, você vai pirar.

- Como assim?

- Você já reparou quantas vezes cada jogador cospe para a grama, durante um jogo? E não são cuspidelas de cuspe, são melecas nojentas.

- Ai nem me fale...é um nojo. Estão sempre sempre nisso. É realmente impressionante. Mas foi isso que aprendeu na terapeuta? Isso eu aprendi e nem foi preciso gastar dinheiro nem procurar um profissional.

- Engraçadinha... 90 minutos de cuspidelas melecadas, do mais nojento material, espalhadas pela grama. Está me seguindo?

- Infelizmente. Meu estômago já revirou.

- Vai revirar mais. Quantas vezes eles se atiram ao chão, rebolam como croquetes no óleo para fritar? Quando querem dizer a toda a gente que estão a morrer, quando afinal apenas levaram um empurrão? Quantas vezes percebemos que ficam com grama no cabelo? Com a bermuda manchada? Pois é, no outro dia, dei por mim a imaginar um desses jogadores célebres a rebolar como croquete, a levantar-se, a dirigir-se ao árbitro e ao olharmos para a sua cara e cabelo, ele parecer uma árvore de Natal de melecas penduradas....

- Estou muito enjoada...

- Eu também. E se pensar na hora dos festejos do Gol, a coisa piora mais um pouco porque eles se abraçam, se atiram para o chão todos juntos. É o momento meleca nojenta em grupo. Não sei como os uniformes não colam uns nos outros...

- Bom essa terapia também te vai emagrecer. É um combo. Haja estômago....e imaginação... Preciso ir. Acho que vou vomitar.

- Vou te dar o número da terapeuta...

- Para quê? Para vomitar? Adeusinho...

Ana Santos, professora, jornalista




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