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2 Contos: “HUMPF... HOMENS...” e “Coração fraco também endurece”

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    portalbuglatino
  • há 3 dias
  • 6 min de leitura

Joana Vasconcelos
Joana Vasconcelos

Conto “HUMPF... HOMENS...”

Não conseguia compreender. Morava num País gigante, onde, quinhentos e tantos anos depois de entrar para os livros de história, ninguém tinha se lembrado ainda de investir em trens para transportarem pessoas com a mínima qualidade. Olhando a estação em Portugal que ficava em uma aldeia, via aquelas pessoas simples pegando o “comboio” como diziam e lembrava do gigante chamado Brasil e se perguntava: Seríamos todos filhos desse gigante idiota e portanto hereditariamente idiotas, karmicamente idiotas, vendo tudo o que rola aqui na nossa cara  ou somos totalmente omissos assistindo aos bandidos na Câmara Federal, em Brasília darem cabo de tudo o que presta deixando nossos bens – o dinheiro dos trens incluído – voando para os bolsos dos deputados por trás do orçamento secreto. Todos sabiam seus nomes, mas esses larápios tinham fãs. Seguidores. E que se os mandassem se atirar das montanhas dos Himalaias de Minas ou São Paulo ou Santa Catarina ou Paraná ou Rio Grande do Sul ou, ou... o chão ficaria coberto de corpos – ou não – atirar bombas nos outros vociferando bobagens é bem mais fácil do que dar uma martelada no próprio dedo de propósito, convenhamos.

A internet era uma coisa boa; e ruim. Estava do outro lado do Atlântico e lia nos portais que as mesmas pessoas envolvidas no orçamento secreto e votadas pelos idiotas que não teriam coragem de martelar o próprio dedo, aprovaram o impeachment de um dos poucos deputados que trabalhavam. Glauber, do Rio. Amava o Rio por tê-lo eleito. Era carioca e dividia amor e ódio pelos compatriotas porque também tinham votado no incompetente do governador que assobiava ao ouvir o assunto milícias. Com aquela cara de menino que quebrou o pote e que vai mentir, vai enrolar pra ninguém saber.

- Nós, os velhos, sabemos só de olhar.  Conhecemos muito bem... E ele tem aqueles olhinhos furtivos... Só os idiotas não veem.

Cruzou com um português e lhe perguntou se tinha horas. Ele olhou e lhe disse apenas “sim”, tenho. Não disse que horas eram.

- Não poderiam ser um pouco mais práticos? E responderem? Que implicância...

E a regra para o povão é: Todos precisam ser mais flexíveis aqui em Portugal porque o filho do médico está sei lá o que e o Sr. Dr. não passa mais as visitas aos seus pacientes. Velhos, claro. Manda as enfermeiras. Ficou velho, até o sistema de saúde acha que talvez esteja na hora de iniciar a troca por um paciente novo.

Todos flexíveis porque a segurança pública do Brasil não assegura rigorosamente nada para quem paga os salários absurdos desses Srs. políticos incompetentes, nascidos e criados pelo orçamento secreto, que saem de casa de lugares sortidos do Brasil inteiro – Alagoas, Bahia - e vão para Brasília para fazerem bullying uns nos outros. Em tempo: eu sou muito fã de Erika Hilton – Momento velhice: Eu falei o que esses patetas estão fazendo com o Glauber, do Rio? Ele é casado com uma deputada também, a Sâmia. Boa. Não tem muitos como eles. Ele está fazendo greve de fome, sabia? Daqueles “pindéricos federais”, quem mais teria essa coragem, depois de vinhos caríssimos e filés que nós lhes pagamos?

- Quem sabe a gente não amordaça alguns deputados idiotas pra economizarem nossos ouvidos? Uns de Minas? Tem “unzinho” de Minas que eu deveria puxar pelas orelhas e esfregar aquela cara de menino implicante no chapisco das paredes!

Suspirou. Uma geração inteira que ficava parada assistindo “o pau comer” e não fazia nada. Ela respondia, enfrentava, olhava no fundo dos olhos e dizia “não”. Com todas as letrinhas: “NÃO”. Velha, mas nunca covarde. Mas viu muitos “machos” com o rabo entre as pernas. No Brasil, com certeza se tropeçava neles e quiçá – pra usar um termo antigo – em Portugal também.

Chegou naquela padaria mais maravilhosa do mundo,” portuguesa com certeza” e pediu:

- Oh patrício, me venda aí uma civilização de mulheres organizadas, por favor. Antimachistas de coragem, de preferência. Cansei dos votos idiotas desses homens interesseiros que não saem nunca do lugar, não fazem boas alianças, puxam o saco uns dos outros, gritam bobagens sem sentido, numa devoção incompreensível, enquanto verdadeiros covardes se escondem nas ambulâncias, nas clínicas, nos hospitais com a mesma cara de menino que quebra o pote e mente.

O patrício apenas arregalou os olhos e não entendeu nada do meu desabafo supremo, profundo, filosófico!

- Tsc, tsc, tsc... Homens...

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV

 

Conto “Coração fraco também endurece”

Tenho um coração fraco. Ajudo mais do que me ajudo a mim. Não posso ver alguém sofrendo que penso logo em dar algo – como não tenho dinheiro, doo meu tempo e tudo o que estiver ao meu alcance.

Pensava que isso era uma coisa boa, mas agora, olhando meu corpo, minha vida, minhas rotinas, percebo que me afundei ao mesmo tempo que tentei melhorar a vida dos outros. Nem sei se se melhorei a vida deles, apenas sei que tentei.

Olho os outros no Instagram, no Facebook, e em todas as outras redes sociais, cheios de sorrisos e vidas perfeitas. Disseram-me que tudo aquilo é mentira, disseram-me que todos estão mais ou menos como eu. Mas em que isso me ajuda? Piora meu estado porque novamente penso em ajudá-los e novamente me deixo para segundo plano.

Talvez se não existissem outros, tudo seria melhor para mim? Ui, só de imaginar já fico nervosa. Vida sem os outros, impossível.

Todos os dias, em todos os momentos, me é dada a escolha de me manter assim ou de mudar. Mudar para ajudar os outros sem deixar de me cuidar. Mas todos os dias o medo me faz voltar para o habitual, para o automático, para o que faço sempre. Como o buraco que sei que está da estrada, mas onde sempre enfio o pneu do carro, todas as vezes que por ali passo. Todos os dias posso me desviar daquele buraco, mas todos os dias, naquele momento, penso nos outros enquanto o pneu sofre as consequências. Sempre fico chateada e triste por errar de novo e de novo e de novo. Mas só depois de errar. Nunca me disponho a pensar nisso antes de o momento chegar, para mudar o resultado do momento.

E assim, lá vão 75 anos.

75 anos a fugir de mim, a fugir de sentir. A fugir da verdade, das palavras que têm sentido. A fugir dos temas difíceis. A evitar o que parece humilhante, ridículo, vergonhoso, doloroso. Me dou conta que apenas parece assim, porque todos agiam assim e eu queria apenas fazer parte. Mas afinal nunca fiz parte, de nada. Casei com quem achavam que devia casar e julguei que era assim que se fazia na vida, tive a quantidade de filhos que deixou todos satisfeitos, escolhi a profissão e o local de viver de acordo com todos. Ninguém nunca me falou diretamente nada, mas eram seus sorrisos e alegrias que me guiavam, suas expressões de desaprovação que me travavam. Nunca consegui dizer a ninguém o quanto me doeu a morte do meu cachorro, do meu vizinho, do meu amigo. Pude demonstrar a dor da morte da minha mãe, dos meus tios, dos amigos da família.

- Dona Ana?

- Sim, desculpe, estava distraída.

- Tudo bem, Dona Ana. Está na hora. Sempre veio com acompanhante?

- Não.

- Pelo menos avisou alguém?

- Não.

- Mas Dona Ana, a senhora esqueceu o que lhe falei? É importante fazer isso.

- Não esqueci doutora, apenas decidi que será assim.

- Uma pena Dona Ana. Iria sentir-se melhor. Teria todos em sua volta.

- A doutora é nova, inocente, ainda acredita no Papai Noel. Isso não existe. As pessoas teriam de vir dar-me apoio porque eu lhes pedi. Elas não viriam genuinamente. E isso eu não quero. E está tudo bem. Afinal eu as habituei a isso mesmo, já que eu sempre cuidava de todos e sempre descuidava de mim. Deixe-as juntas falando o quanto eu me devia ter cuidado, em vez de me agradecerem pelo que eu fiz por elas. Não quero ver isso nas caras delas, esse esquecimento, essa falta de agradecimento e essa censura vil nas suas línguas. Estou aqui eu e isso basta. Isto é apenas comigo. Esqueça isso doutora, daqui a uns anos vai se lembrar de mim.

- Nossa a Dona Ana não tem “papas na língua”. Diz tudo o que pensa.

- Ahahahah...digo, mas comecei tarde. Quem sabe a doutora começa mais cedo do que eu. Aprenda comigo, por favor aprenda comigo. Bom vamos lá.

Ana Santos, professora, jornalista


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