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2 Contos: “E AÍ, ISSO É DA SUA CONTA?” e “Mais um amanhã”


Rover Thomas

Conto “E AÍ, ISSO É DA SUA CONTA?”

Um Brasil onde as pessoas exijam que os serviços públicos – caros, caríssimos – funcionem bem e não um lugar de individualismo, onde o fato de uma criança frequentar a escola pública é apontada como pobreza e não de excelência de ensino. Esse País pode existir?

Ali sentada, na reunião, com aquele homem falando de pleno exercício de cidadania, ela brigava para que seus olhos não revelassem seu mergulho íntimo. Acreditava piamente que as pessoas eram desviadas repetidamente do lugar de “condômino exigente”, pelo uso malicioso da comunicação para lhes desviar a atenção.

Mil vezes pensou qual programa gostaria de gravar com o executivo. De repente, lendo o livro que ele tinha escrito, em casa, pés pra cima, no dia seguinte, veio a luz:

- O Reformador do Mundo, como não pensei logo nisso em primeiro lugar? Como não o convidei logo de cara?

Era o programa ideal porque a pessoa poderia simplesmente olhar para o Brasil dentro do mundo e refazer tudo o que achava que poderia melhorar. Houve quem “chipasse” os políticos eleitos para monitorá-los 24 horas por dia ou colocasse o IPTU como facultativo, mediante o compromisso de arcar com todas as despesas da sua rua. No caso, ele, o empresário, queria recuperar em todas as pessoas do Brasil o conceito de que cidadania é responsabilidade conjunta e não reclamação separada, muitas vezes diante da cerveja. Não é luxo, nem status; é nossa obrigação, apenas. E ela também acreditava que a comunicação poderia reapresentar o que repetidamente era retirado do olhar das pessoas, seja porque não adianta nada você estar “afiado”, se não aparecessem candidatos bons, seja porque todos eram “treinados” para serem apenas “reclamantes”.

Ela sorriu ao pensar nos candidatos.

- São mesmo um capítulo à parte da novela tragicômica chamada Brasil...

Eventualmente se chamava de novo à realidade porque o homem continuava falando em educar para a cidadania - e ela tinha programas educativos que falavam exatamente disso - O Reformador do Mundo puxando a fila...

- Gente, parece mentira...

Abriu o livro com o qual tinha sido presenteada, viu a dedicatória que falava de cidadania e suspirou: aquelas pessoas poderiam se somar, ela pressentia...

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV

 

Conto “Mais um amanhã”

Já estava a ficar habituada a ir comprar artigos naquela loja. No início era confuso porque eles não me entendiam e eu não os entendia. Era um caos.

- Bom dia.

- Bom dia.

- O que era?

- Vocês têm corante de tinta?

- Temos.

- Oba. E tem castanho?

- Tenho.

- Qual é o valor?

- cento e cinquenta...

“Jesus... Como vou dizer que é muito caro? Como vou dizer que nunca pensei que o valor fosse essa loucura?” Pensava eu enquanto Ana dizia:

- Legal.

- Legal, Ana? – dizia eu baixinho – É um absurdo esse valor.

- Cinco e cinquenta?

- Como é?

- O valor que o cara falou foi cinco e cinquenta.

- Eu entendi cento e cinquenta.

Risada geral. Lá estou eu fazendo das minhas...

Ui, isto hoje começou bem. Seguimos em direção à praia. Ao passar numa zona com taxis, reparamos que um deles estava lavando o carro com água do bueiro. Que nojo pensamos e comentamos uma para a outra. Mas, quando estávamos mais próximas, reparamos que aquela água estava muito transparente.

- Acharam que era água da chuva? Água suja da rua? Disse o taxista.

- Desculpe mas foi isso que achamos.

- Não tem mal não. É que quase ninguém conhece esta fonte.

- Fonte?

- Isso, isto é uma fonte. Bem no meio da cidade.

- Mas a gente está vendo um bueiro. Como isso é uma fonte?

- Porque não é um bueiro, é uma fonte. Apenas tem a grade como qualquer bueiro. Poucos sabem da sua existência. A gente lava os carros, a gente toma banho no verão, a gente bebe desta água. É uma benção.

- Realmente, quem diria. No meio da cidade, uma fonte de água cristalina, com cara de bueiro. Show.

Continuamos descendo. Fomos nos aproximando do posto de gasolina, onde trabalham os nossos amigos.

- Bom dia. Está a chegar o dia.

- Bom dia. Está.

- Vai passar aqui?

- Como assim? Na volta da caminhada? Não costumo mas posso passar.

- Ahahahah....ai esta baiana estrangeira que não aprende. Estou lhe perguntando se vai passar aqui, na cidade, seu aniver.

- Ups...não aprendo mesmo...ahahahah...vou passar sim. Tranquilamente, no lugar mais confortável e familiar. Mas não se preocupe que pela manhã passamos por aqui. Quero o seu abraço de aniver.

- Combinado.

Dou cada fora. 12 anos e ainda tanto para aprender.

Quando chegarmos em casa, vou tomar um banho no chuveiro de Jailton, vestir roupa da Ana, comer comida de Jaciara, ler o livro do Paulo, dormir no sofá da Ana Maria, ver o jogo com o José, ligar à Graça, pensar na Lucília, perguntar pelo Manel, olhar a Sabiá e o Beija-Flor. Tão pouco, tão bom. Para ser perfeito, quem sabe ter o direito a mais um amanhã.

Ana Santos, professora, jornalista

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