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2 Contos do Céu


Conto “O MELHOR É PRA ELES”

Eu ligava todos os dias. Ela já não falava como antes, mas não importava. Eu amava ouvir o que ela falava e rir. Rir. E quando ela ria das mil palhaçadas que eu fazia, a vida brilhava – era o sol!


O sol já ia morno, na sua vida, todas sabíamos. Já não gostava mais de caminhar, não gostava mais de ficar de papo com a amiga da lanchonete. Já nem tomava mais café, quando descia.


Um dia, a irmã ligou – internada - falou. Eu, longe. E, de repente nos vimos frente à decisão na qual nunca tínhamos pensado antes: se ela piorar, precisar de aparelhos, vamos insistir ou permitir que se vá?


Choque. O filme como que parou naquela parte. Ninguém queria dizer as palavras, reconhecer a decrepitude, admitir que a morte era uma possibilidade real.


Na dúvida, chore. Na dúvida, sofra. Na dúvida, liberte, deixe ir em paz. Foi o que fizemos.


A vida seguiu, o trabalho chamou e lá fui eu. Pensava que sairia de São Paulo direto para o Nordeste. Mas não.


Ela decidiu fazer a viagem. Ela se foi. Assim como os pássaros que quando voam a gente só percebe quando não estão mais lá. E São Paulo virou Rio, que virou a tristeza calma que me acompanha até hoje.


Só tivemos a explosão de medo naquele dia e ao telefone. Todo o restante, ocupou o espaço da nossa decisão e foi quase sereno: “o melhor pra ela é não sofrer” - e nós vamos fazer o que for possível.


Vê-la imóvel era um pouco incompreensível, mas foi bom porque anestesiou. Viemos para o nordeste – ela junto – suas cinzas. Ela amava o Nordeste e não tivemos dúvidas em colocá-la no mar de Iemanjá. Tudo o que ela gostava foi feito e tudo foi amor. Naquele momento as águas mornas ficaram mais mornas e as ondas do mar – como sempre – aumentaram para recebe-la. Pra nós o fim, pra ela o recomeço e acredito nisso piamente – em algum lugar do universo, lá estará ela, com suas gargalhadas incríveis...

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV


Conto “Vieste de novo”

Queria-te aqui. Para me ouvires, para nos ouvires, como fazias tão bem. Para sentirmos que estávamos acompanhadas, que tínhamos conforto, apoio, amor. Percebo que apesar de já não estares aqui, se eu penso no bem que me fizeste, me fazias, essa forma de te lembrar me dá a mesma sensação e fico bem, fico melhor. Choro, ainda choro, peço ajuda, ainda peço ajuda, me lamento, ainda me lamento, mas no final, fico bem. Limpo as lágrimas, saio desse lugar de mimo, de vítima, de falta, e é como se tivesse estado contigo, falado tudo, visto teus olhos seguros, teu sorriso carinhoso e tuas palavras sábias, as mãos quietas uma por cima da outra. Como se tivesse tomado um bom banho depois de me sujar no quintal, mexendo na terra. Saio limpa, lavada, leve. Fazes-me falta, mas sei que fazes mais falta a outras pessoas. Sei que essas pessoas precisavam de te ter, mas acredito que te têm. De outra forma, de outro jeito, mas têm.


Falávamos sempre a verdade, por vezes também as nossas verdades possíveis, porque percebi cedo que não as podias dizer todas mas sabias que eu sabia. Nunca as pudemos colocar em palavras. Engraçado né, fizemos isso para proteger outras pessoas, nem era para nos protegermos. Sempre o que fazer pelos outros. Sempre.


Gosto de pensar que nos vês do alto, sentada, tu que viveste a vida quase toda sem sentar. Gosto de pensar que cuidas deles, que os acompanhas, que mesmo sabendo o nosso destino, com as coisas que não gostaríamos de passar, estás, no lugar da paz, da serenidade, no lugar onde se vê a vida passar e onde se aceita o que vem e o que tem de ser.


Aprendo agora o que não conseguia. Ouço agora o que não ouvia. Sei agora o que não sabia. Obrigada. Desculpa por nem sempre te ter dado a atenção que devia quando me falavas e nem sempre aceitar aprender. O tempo tudo ensina não é? Aí está ele, travando o que precisa ser travado, mudando o que precisa ser mudado, ensinando o que precisa ser ensinado.


Tenho medo às vezes. Outras vezes tenho muito medo. Nos momentos como agora, me sinto bem, plena, fluindo e tenho a sensação que estás comigo, conosco, estás bem, olhando, pensando, tendo espaço e tempo para nós. Que bom! Nestas horas estou tão bem, mesmo com a tempestade à nossa volta. E é isso afinal né? A minha tranquilidade sente a tua presença e fica tudo bem.

Ana Santos, professora, jornalista

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