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2 Contos de Verão


Conto “VEM CHEGANDO O VERÃO”

Ouvindo Marina.


Existem artistas que basta você ouvir e é como um teletransporte – Rio de Janeiro...


Fernanda Abreu. Idem. Blitz, Tom, Chico Buarque – Nossa...


Pelos cantores, uma pista certa da idade dela e do lugar onde tinha nascido. Era do tempo em que a pessoa chegava na Praia do Diabo, mergulhava das pedras, pegava uma onda e depois ia caminhando até a antiga Montenegro e encontrava ali, do seu lado, sentados na areia, Caetano, Gal, Gabeira. No Rio, há um espaço amigável entre fã e famoso. Um espaço onde você reconhece a pessoa e conversa com ela naturalmente. Sem gritos e cabelos arrancados. Um lugar perfeito.


Olhou o mar de Ipanema de novo e de novo. Nunca cansaria de ver aquela paisagem. Todo carioca a tinha dentro de si. Uma tatuagem espiritual. Ela, que tinha conhecido o Rico e o Pety “pegando onda” e não em revistas, que tinha entendido o sol e seus horários muito antes dos filtros solares e avisos porque precisava evitar as bolhas pelos ombros, que entendia de Pasta d’agua e Hipoglós e que – quando não tinha nada disso – apelava mesmo pra Maizena e água gelada... Rio.


Rio é sinônimo de um estado de ser. Mesmo agora, nessa pandemia louca que talvez lhe assombrasse de medo até o fim da sua vida, olhar Ipanema parecia lhe chamar: “Vem”. Mesmo que pelo YouTube. Mesmo pela TV. “Vem”.


Ela não morava mais no Rio, não ia à Ipanema há anos – a pandemia nunca a deixava segura pra circular, como antes – mas quando o termostato dava “verão próximo”, ela sentia aquela sensação de estar no final da tarde vendo o sol manso de Ipanema, deitada na areia, ali perto de onde as ondas vinham muito calmas desejar até amanhã. Como um beijo preguiçoso de quem sabe que tem o coração de alguém nas mãos. O Rio e ela. Ipanema, o verão, as pessoas que não estranham quase nada, que conversam calmamente, que jogam frescobol na beira d’água pra acalmar o calor. Rio e ela. Pra sempre, em todos os momentos, tudo a ver.

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV


Conto “Corpo? É Verão!”

Ana bem tenta explicar ao seu corpo que agora é Verão, mas ele não liga. Ele não quer aceitar. Viveu 47 anos no lado do mundo em que, neste momento, seria frio. Muito frio e muita chuva. Não sei se sabem, mas enquanto num lado do mundo é Primavera, do outro, é Outono. Aqui Verão, ali Inverno, aqui Outono, ali Primavera, aqui Inverno, ali Verão. Super legal! Super entusiasmante viver estas experiências. Não é? Totalmente! Viajar para esses lugares, sofrer o jet-lag, sofrer com o calor e depois amar. Viajar para o frio e tilintar todas as partes do esqueleto, os lábios adormecidos, e rir disso. Mas diga isso ao seu corpo. O que acontece é que o corpo de Ana fica chateado e amuado com ela. Todos os anos. A briga começa sempre em setembro. O calor vai aumentando e ele recusa-se a suar. Fica quente, parece um forno. Mas suar, não, não. Suar não aceita. Parece estar aguardando o clima que é habitual na sua vida. Como se estivesse a pensar e a dizer que nesse ano o calor está a demorar mais tempo. Ele gosta de setembros quentes, mas outubro, novembro, dezembro? Não!


Sua situação de forno começa a ficar incomportável lá para outubro, não consegue impedir mais e, finalmente entende que precisa aceitar um clima que não vai arrefecer e sim aquecer muito mais. Aí se torna o rei do suor!


Uns dias de chuva de vez em quando dão-lhe tréguas e ele vai recuperando, se adaptando a mais um ano diferente. Ana sabe que ele aguarda sempre que o frio chegue. Mas nunca chega. Ana começa a acreditar que seu corpo não faz por mal. São muitos anos vivendo os mesmos rituais. Ele sempre fica confuso nas grandes mudanças. Precisa ir com calma com ele. Deixá-lo adaptar no seu tempo. Vão fazendo as pazes.


No início de dezembro, lá vem mais calor, junto com uma humidade fortíssima. É “punk”, é clima pesado. E aí, mais uma briga. Ana trata-o bem, aguardando o dia em que ele, novamente aceite mais uma etapa. Boa comida, leve e nutritiva. Muita água. Sombra, sempre que possível e os trabalhos físicos tenta fazê-los bem cedo ou no final da tarde. Por vezes não é possível e, quando isso acontece, vê que seu corpo quer brigar de novo. Ele faz, ele aguenta, mas fica refilão. Depois até gosta, mas no início está sempre em ponto de briga. Ana nunca pensou que o corpo podia ser tão “brigão”. Tinham uma relação tão boa no outro lado do mundo, nem parece o mesmo.


Mas nem tudo são problemas para ele e nesses momentos, Ana fica em paz por vê-lo bem. Quando anda descalço. Quando se molha na chuva e aguarda a roupa secar, no corpo. Quando sai de casa e sabe que não necessita de mais roupa, porque não existe esfriar no final do dia, nem da noite. Quando toma banho, em casa ou no mar. Adora os dois. Nos do mar quase adormece quando boia. Ana precisa de o estar sempre a cutucar. Adora deixar secar essa água carregada de sal. Ana também gosta, então está tudo certo. O banho que se segue em casa, é também delicioso porque tira o sal e o deixa em perfeito estado. Por falar em banho, está na hora de mais um. Está pedindo e Ana vai tratar disso. Será que é hoje que aceita água gelada?

Ana Santos, professora, jornalista

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