Conto “NACIONARO KIDÓ!
De olhos arregalados, a menina via os Incas Venuzianos e As Criaturas do Reino Abissal, pela TV – preta e branca – da casa da sua tia. Lá estava o Nacional Kid, enfrentando todos os seres maus. Meu Deus, ele entrava e saia da água e a capa nem pingava, como é possível? Meu Deus, era um pássaro!
Um dia, ela olhou o armário do quarto de cima abaixo e do alto dos seus 4, 5 anos, ele era mesmo muito grande. Poderia mesmo dizer, gigante. Como subir? O Nacional Kid daria um voo e pronto, mas... Ah! Se puxar as gavetas...
E lá foi ela, escalando. Ufa, subiu. Naquele alto enorme! Esticou os braços bem pra cima e quase encostou no teto. Uau! Essas aventuras solitárias eram incomparáveis! Lá na cozinha ouvia barulho de panelas e passadas da tia, pra lá e pra cá. Bem, estava só. Poderia tentar voar.
Olhou ao redor. Dava jeito de voar e pousar em cima da cama, no quarto da tia. Mesmo que não caísse bem, lá estaria a cama, uns 2 metros à frente. Tudo planejado.
Foi pra beirinha do armário, abriu os braços em cruz. O Nacional Kid voava com os braços abertos.
- Ai, que medinho!
Mas estava tudo planejado: 1, 2, 3! Pulou. E naqueles poucos segundos – talvez 2 – o instinto lhe gritava pra colocar os braços pra frente e se defender, enquanto o sonho lhe dizia que podia acontecer, que podia voar, quem sabe?
Prendeu o beiço na greta entre os tacos do quarto – este foi o resultado. E agora? Como tirar o beiço dali? E se a tia aparecesse? Ouviu os passos: ai, meu Deus, será que a tia tinha ouvido o barulho?
Não pensou muito mais. A prática se impôs e ela puxou a boca com toda força, arrancou do taco o pedaço preso do beiço e fugiu pro banheiro pra estancar o sangue. Lavou a boca, os dentinhos estavam todos lá, segurou papel higiênico em cima do corte.
- Ufa, ninguém viu.
Ninguém viu mesmo. Só ficou a cicatriz que, com os anos, foi ficando mais visível.
NACIONARO KIDÓ! Ela amava aquele desenho!
Tentou voar muitas outras vezes, mas a partir daquele dia – com 4 ou 5 anos – ganhou mais um superpoder. Via para além dos sonhos! A visão além do alcance! Uau! Igual aos Thunder Cats!
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Conto do “Sonho Olímpico”
Ana, corre, salta, voa, sobe, desce, cai, levanta, rebola, escorrega, arranha joelhos e cotovelos. Ajuda na apanha da fruta, vai buscar água na fonte, participa nas vindimas. Como todos os seus irmãos.
Sorri, ri, celebra e adora a vida. Seu corpo e sua vida interna são cheias de vida, de movimento. É assim a vida que aprendeu. Existe sempre algo para ser feito e seu corpo está sempre pronto para resolver.
Tem dois exemplos que lhe ensinam isso na vida. Duas pessoas que nunca vê paradas, nunca vê descansarem, nunca vê pensarem só em si. Duas pessoas sempre disponíveis para resolver os problemas que surgem, para os outros, para que todos se sintam bem.
Quando tem fome, come laranjas em cima das árvores com seus irmãos, enquanto conversam e riem. É fácil encontrar os pestinhas. Basta olhar para o chão, debaixo das árvores, e ver os tapetes incríveis de cascas de fruta que eles constroem, à medida que satisfazem sua fome.
Nada e mergulha com os irmãos no rio onde aprenderam a respeitar o meio aquático, a nadar e a respeitar a natureza e seus ritmos.
Assiste aos filmes do Tarzan, Robinson Crusoé, “Uma Casa na Pradaria”. As aventuras agradam e multiplicam-se na sua cabeça.
Lê os livros da série “Os Cinco”, de Enid Blynton. As comidas misturadas com as aventuras são muito fascinantes nestes livros.
Lê livros de Erico Veríssimo e se apaixona pelo personagem Vasco. E milhões e milhões de coisas mais que lhe estimulam aventuras, possibilidades, sonhos, desafios. Tudo isto deve aos irmãos e aos pais.
Um dia, uma tarde, uma das irmãs chama por ela com muita insistência, para ver uma coisa incrível que está dando na televisão. A primeira vez que vê pessoas fazendo algo que a apaixonou para sempre. E, nesse dia, colocou no seu coração o desejo silencioso de ir aos Jogos Olímpicos.
É muito imprevisto alcançar esse louco sonho. Mesmo impossível num lugar como o que vive. Mas Ana não sabe nada disso. Nem pensa nisso. Nada disso interessa para ela. Para ela, interessa o que aprendeu e o que deseja alcançar. O sonho, esse existe e existirá sempre. Esse, ninguém lhe tira.
Mal ela imagina que o que aprendeu com seus irmãos e seus pais, seu esforço, sua insistência, seus sonhos, juntamente com o universo, vão conspirar a seu favor e seu sonho vai se realizar dali a uns 25 anos...
Ana Santos, professora, jornalista
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