Conto “BZZZ”
“A abelha rainha... faz de mim... um instrumento de teu prazer... sim!”. Lá ia ela ao mercado sem se importar com quem a ouvia cantando no meio da rua. “Provo do favo do teu mel! hum, hum, hum,hum... no céu... e na, na, na na mão”...
As letras não importavam muito porque era mais um dia daqueles perfeitos: havia sol, o ventinho estava ótimo, ouvia suas sandálias arrastando suavemente na calçada de sua rua.
“Porque você pediu, uma canção para cantar... Raízes da mesma fábula... Bom dia! ... Se eu vi o abaixo assinado para salvar as abelhas no nosso grupo ZAP Avengers da Natureza? O inseticida que mata as pragas, está acabando com as abelhas? ... Na verdade, com os insetos bons todos”...
Perdeu a vontade de cantar. Na sua cabeça, o dia de sol, o ventinho, as cores... ficaram assim, meio desbotadas... Ela tinha uma menina em casa ainda pequena, que nunca tinha visto abelhas, cigarras e formigas. Ela as veria nos jardins ou fariam parte de livros e imagens da internet? “Havia um mundo onde as abelhas faziam mel, aquela coisinha doce que fazia bem pra saúde”... “as cigarras faziam um ruído maravilhoso e ensurdecedor, a cada entardecer”... Houve um tempo, era um vez, havia insetos colaboradores, como as joaninhas... e estranhos, como os tatus-bolinha...
Nem tinha percebido que não via vagalumes há muito tempo... Engraçado que antes parecia o melhor dia do mundo e agora ela via o quanto ele estava ficando... vazio... Sem abelhas, sem flores, sem pólen e polinização, sem mel, sem fugir correndo, sem música, sem o barulho no final da tarde, sem pauzinho fuçando a terra, em busca dos tatus-bolinha, sem vagalumes, sem...
Olhou seu celular e lá estava o abaixo-assinado por preencher. Seu amigo havia compartilhado. Nossa, nem percebeu que ele também tinha ido embora... Tantas coisas maravilhosas o mundo lhe oferece todos os dias. Tantas novidades, cores, velocidades...
Beija-flor também sofre a ação de inseticidas?
Meu Deus, quem mata esse maldito instinto assassino que temos?
“E quem falar de robô-abelha- polinizadora ou inteligência artificial pra robô-abelha merece um tiro bem no meio da cara - Deus benza! – Perdão, Senhor... É metáfora, é metáfora”!
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Conto “A abelha do medo, a abelha do mel”
Picada de abelha. Ana era bem pequerrucha e tinha sempre medo de ser a escolhida porque diziam que doía muito. Os pequenos como ela, quando eram ferrados por abelhas ficavam com o dia estragado - quietos no dia de praia, no dia de rio, no dia de piquenique, de gelo no dedo e na sombra. Uma chatice. Abelha atacava, trazia dor, inchaço e zero brincadeiras. Isso era terrível. Ela desejava nunca ser ferrada. Viu muitas vezes o pai e o irmão mais novo ficarem com a cara parecendo uma bola de futebol, durante dias, quando alguma abelha os ferrava na cara. Não, não. Decidiu que ia fugir sempre dessas abelhas e um dia até comentou junto dos mais velhos que o mundo era melhor sem abelhas. Ui, o que ela foi dizer... Ficou de castigo. Como era possível dizer algo tão grave? E, para piorar, ela que amava comer pão com queijo e mel como poderia ter um comentário deselegante e autoritário desses? Ana ficou traumatizada. Então as abelhas, as que provocavam o “mal” no mundo “impedindo” as crianças de viver dias bons, eram as mesmas que faziam o néctar mais delicioso do mundo? O mel? Teria de repensar seriamente essa sua vontade de o mundo existir sem abelhas. Porque o mundo não poderia existir sem mel, nem sem seus pães com queijo e mel, pães com queijo, mel e banana, chá com mel para tratar da garganta quando dói. Não, não. Nunca!!!
E o primeiro dia chegou, de surpresa, no melhor momento das brincadeiras. Sentiu o dedo do pé a doer e quando foi passar a mão, sem olhar, tocou na abelha que se manteve firme espetando seu ferrão com dignidade e dedicação, lutando heroicamente contra as ameaças ao seu “povo”. Viu poucos seres humanos tão obstinados. E foi uma aflição. Os adultos todos a cuidarem dela, uns tirando o ferrão, outros abraçando-a, outros lhe dando água, outros perguntando se doía. Na verdade o susto passou imediatamente porque se sentiu cuidada, o centro das atenções, nem doeu assim tanto e sentiu que era agora alguém mais forte por ter resistido a uma ferradela de abelha. Nos dias seguintes tinha muita comichão e andou com um papo no dedo algum tempo. Sentia-se a guerreira que tinha resistido ao ferrão mais terrível do universo. Como se sentia corajosa. Ahahahah...que patetice, anocas.
Um dia, quando já era um pouco mais grandinha, explicaram que a abelha atacava e espetava seu ferrão por defesa e que morria depois de o fazer. Ana chorou vários dias. Ficou muito triste, passou a respeitar ainda mais as abelhas pela sua coragem e dedicação total à vida. Que dignidade, que ser incrível. Sempre que, pela vida afora foi ferrada, ficava muito triste pois sabia que aquela abelha ia morrer - a atacou considerando que ela, Ana, era perigo suficiente para dar a sua vida. Isso a enchia de culpa, a deixava triste, pensativa e sem saber resolver esse problema. Enquanto tenta resolver, vai fazer um saboroso pãozico com mel, queijo e banana, os reis do seu apetite. Mas o frasco do mel está vazio. Pergunta à mãe onde pode ir buscar outro frasco e fica sabendo que não tem mais. Existem cada vez menos abelhas, menos mel, mais caro. Como pode isso? Como pode existir um mundo sem abelhas, sem mel? Quem anda a matar as cozinheiras dos meus lanches? Hein, hein??????
Ana Santos, professora, jornalista
Dia 3 de outubro de 2021, dia nacional das abelhas.
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