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2 Contos: “A POP STAR, AMIGOS VERDADEIROS E O NATAL” e “Pai Natal, Papai Noel, Santa Claus”


Busto de Nefertiti, Thutmose, 1345 a.C.

Conto “A POP STAR, AMIGOS VERDADEIROS E O NATAL”

Ela leu nas redes e não entendeu, viu na TV e ficou boquiaberta: alguém disse que o fato de uma mega estrela pop ter ido à sua cidade era a maior iniciativa de todas. Mas ela apenas disse “eu te amo” e foi enrolada nas bandeiras de sempre – do Brasil, da cidade - gente, isso é um fato repetido, eu disse – só troca de pop star e de bandeira, porque é sempre a mesma cena.

Colocou a bermuda, o tênis, viu com admiração a cidade coberta de cupins (ainda voadores, depois das tempestades que haviam caído) e foi caminhar – tudo como sempre. Logo na primeira esquina encontra com o “amigo” – forma como sempre chama o gari da rua de cima, que ficou chateado por não ter sido filmado para a mensagem de Natal que ela tinha postado. Logo em seguida encontrou com outro “mini star” e depois mais outra, outro, outra...

- Sem eles minha vida seria muito aborrecida, mas para alguns, minha cidade só existe e foi vista porque a mega star pisou aqui – será que ela pisa em algum chão de verdade, como uma pessoa que anda? Ou será que, coitada, nem andar mais pode? Será que ela já esqueceu a beleza de dar bom dia aos amigos que limpam a cidade, de ser cordial com moça do salgadinho, ali na esquina, com a que “aponta o bicho”? Será que alguém consegue apenas lhe sorrir, desejando um bom dia ou sua vida é um resumo de salamaleques e “puxa saquismo” sem fim?

A mega star ser simpática obscurece a simpatia que ela via todos os dias, nas ruas da cidade?

- Confuso isso... A vida é composta de aparições internacionais iguais e repetitivas dos mega stars ou de pequenos prazeres como dar o maracujá que nasceu no seu quintal pra visita levar e fazer um suquinho verdadeiramente natural?

Será que só ela via aquele mesmo e repetido “Fala galera do YouTube”? Será que só ela percebia que faltava alguma coisa profunda para compor um Natal verdadeiro, nessas repetições constantes? Quem quer ficar milionário na internet? Quem quer comprar o curso, o produto, a aula? Quem quer ser coach, chefe, líder?

- Nunca tem curso pra liderado, mas todo mundo que eu conheço tem chefe... Que falta de... realidade...

Piscou pras crianças que estavam saindo da escola, “emprestou” a cadelinha idosa pra pequena Vitória dar uma voltinha. Ela saiu andando na frente, perguntando se a “vovozinha canina” ainda corria, toda feliz.

Onde será que aquele povo via felicidade plena na vida da pop star? Nos olhos dela, que nem chegavam perto do brilho dos olhos de Vitória, feliz, feliz por levar Dandara pra dar uma voltinha?

- Acho que tô ficando velha...

Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV

 

“Pai Natal, Papai Noel, Santa Claus”

Terminava a escola e tinha quase uma semana para saborear todos os rituais de preparação da noite de 24 de dezembro. Terminava o período escolar que mais gostava. Conhecia professores e colegas novos, matérias diferentes. Tinha boas notas o que significava elogios da família na ceia de Natal. Sentia-se bem.

Havia sempre tanto para fazer nesses dias e ela gostava disso. As limpezas, as compras, a organização, as prendas. Fazia tudo pensando na alegria que os outros iam sentir. Tudo para, no dia 24, ver sorrisos nas caras, ouvir apenas gargalhadas. Tudo para evitar problemas, tristezas, desilusões, aborrecimentos. Partir e descascar as nozes, as amêndoas, visitar avós e tios, tarefas obrigatórias e muito gostosas. Os adultos trabalhavam muito, estavam sempre ocupados e sem paciência para perguntas, mas de vez em quando apanhava um deles mais descansado, que contava histórias antigas.

Eram tantas pessoas para jantar que a irmã mais velha tinha sempre umas ideias muito inovadoras para marcar os lugares, senão ficava muito confuso. A mesa tinha de ficar em diagonal, ou em forma de L ou de U, na sala, para caberem todos e para as portas poderem fechar e abrir. Era uma arte descobrir a melhor forma. Mas os adultos juntavam-se, conversavam e conseguiam. Antes do jantar também vinham alguns familiares desejar bom Natal e no final da noite chegavam outros. Muito movimento, muitas tarefas, muito entusiasmo. A noite mágica, perfeita, feliz.

Pela vida fora, repetiu muitos Natais.  Uns igualmente mágicos outros menos mágicos. Pensava que os piores eram por causa de falta de dinheiro. Ou a saúde frágil, as doenças, as mortes. Ou as dificuldades mundiais. Ou a pandemia. Ou então era porque já não se reuniam tantas pessoas. Mas foi percebendo que não eram essas as razões. O que tinha acontecido era que algo se tinha desligado nela. Ela que tinha “avariado”. Nela, o Natal estava adoecido. Já não conseguia ver mais beleza numa noite, que lhe custava muito dinheiro – em vez de alegria via gastos. Numa semana de preparação que a deixava esgotada. Em vez de energia sem fim para fazer coisas, tudo que fazia lhe custava muito e ficava incomodada com essas limitações. A saúde já não era a mesma. Nem a dela nem a de ninguém. Andou uns anos assim, sentindo o Natal como um fardo.

Um dia ouviu aquela frase do Natal, bem conhecida: “Natal é sempre que uma pessoa quiser”. De repente percebeu que o problema estava dentro dela. Quando era menina e os adultos em silêncio e sem mágoas, pagavam tudo, trabalhavam tudo, mesmo sem tanta energia e saúde, cheios de sorrisos, ela achava o Natal perfeito. Quando era a sua vez de pagar, de cuidar e de manter o ambiente feliz, não foi capaz. Distraiu-se com a sua vontade de continuar a ser menina. Bom, estava na hora de acordar de novo, desta vez, como adulta, como protagonista. Organizou com tempo e dedicação o Natal do ano seguinte, comprando mais cedo os alimentos mais caros, adaptando os rituais à sua energia e capacidade financeira. Informou atempadamente todos da família que gostava de fazer uma experiência nova no próximo Natal. Um ano sem prendas, com menos sobremesas e menos luxos. Em contrapartida, o Natal seria na sua casa. A família andou um ano a barafustar porque eram mudanças demais. Mas, aos poucos, foram entendendo, aceitando e se disponibilizando a aceitar a experiência. O patriarca e a matriarca da família, enviaram-lhe uma mensagem de WhatsApp: “Marcado! Aceitamos! Vamos todos!”

Quando leu, nem sabia se ficava contente ou tremendo de medo. Talvez as duas coisas. Ia acontecer. A vida e ela inverteram as coisas. Era ela agora que pegava as rédeas do Natal e tentava amadurecer e retribuir a alegria e felicidade aos que lhe proporcionaram tantas memórias incríveis. Ia fazer tudo para dar certo.

Ana Santos, professora, jornalista


#BugLatino

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