Muito cuidado para, diante do “nado raso” da vida atual – onde praticamente todos se colocam a boiar porque é mais fácil – não cometer a loucura de pensar: “Tchéchov? Mas essa peça é muito velha! ”
Mas:
Num mundo onde é muito fácil se preocupar com a foto da comida, ao invés de comer, foto do lugar mais lindo do mundo, com a pessoa de costas, só pra sair na selfie, onde a ação real clicada na foto é a da pessoa se colocando em perigo, apenas pra esquecer de tudo e se colocar do ladinho da boca do tubarão, não tem nada de velho numa peça assim.
Quem sabe qual se a sua realidade é, está compatível com a da vida no tempo presente?
Inquietante.
Quem pode afirmar que sua posição atual no mundo apenas repete sequências de ações, numa inércia letárgica que mistura os 3 estágios de tempo que supostamente deveríamos dominar conceitualmente – presente, passado e futuro?
É natural ter Trump como presidente e se sentir representado? Esquecer que um estadista precisa pensar em representar a todos e “descolocar” o aborto como opção, apontando para a voltas das proibições, cegueiras, fogueiras, balas, tiros, bombas, primitivismos e armadilhas carros para atropelar, machucar, matar – tudo filmado, nas redes sociais, a boca do tubarão ali, na sua cabeça e você sorrindo, se colocando de ladinho, perto da boca do bicho porque no Facebook todos são obrigatoriamente felizes e posicionados ou primitivos em ataque permanente ou filósofos casuais do absurdo?
Tchéchov era médico. Como se sentiria ele diante de pessoas que se sentem aviltadas porque “não foram convidadas” para a chacina estudantil da semana? Que não falam mais umas com as outras, enquanto gastam sua filosofia nos cards do Whatsapp?
Inquietante.
Ver uma peça onde o nosso escuro permanece, a nossa contradição se exprime numa navegação eterna que não chega porque não procura terra, nem nada. Apenas drena sua própria energia reclamando do que queria ter, sonha ter, merece ter. Mas não faz, não fez e não fará nada para ter.
O que mais se pode falar de Tchéchov, num elenco BRASILEIRO, que vê aturdido tudo o que temos visto aturdidos, atualmente?
INQUIETANTE, MUITO INQUIETANTE.
ANA RIBEIRO
Diretora de teatro, cinema e TV
FITEI é um festival que nos habituou a teatro de grande qualidade. Ao longo dos anos, as pessoas que aproveitam o festival, assistem a teatro de todo o mundo e muito bom teatro. Muito bom. Diferentes culturas, diferentes formas de fazer teatro, diferentes olhares, mas qualidade sempre está presente. E é um festival que consegue sempre melhorar, sempre avançar, sempre te dá a oportunidade de aprender com novos olhares e experiências. É um orgulho ter o FITEI no Porto.
O teatro brasileiro é quase um continente, de tão diverso. Ele existe num país que é como um continente, com suas diferenças enormes de Estado para Estado. Mas se vê a mesma entrega e envolvimento de um povo, no que faz, quando acredita verdadeiramente nisso. Se vê e ouve a linguagem musical de um português do Brasil que é muito atraente, sedutor e inteiro. Os pontos de vista, a criatividade, a originalidade e a forma de dar as mensagens, ninguém faz como os brasileiros no teatro. Para os europeus é uma benção de cada vez que é possível assistir a peças de teatro do bom teatro brasileiro. E a obra de TchéKhov é muito amada pelo teatro brasileiro.
“Tchékov é um cogumelo”, indicado ao Prêmio APCA de MELHOR ESPETÁCULO DO ANO – 2017, indicado ao Prêmio SHELL 2017 de Melhor Música, considerado um dos três Melhores Espetáculos do Ano pelo júri do Guia Folha de São Paulo, Espetáculo que celebra 10 anos da Cia. Estúdio Lusco-fusco. Em estreia nacional no FITEI. Teatro, dança, neurociência, audiovisual, música, mergulhados em “As três irmãs” de Tchékov e em vários tempos. Num mundo de angústia, de esperança.
A neurociência, a meditação, as zonas de estímulo cerebral semelhantes ou iguais em alucinógenos ou na meditação (por isso se remete a “TchéKhov é um cogumelo”, segundo o diretor).
O tempo, o que fazemos com ele, o que ele faz conosco, o que é importante. O que foi, o agora e o que será... A falta de comunicação, a apatia, a inércia. O mundo assusta ou estimula. Como referem no link sobre a peça (abaixo), o tempo é a matéria-prima do espetáculo. Tempo-memória, o tempo das três irmãs - espaço mental e o tempo da mente.
Tenho apenas uma enorme pena que esta peça e outras de enorme qualidade não possam ir/vir ao Estado da Bahia e outros Estados.
Direção, concepção e adaptação, de André Guerreiro Lopes.
Produção, Estúdio Lusco-Fusco Produções, Lda. (Brasil)
O Bug Latino agradece a cortesia dos bilhetes ao FITEI. Muito gratas.
Ana Santos, professora, jornalista
Link da Produtora Lusco-Fusco sobre a peça
http://www.luscofusco.art.br/tchekhov-eacute-um-cogumelo.html
Site do Teatro Nacional São João (TNSJ) - FITEI