Há muito tempo um espetáculo não olhava o corpo do ator como uma forma de linguagem, usando um cenário simples com maestria a partir do uso desse corpo, como em QUE DEUS SOU EU. Ponto certo. Há muito tempo um diretor não buscava um texto falado na segunda pessoa, como forma de apontar para o idioma clássico, mas de uma forma cotidiana; também não é nada comum usar uma história como a do Bhagavad Gita como tema para falar de filosofia profunda, de buscas pessoais, perguntas pessoais e suas relações com a vida, com aquilo que chamamos de fidelidade, lealdade. Ponto, ponto.
Há muito tempo um diretor não se determina a coordenar ações para que a dicção e a articulação não sejam pontos aleatórios e desmerecidos. Como professora de todas as matérias expressivas de comunicação oral e escrita, dou louvor ao diretor, embora ainda veja coisas a serem trabalhadas, principalmente no quesito intencionalidade, com retoques aqui e ali de dicção.
Há quanto tempo o público não vê uma peça onde o herói sofre não porque vai à luta, mas porque precisa saber os motivos pelos quais deve lutar – busca total e inconsequentemente ausente no nosso país, por exemplo. Aqui é o reino do “faça o que lhe der na telha” – onde pode até discurso nazista.
Leandro Villa é um ator que merece aplausos – corpo em perfeita sintonia com o que quer transmitir, com a perfeita sincronia entre elasticidade, ritmo e força. Poucos erros, algumas derrapagens nos tons da música, mas estava ali um ator, entregue à cena. Me pergunto o motivo para que num drama como este, curto e denso, tenha havido espaço para a ideia de piadinhas – honestamente, não gosto de ver a plateia se atirando quase desesperada rumo à risada, quando ela precisa se ver melhor, se sentir parte de uma sociedade que tem perguntas não respondidas e que sofre a consequência direta dessa falta de respostas.
Daniel Farias, que fisicamente também está totalmente integrado, verbalmente comete alguns erros mais de dicção, intenção, articulação e nesse caso, há pequena perda de pontos porque algumas vezes isso chegou a intervir na compreensividade do texto. Nada grave, mas se a peça vai viajar – e deve ir! - Há espaço para crescimento aí.
O texto aponta para nós e não sei bem se a plateia, na sua busca por risadas conseguiu se ver no espelho da alma humana. Qual é a guerra que vale à pena guerrear? A maior guerra não estaria em nos pacificarmos? Em olharmos a ignorância como algo que devemos ajudar a suprir de conhecimento? Se ninguém tivesse na memória o que é um nazista, um terrorista, qualquer discurso seria aceitável? Basta apontar com o dedinho “isso é de direita ou esquerda” para encartar ou descartar uma coisa? Não estaríamos nos distanciando do que é humano? O que é humano? Há um motivo para matar? Para morrer? Há motivos para perdoar?
A peça é um manancial de perguntas que buscam as nossas complexidades eternas. Somos permissivos ao permitirmos a nossa crueldade com a vida ou a vida é assim mesmo e podemos ignorar o 1 bilhão de animais mortos na Austrália? Quem você é? Com quem se preocupa? A quem é fiel? Em algum momento lhe ocorreu que pensar apenas nos “seus” e nas oportunidades que podem ser geradas para o conforto “deles” pode acabar com a possibilidade de que “eles” tenham filhos e netos? De que “eles” continuem a existir? Perguntas... não sei o que fazer sem elas... e você?
Peça imperdível para mergulhos de todas as alturas.
Ana Ribeiro, diretora de teatro, cinema e TV
A vida tem momentos inesperados e que não temos como fugir. E, como diz a peça, não agir também é agir. Somos responsáveis por tudo o que fazemos e devemos ter essa consciência sempre presente. Devemos ser agentes de mudança em nós e na nossa vida e nunca deixar ao sabor dos outros o que é nosso – o nosso destino.
Muitas vezes temos de enfrentar os mestres, a família, os amigos, o mundo, a nós mesmos, mas nunca devemos temer fazê-lo. Fugir das decisões e momentos, se torna também decisivo e muitas vezes traumático. Outras vezes vira um medo ou arrependimento eterno. A vida voltará para exigir a resposta ou a ação. Ou a vida te fará carregar esse peso. Segue o coração, o instinto, o “chamamento”. Ele te guia sempre.
A peça toca também noutro assunto assustador no mundo de hoje. A falta de confiança, a insegurança, o medo do futuro, que resulta em depositar as decisões da sua vida no que os outros acham. Por muito que essas pessoas sejam importantes e confiáveis, somos nós que decidimos o nosso destino. Só assim amadurecemos e entendemos o significado da vida.
Espetáculo, livremente inspirado no livro sagrado Bhagavad Gita. Dois excelentes atores, Daniel Farias (Arjuna) e Leandro Villa (Krishna). Destaco, mesmo assim, Leandro Villa, por ser um ator que fascina com seu talento, intensidade, expressão. Um ator fabuloso com um enorme futuro. Luminoso e lindo. Parabéns.
Cenário que adoro - pouco ou quase nada, com mil e uma utilidades que estimula o público a imaginar. Figurino simples e elegante. A iluminação teve um ou outro momento em que se perdeu dos atores...ou eles se perderam da iluminação. Mas refiro apenas porque se perdeu a expressão dos atores nesses raros momentos e tive pena. Amei a música, amei os créditos da peça passarem com a “dança” de um pano branco. A criatividade brasileira que tanto amo. Uma pena que seja curta temporada.
Ana Santos, professora, jornalista
Sesc - Casa do Comércio, Salvador
http://www.sescbahia.com.br/teatroccdm.aspx
Carambola Produções
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Maquina Maquina Produções
@maquinamaquinaproducoes
Informações
Que Deus Sou Eu, texto e direção de João Falcão.
Data e horário : 11/01 a 01/02/20 (sempre aos sábados), às 20h.
Local: Teatro Sesc Casa do Comércio
Ingressos: R$ 50 (inteira); R$ 25 (meia-entrada) mediante apresentação de documento oficial com foto.
Vendas: www.ingressorapido.com.br e bilheteria do teatro, que funciona de terça a quinta (13h às 20h30); de sexta a domingo (13h até o início do espetáculo).
Telefone: (71) 3273-8543/8565
Classificação indicativa: livre
Redes sociais: @quedeussoueu
Capacidade: 546 lugares (acesso para pessoas com deficiência e assentos especiais)
Realização: MaquinaMaquina Produções Artísticas e Carambola Produções
A peça tem muito de psicologia ; Segundo os vossos comentarios é uma peça sobre a vida de hoje e a maneira como as pessoas se olham ...
A analise da Ana Ribeiro é mais sobre o lado profissional (fala a técnica) ...
Gostei ...