Seria mais uma comédia romântica, se o título não fosse mesmo um desejo de Priscila Fantin e Bruno Lopes - que saíram de carro desde África falando de amor, transplantes de órgãos e sobretudo de nossa relação com a morte. Engraçado que muitos têm medo de morrer porque a morte é o fim; mas se a gente for pensar que doando órgãos o nosso fim é a continuação em outra pessoa... fica mais suave, talvez...
A peça tem no público de Salvador risadas que querem sair – até se atropelam antes da piada acabar – o que gera muitas vezes uma sensação estranha porque tanto faz o que se fale, o público quer rir e vai rir de tudo. Mas na verdade, a melhor parte da peça não são as piadas, mas o drama; a exposição do corpo “dançante sensual” é de Bruno, não de Priscila; ele também usa rosa, (ainda bem!); há uma intimidade fofa entre os dois, que saem do texto e voltam com toda tranquilidade do mundo. A parte que eu poderia colaborar: o ritmo da fala – principalmente no início – está rápido demais e talvez por isso, também sem intenção, sem cor. Se eles “parassem” aqui em Salvador um pouco, eu e Ana arrumávamos num instante. Como já devem estar rodando de novo, vale o toque.
Por fim, a conversa com o público ao final da peça é enternecedora. O Bug acredita em cada palavra que foi dita porque nós também estamos tentando contribuir da melhor forma. Já somos 4 gotas e mesmo com o clima seco de Brasília quando se fala em ajudar, há muitas outras gotas pingando pelo mundo e é bom vermos, reconhecermos semelhantes. Precisamos mesmo falar de amor, agir amorosamente, atenciosamente. Mesmo quando é difícil e agora está, especialmente.
Vale ver, se sentir parte de algum desejo real de existir e ser importante. Adorei isso.
ANA RIBEIRO
Diretora de teatro, cinema e TV
Peça com cenário e figurino minimalista, dois atores com excelente formação de teatro, cinema e televisão, bonitos, “globais” (como aqui chamam aos atores da Globo). Uma peça tranquila, com uma história interessante e super atual. Encontros pela internet. Os atores são casados na vida real e brincaram um pouco com esse fato. Foi engraçado pelo inusitado. E a intimidade entre os dois é bonita de se ver sendo elegante. Também interagem bastante com o público, com o pessoal da produção. Diferente, feito com sinceridade e verdade, coisa fofa.
Viajam pelo Brasil com a peça e já estiveram em Moçambique. Mostraram no início da peça uns pequenos vídeos com moçambicanos falando do que acham que é o amor. Adorei o que disseram por que não são precisas palavras complexas para explicar um sentimento tão universal. É tão linda a forma como eles falam. Tão Mia Couto, tão inteira e com palavras doces e leves. Lindo. Associam a peça a eventos ou associações que contribuem para a saúde das pessoas nos locais que vão. Legal.
A peça terminou e eu gostei tranquilamente. Mas, pela primeira vez fez sentido para mim os atores falarem no final da peça. Por que aqui é um hábito mas nunca sinto que é importante. Mas desta vez não. Desta vez as falas tinham sentido, tinham interesse e deram um ponto final lógico na peça. Porque os atores explicam por que fizeram a peça de forma tão leve, por que alguns assuntos estavam presentes, como uma situação de transplante de órgão. Falaram da importância do amor. Do amor. Não só o amoroso amor, mas o amor entre pessoas e o que cada um pode fazer pelos outros. Nossa, de repente ao ouvi-los lembrei do Bug Latino e de como é bom ver outros a fazer os seus Bug Latinos. Cada um da forma que consegue, que é capaz. Deixam informações muito importantes nessa fala e para mim a mais importante foi a de todos pensarmos e nos prepararmos para tomar decisões sobre transplante de órgãos. Falar com a família e deixar esse assunto resolvido na cabeça de todos. Quem aceita que seus órgãos sejam doados? Porque se um dia, uma situação dessas acontecer, é menos um sofrimento, menos uma dor. E falaram e lembraram que o amor não são palavras e sim ações. Concordo em absoluto. Tantos que dizem que amam, que gostam, que dizem que você é importante na sua vida. Amigos, familiares, etc. Não esqueça de dar mais importância ao que essas pessoas fazem, do que as palavras que dizem. A fala final dos atores me fez chorar e me asfixiei toda para não desatar aos soluços. Tão novos e bonitinhos, globais, poderiam ser ocos como tantos. Mas felizmente não são. Um olhar real da vida, verdadeiros, puros, sinceros, simples. Lindos. Muito obrigada. Meu coração ficou cheio e quentinho.
O Bug Latino agradece a cortesia de Genilson e do Site Dois Terços. Muito gratas.
Ana Santos, professora, jornalista
Site Dois Terços