O ambiente de escola, de aprendizagem, me deixa sempre feliz. Receber o convite para assistir a um espetáculo feito por um grupo de alunos coordenados por meus ex-alunos é incrível. Ouvir que o aquecimento vocal utilizado é o que eu ensinei à Luciana Comin é um orgulho.
ENCONTROS, DESENCONTROS E REENCONTROS E AMORES INENCONTRÁVEIS é uma peça infanto-juvenil com momentos fofos. Nós temos essa questão da procura ao redor das nossas vidas. Uma busca contínua da felicidade que muitas vezes deixa de ser a alegria da busca pra ser a angústia, a incerteza, a insegurança de ainda ter que buscar pela felicidade quando fulano ganhou na loteria e supostamente está feliz, beltrano casou e supostamente encontrou a felicidade, sicrano arrumou um emprego e agora vai arrumar a própria vida, o que supostamente é ser feliz. Poucos percebem no curso de uma vida que não se recebe caminhões/camiões de felicidade de uma vez e é isso o que gera tantos desencontros – a gente não sabe quando exatamente está feliz no presente, precisa do distanciamento do passado para ter perspectiva e afinal ver – mas aí o momento já passou. Na peça, uma mãe se reaproximou da família, um casal de terceira idade se apaixonou, outro se deu uma chance de começar, um menino foi acolhido pelo amor da vizinha e mais tantos pequenos momentos. Coisas que nem vemos no jornal porque eles não vendem, são invisíveis. Mas são deles que as vidas se fazem e seria disso que valeria à/a pena falar para que as outras gerações entendessem por onde olhar, como fazer.
Claro que há problemas – nenhuma peça de alunos está imune à/a problemas. Mas todos podem ser solucionados. Eu começaria fazendo um trabalho bem forte de respiração porque sem ela não há nada, não há vida. A respiração precisa ser uma coisa atlética, possante, com sobras que façam frente a qualquer tamanho de frase, qualquer intenção. A partir daí um trabalho bem forte de pontuação e pausa daria um impulso à criação dessas intenções. Vou lembrar uma fórmula aqui que acho genial pela simplicidade: texto + subtexto = contexto. Aos meninos cabe ler alto todos os dias; eles podem estar atentos também a/à intenção com que a “tia” soltou aquela indireta e aprender a musicalidade que foi usada (prosódia), como se fosse uma partitura porque é uma partitura; o que fazem com o diafragma por exemplo quando choram ou riem na vida real porque perseguir a fisiologia parece fácil, mas não é.
Teatro é um trabalho que mistura uma parte coletiva (vocês precisam estar atentos para verem o colega fora da luz e o ajudarem a se posicionar melhor) e muita dedicação individual (ninguém pode ler alto por vocês, ninguém pode fazer com que prestem atenção ao funcionamento do corpo diante da vida), ninguém pode observar o mundo e as pessoas por vocês. Teatro é vida por isso. Cantar fora de tom, perder algumas notas, acontece. Mas nunca temer se mostrar. Teatro é um lugar onde, ao final de um espetáculo, todos da equipe devem estar vazios por terem deixado tudo no palco. É uma entrega, um tipo de presente humano. Quando conseguimos isso dos atores, é uma sensação de felicidade inigualável. Deixamos uma carga de vida e a plateia nos dá a sua carga. É uma troca intensa, explosiva – ainda que por dentro.
Há um caminho à frente de todos. Tem curvas e retas como todos os caminhos e ele está ali, convidando vocês a o trilharem. O teatro é um chamamento, uma entrega. Pelo amor que todos nós temos por ele em diferentes gerações que se encontram em nome desse amor, eu ponho em palavras o convite. Caminhem. Caminhem.
Ana Ribeiro, diretora de teatro, cinema e TV
Desejo iniciar a minha crítica hoje lembrando que o Bug Latino nasceu para somar, para contribuir. Quando criamos o espaço de crítica de eventos culturais, no Bug, foi e será sempre para ajudar a divulgar o que se faz na cultura por Salvador, Bahia, Portugal, Brasil, e qualquer outro lugar onde se fale língua portuguesa. A nossa intenção será sempre de mostrar o que se faz de bom e de inovador e estimulante e importante para a vida de todos. Tentamos ser um alerta para os que andam mais distraídos e não perceberam que precisamos fazer mais do que falar, mudar mais do que criticar no mundo de hoje. O mundo move-se e nós e o nosso pensamento e intenções precisam de se adaptar constantemente. Serve para nós Bug estarmos sempre nos questionando sobre se estamos no caminho melhor que podemos fazer.
Greta Thunberg é para mim um exemplo de um ser humano que teve e tem a coragem de falar a verdade e fazer o que deve ser feito sem se intimidar com os que também querem que o mundo mude mas que só falam. Com os que têm as chaves, as senhas, o poder. Somos muitos os que dizemos que tudo está errado mas não mudamos nada em nós nem na nossa vida ou na dos outros. Os que nos sentamos nas nossas poltronas de luxo, bebendo bebidas de luxo, comendo comidas caras, viajando para onde desejamos, usando e usufruindo do mundo como um lugar de diversão e de sucesso. Desejamos isso durante uma vida inteira e agora não queremos abrir mão. Fomos formatados para isso e aceitamos sem questionar. Mas o mundo pede ajuda, pede mudança.
Ter momentos de dificuldade na vida parece sempre mau, mas na verdade, se pensarmos bem, servem de aviso e de confronto com as escolhas que fizemos e que talvez precisassem de ser questionadas.
Esta peça de teatro me fez pensar em tudo isto. Uma peça simples, que em Portugal seria mais chamada de Teatro Revista, e que pelo seu jeito simples, com humor e com suavidade, nos confronta com os desencontros de desejos e objetivos dos seres humanos. Simples mas que fala de muitas coisas complexas e difíceis da vida. Como o próprio nome da peça indica “Encontros, Desencontros, Reencontros, ou Amores Inencontráveis”. Os que vivem vidas vazias e que se ocupam falando dos outros, os que desejam algo que nunca será possível, os que sem saber influenciam a vida de outros, os que vivem sempre insatisfeitos, os que vivem sempre em mágoa, os que vivem momentos difíceis e no meio desse processo a vida abre uma porta de felicidade, os que têm filhos da vida, etc, etc, etc.
Se gosta de teatro e vive em Salvador, tente ir ver a peça. Leve seu filho, sobrinho, tio, avó, etc. Depois se questione, converse, reflita. O mundo agradece.
Para os atores deixo uma contribuição. O corpo, sempre que está em sincronia com a palavra e com a intenção da palavra, ilumina a mensagem. Mas quando o corpo quer falar mais do que a palavra, confunde a mensagem que chega ao público. E quando o corpo fala diferente da palavra complica ainda mais essa mensagem. O corpo, na vida real, dança com as palavras que dizemos e com o nosso pensamento, de forma ritmada e fluída. Ele está entregue ao momento, em casamento profundo com as palavras que decidimos dizer nesse momento. Mergulhem nessa verdade. Deixem o vosso corpo aceitar e viver as palavras da peça como a verdade desse momento. E, se aceitarem a proposta, apreciem a viagem. Poucas coisas na vida são tão especiais como esse mergulho do corpo numa realidade “teatral” que o ator vive nesse momento, intensificada com as palavras que diz ou as palavras que ouve.
O teatro é um mergulho que os atletas deveriam experimentar. Fica a dica. Muito grata pela cortesia concedida pelo grupo de Teatro TECA.
Ana Santos, professora, jornalista
Grupo TECA de Teatro