A primeira coisa maravilhosa é poder ver uma parte, ainda que bem pequena do teatro português, aqui em Salvador.
Não propriamente poderíamos chamar de teatro infantil – pelo menos não infantil para crianças tão pequenas quanto as que vi, na sessão. Há uma forma de abordagem ali que tocou muito mais aos adultos do que propriamente às crianças – talvez porque o público ideal fosse um pouco mais velho e portanto com domínio do idioma suficiente para entender todas as palavras. Talvez se a ¨Beatriz¨ falasse um pouco mais devagar – e olha, que eu convivo com o português de Portugal – mas as crianças...
Há uma questão de vocabulário que o ritmo pode ajudar a resolver, como alguma mímica do significado de algumas palavras também.
Adorei as mudanças tão imediatas de personagens, que me iludiam quanto à existência de um monólogo, ali. Mas o texto deu alguns pulos na cronologia dos acontecimentos que me atrapalharam um pouco. Se houvesse um apoio total na ação verbal, acho que isso poderia ser resolvido porque toda a ação seria então imaginada, como Shakespeare fazia tão bem. O nosso nobre público – as crianças – ficaram dispersas por ali, sem serem verdadeiramente sugadas pela história. E amo a ideia de caminhar pela comédia para depois soltar as crianças pelo drama, pela vida – e drama é ação! Se elas puderem ser envolvidas na busca da identidade de seus nomes...
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Moncho Rodriguez, um diretor espanhol que trabalha com teatro em Fafe, uma pequena cidade do interior norte de Portugal. Cria um roteiro simples, tocante e belo. A questão “professor” fabulosamente colocada para o que se vive em Portugal nos últimos 10, 15 anos nessa profissão. Não é por acaso que uma professora do quadro de escola pública durante 25 anos (algo nobre em tempos anteriores), pediu licença sem vencimento de longa duração e veio viver e trabalhar para Salvador... Apenas aqui, essa “piada” ou questão não vive o mesmo momento. Professor de escola pública aqui, em Salvador, Bahia, Brasil, é uma profissão menor, complexa, sofrida e muito mal remunerada. E o pior de tudo, sem nenhum prestígio. O que daqui a uns anos, Portugal, se continuar cego, se orgulhará de conseguir...
Adoro as escolhas minimalistas de cenário. A peça tem uma riqueza linguística e de humor cultural que não sei se é totalmente entendida em Salvador, Bahia. No final, uma senhora gozou tanto com o fato da atriz dizer que ia buscar o telemóvel para tirar uma foto com todos, que suspeito que não. Existe uma população baiana que ama Portugal e outra que adora menosprezar. Uma pena. Em Portugal é uma peça para ter sucesso.
Fiquei preocupada com as questões de ser uma peça infantil, mas infantil em que idade? Porque sendo uma peça extremamente verbal e de raciocínio com alguma complexidade, eu diria que é peça infantil para crianças a partir dos 6 anos. Digo isso porque as crianças que estavam assistindo, com 3, 4 anos, estavam inquietas, fazendo muito barulho e perturbando até o desempenho da atriz. Não é esse o objetivo, penso. E para crianças a partir dos 6 anos é uma peça obrigatória. Eu me incluo.
Uma atriz portuguesa, Elsa Pinho. Muito expressiva, tanto verbal quanto corporalmente. Com um forte sotaque da cidade do Porto, que adoro e sinto muita saudade. Em Portugal, esse sotaque é amado e gera muitos sorrisos por ter um som muito particular. Não sei se os baianos entendem a verdadeira natureza e riqueza desse sotaque. Desejo que sim. Monólogo com uma difícil tarefa de “ser” vários personagens e cumprindo muito bem.
Uma parceria da cidade de Fafe, com o Sesi do Rio Vermelho, que permite que uma peça portuguesa possa, mais uma vez, passar na cidade. Pena que não existam mais parcerias porque existem mais e mais atores portugueses sensacionais e mais e mais diretores portugueses que seria maravilhoso ver mostrando seu trabalho aqui. Tenho muita pena que isso não aconteça e nem entendo porque não acontece. Não existem produtores de teatro aqui em Salvador? Não sabem quem contratar? Bom, o Bug Latino pode contribuir se desejarem. Teríamos todo o gosto em o fazer.
A peça. Uma criança que sabe que a forma como o seu nome foi escolhido, não foi pacífico, numa família de nomes complexos e até originais. Onde uma madrinha lhe oferece um aquário e o namorado da madrinha, oferece um peixe. Felizarda. Tem muita gente na vida que nem um abraço sincero recebe da sua madrinha. Estranha e depois adora esse “amigo”. Aprende a socializar com ele, a desinibir, a olhar a vida e refletir sobre ela e sobre o seu sentido. Interessante a referência às preocupações dos pais e avós que não combinam com as preocupações e vivências da menina. Como em todas as famílias. O momento final onde se “despede” do peixe e “acontece” um depoimento sobre o amor, a amizade, o amor amigo, me perdi um pouco. Senti um “salto” no ritmo da peça, mas adorei a peça, adorei ouvir português de Portugal, mesmo com pessoas ironizando quando ouvem a palavra telemóvel. Sempre penso que tudo vale, inclusive sonhar em estar em Portugal e ouvir por todos os lados telemóvel, retrete, autoclismo e muitas palavras mais. Foi bom sentir Portugal perto.
Sempre me pergunto quando os “países irmãos” serão mesmo irmãos. Amo o teatro brasileiro e vou sempre que posso. Quando aparecer teatro português, tentem não perder. Acho que vão amar.
Ana Santos, professora, jornalista
Informações sobre a peça