Tendo sido totalmente online e ao vivo, a ideia de transformar os quadradinhos do próprio Zoom num prédio foi mesmo genial. A gente via as janelinhas e ali era mesmo um edifício com moradores.
A engenharia da peça fluiu e atores de pelos menos três estados - Rio, São Paulo e Bahia – manteve a peça costurada. Os sotaques do Brasil são tão maravilhosamente diferentes e vê-los ali se misturando foi mágico.
Quarentena lembra esse momento estranho e terrível, onde nos equilibramos entre medo, egoísmo, futilidade e falamos em generosidade tirando selfies de pratos de comida. Um momento onde eu jurava que seria de aprendizagem para todos, mas na verdade, tem sido uma aprendizagem para poucos. Dá um pequeno mal-estar ver as pessoas ali amontoadas em janelinhas tentando viver relações que pouco têm de normais. Relações que misturam um gato mimado como uma criança e um morador de rua tratado como um vira-latas; uma vida de casal violenta e hipócrita, casais, amigos “ficantes”, que querem apenas relaxar naquele momento e inseguranças, medos, prazeres. Janelinhas onde precisam caber nossas complexidades. Ah! E um porteiro porque a chave que tudo abre normalmente é posse dos porteiros mesmo.
Não gostei de ter visto na tela pequena do computador porque as janelinhas ficaram menores do que deveriam, mas uma coisa que me chamou a atenção foi que os atores usaram a voz como se estivessem num teatro e, portanto, muitas vezes a voz estourou. Coisa bem fácil de sanar pra semana que vem. Claro que não preciso falar, mas descobrir o melhor volume de voz pra sustentar a organicidade da personagem vai dar um up geral. Como não há operação de câmera e os atores se aproximam ou afastam delas, talvez seja o momento mais delicado de sincronizar, na peça.
Adorei as referências a poetas e amei ver fragmentos de Tabacaria porque é o meu poema preferido de Pessoa. Mas, usando mesmo a personagem do morador de rua - suas falas podem ser turbinadas se ele começar a pedir como nós os ouvimos pedirem – tentando atrair a nossa pena. E os microfones nessa hora serão de grande ajuda porque os atores podem sussurrar ou gemer – tudo será captado. Outro exemplo é o do marido violento – como ser cruel tendo como aliado o microfone?
Ver um elenco inteiro de atores negros é uma glória – haverá um momento onde um elenco vai misturar o nosso povo igualmente, mas nossa cor sempre será café com leite – com muito orgulho.
Semana que vem tem mais! Se vejam em Quarentena.
ANA RIBEIRO
Diretora de teatro, cinema e TV
Link da peça