Primeiro momento bacana é ver a Concha cheia de gente para ouvir música clássica. Segunda coisa bacana, mas ainda em evolução – o público. É uma coisa em desenvolvimento mesmo porque as pessoas conseguiram ficar um pouco mais de tempo sentadas, antes de se dispersarem e saírem em busca de água, pipoca ou qualquer coisa que facilitasse a circulação, o que cria uma movimentação meio incompatível com a viagem que é você ouvir música clássica. Uma menina do meu lado filmava fragmentos e depois os ouvia – um terror! – Porque a música lá no palco estava no presente e ela misturava o passado dela, gravado, no último volume, ao meu presente. Educação é fogo, é gente. Precisarmos lembrar que estamos compartilhando o mesmo espaço é uma coisa muito chata. A pessoa ouvindo o que gravou, desprezando o que o maestro está conduzindo? Facílimo de resolver: fone de ouvido. O celular já vem com um, na verdade. É só usar, ok?
A pulsação espanhola teve momentos em que impregnou o ar inteiro. Você fechava os olhos e conseguia visualizar. A orquestra entra numa sinergia que às vezes fica incrível. Pensando nisso, talvez, a melhor sugestão que eu possa dar ao gigante Carlos Prazeres seja a de observar que brincar e conversar sobre algo que não pertença à história das peças, pode dispersar mais rápido ainda uma plateia tão dispersa quanto a nossa. O lugar onde nós nos sentamos é desconfortável, a grande maioria está esperando alguém, há a sede, a vontade de levantar, a dor nas costas. Um dos melhores momentos, inclusive, foi o da plateia cantando a música de Natal e isso porque Carlos dava foco, conduzia a energia, a atenção do público. Foi um momento delicado e inesperado pra mim, onde todos os milhares tentaram cantar o melhor possível. E conseguiram. Então, talvez perseguir o foco do público seja a minha melhor contribuição.
Há algumas outras sincronias importantes e uma das principais é a de que a TVE não seja surpreendida pelo que está acontecendo. A transmissão não parecia ter previsto a leitura da poesia e muito menos a entrada do corpo de dançarinos do “Sonho de valsa”. Outra coisa diferente que aconteceu foi que as cores foram interpretadas na mesa de transmissão com cores que não eram as originais. Engraçado, né? Mas o que era vermelho e branco em termos de luz, a gente via pelo telão em azul. Ficou muito bom, eu adorei assistir, parecia parte do cenário – mas é bom saber!
Adorei o repertório, adorei as pessoas não correrem pra perto do fosso, adorei ter visto a plateia a maior parte do tempo assistindo ao espetáculo sentada - mesmo Saulo! Me lembrei do dueto de Cassia Eller e Edson Cordeiro durante uma das peças e senti falta de uma voz poderosa ali pra transformar um clássico em um rock. A plateia ia certamente delirar.
Houve tantas atrações na órbita da OSBA que estou com medo de esquecer alguma! Mas isso talvez seja outra coisa que importa: a OSBA tem um público cada vez maior e ontem, finalmente, vi seu público sentadinho e tentando ser atento, mesmo sendo a Concha um lugar muito dispersivo. Deixo sugestões e deixo também carinho por Carlos Prazeres que, carioca como eu, foi também tocado pela energia desse Salvador da Bahia. É uma tendência tentar, o melhor possível corresponder, presentear. Presenteou, fique certo.
ANA RIBEIRO, diretora de teatro, cinema e TV
Encerramento da temporada anual da OSBA com “Natal da OSBA”, pelo terceiro ano. O tema do Concerto de 2019 foi: “Natal em Espanha”. Concerto lindo, belo, melódico, doce. Como é frequente, a OSBA soma surpresas tentando sempre provocar o público com estímulos sensatos e coerentes para aumentar o número de pessoas que compreendam que a música, seja ela qual for, faz bem às almas. Que as pessoas compreendam que lhes faz bem ouvir música clássica, bem à saúde, bem à vida. Cada música (clássica), tem uma história, uma razão para ter sido criada e é enriquecedor saber essa história. Não na conta bancária, mas na alma.
Os países da Europa, pela proximidade com os países da ex-união soviética, habituaram-se à excelência mundial da música clássica. E, o público aprecia o desempenho dos virtuosos, sem tossir, sem se mexer, tentando não se intrometer em nada do ambiente musical de profissionais. Como se você tentasse não tocar no braço de quem corta o anel no dedo de alguém. O respeito e cuidado é mais ou menos esse. Você sente que se fizer barulho ou se mexer demasiado, vai prejudicar a excelência dos gênios. Você quer contribuir como lhe é possível. Mantendo o silêncio e evitando movimentos. Falamos de plateias de mil a 100 mil ou mais, por esse mundo terrestre fora. Mas, se você coloca um concerto de música clássica num lugar em que as pessoas estão habituadas a toda a hora a se mexerem, mudarem de lugar, falarem umas com as outras, filmarem ou tirarem fotos com o seu celular, comprarem água, cerveja, acarajé, etc, você tem um problema. No meio desse movimento pedem a você para colaborar...”- Moça, passe a água a essa senhora por favor...”. As pessoas olham você tentando te rotular de estranha e te ridicularizar pela tua atenção total ao concerto. É como se você estivesse cozinhando a as pessoas passando na frente do fogão constantemente. A música clássica tem, no mundo inteiro, um grande, enorme respeito e admiração. A forma de contribuir enquanto plateia é ter respeito e admiração ficando em silêncio. No mínimo. Em duas horas de concerto, jura que você, com 20 anos de idade, necessita de comprar água, falar, tirar fotos de celular? Não aguenta para beber água ou o que for, depois de finalizar o concerto? Gente, é assustador como a forma como se respeita a música clássica no mundo, varia demais. Existem concertos pelo mundo, principalmente no Natal, para todas as populações. Concertos de rua. E as pessoas ficam de pé, no frio de zero graus, escutando em silêncio. De crianças a pessoas idosas. Sempre me ensinaram que devia ser flexível na Bahia. A Bahia tudo pode, tudo é Bahia. Tenho aprendido e continuarei. Julgo que a Bahia pode aprender um pequeno detalhe com o mundo. Não diminui seu valor cultural nem sua riqueza enquanto povo.
É universal a forma como a música clássica atinge a emoção humana, como nos confronta com o que somos ou o que queremos ser. Como pode guiar nosso pensamento e nosso olhar no mundo. Desde o “efeito Mozart” até a densidade de Sergei Rachmaninoff, existe um universo que vale a pena ser explorado por todos nós. E, principalmente, ser respeitado.
Gosto do Maestro Carlos Prazeres. Vemos claramente que tenta fazer tudo para que as pessoas amem música clássica como ele. Que a entendam, compreendam, admirem. Tenta aproximar mundos, gêneros, interesses. Muito legal. O Bug Latino tem admiração pelo seu trabalho e pelo trabalho da Associação de Amigos do Teatro Castro Alves e agradece o que fazem pela música clássica na Bahia.
Ana Santos, professora, jornalista