Reler, rever, repensar, reconhecer – tudo isso traduz o “Fronteiras do Pensamento – edição Salvador”. Como não adorar? E, adorando – como não querer contribuir para que o de setembro seja ainda mais fascinante?
Leonardo Padura é um escritor de temperamento apaixonado – e só isso já bastaria para adorar ouvi-lo. Para além disso, é um pensador inteligente e um crítico que mantém o raciocínio e o pragmatismo, mesmo sendo fácil atacar com palavras a falta de zelo americana que resulta já em mais de duas centenas de atentados dentro dos estados Unidos, em 2019 – e o ano vai à meio...
Mesmo sendo fácil apontar o dedo para os destemperos paranoicos de Trump, ele apenas nos chama a todos à razão. Não pode ser tão fácil matar e cada presidente de nação deve saber a consequência de se abrir a porta para esta possibilidade. O mesmo em relação ao perigoso começo que escolhemos viver no Brasil – e eu digo escolhemos por me curvar à beleza da democracia, só isso.
Um evento que deseja reunir inteligências, propor pensamentos, alinhar novas ideias, expor papeis é em si mesmo um passo a ser dado por todos os governos que privilegiam a importância do pensar. E o pensamento é a razão e o motivo para nos motivarmos a viver num mundo tantas vezes incompreensível.
A pergunta do Bug Latino foi “o que acha que veio fazer a este mundo”? E a compartilhamos com todos: O que acham que vieram fazer a este mundo? Já pensaram em contribuir de alguma forma?
Abstrato. Mas o pensar é assim: simbolizamos e assim imaginamos formas de (re)ver o mundo. É para isso exatamente que servem as palavras – elas nos ajudam a tecer o que nos é imaginável. E aí está a minha contribuição para o evento: se a ferramenta da leitura é utilizada (e é, muito!), ela deve servir fielmente à palavra falada. Ou seja, o que é lido, deve parecer comunicação oral para fazer sentido. Há uma frase que diz que todo texto precisa de subtexto para ter contexto. O ponto de partida sempre é usar a palavra falada como ferramenta principal a qual todas as outras estão atreladas, seja a escrita, seja a leitura. Sempre. Seja jornalista, escritor, advogado, ator – será sempre assim.
Ana Ribeiro
Diretora de teatro, cinema e TV
Fronteiras do Pensamento é um evento intenso, fundamental e extremamente bem organizado.
Em pleno séc. XXI, por incrível que pareça, as pessoas cada vez têm menos repertório cultural, verbal e cognitivo. Por que diminuíram as conversas mais profundas, as discussões construtivas, o desenvolvimento cognitivo através de estímulos de opiniões diferentes, etc, etc, etc. E, por isso, este tipo de evento se torna essencial para estimular as pessoas a manterem e desenvolverem conversas construtivas e profundas.
Com o tema de “Sentidos da Vida”, este ano o primeiro evento do Fronteiras do Pensamento foi com o escritor Leonardo Padura.
Leonardo Padura leu um texto seu em que aborda as questões do exílio e pertencimento e a influência que isso pode ter num ser humano. Percebe-se que deve ser questionado muitas vezes e que isso o afeta - o fato de viver no seu País, na sua cidade e na casa onde nasceu e onde viveram outras gerações da sua família. Algumas pessoas consideram que “fugir” ou sair é mais fácil, outras escolhem ficar. Nada é mais fácil nem mais difícil. Tudo é difícil porque a vida é difícil. Escolheu viver inteiro, em cada palavra que escreve, que fala e que pensa – me atrevo a dizer. É uma pessoa que sabe quem é e o que luta. Alguém que não foge, que escolhe ficar onde aparenta ser pior, mas que explica bem – é escritor por que vive em Cuba e vemos que ama viver ali, mesmo que existam pessoas que não compreendem. Sabe que o exílio é muito duro e que muda as pessoas, pelo que vê nos seus amigos. Tem isso muito claro e sofre por eles. De alguma forma, quer que todos se olhem e saibam que as escolhas de cada um devem ser respeitadas. Demonstra claramente que sabe que fez a escolha certa. É sempre fascinante ouvir uma pessoa como Leonardo Padura e aprender com ele, confirmar com ele as decisões diferentes que tomamos e que inquietam os que não têm coragem de as tomar. Obrigada. Seus passos e decisões dão conforto e calor aos que também decidem ousadamente e se sentem sós e questionados constantemente. Suas palavras certas e seguras, calmas e pacientes, estimulam outros a resistir aos que se inquietam e perturbam.
Pertencer a um lugar, uma cidade, um país, uma cultura faz de qualquer ser humano um ser de alma em sossego. Todos sabemos como é importante sermos acolhidos nos lugares que vivemos, se por alguma razão já não vivemos onde nascemos. Os que recebem e os que chegam necessitam de saber acolher e aceitar. O mundo está cada vez mais sem fronteiras. É urgente cada um se ver como um ser do mundo, com responsabilidades e tarefas para si e para os outros.
Também adorei que falasse sobre insularidade. Apesar de ter referido que Salvador é de certa forma uma ilha, não é uma ilha. Não prestamos muita atenção mas nossos limites mentais, culturais, de audácia e construção de sonhos, são muito afetados pela geografia e dimensão do lugar ou país em que nascemos. As pessoas que nasceram em países que são ilhas precisam de muito mais coragem para quebrar as barreiras geográficas dentro de si. Países pequenos e que são ilhas ainda mais difícil é o caminho. Por outro lado, pertencer a um país continental como o Brasil, permite a quem aqui nasce, horizontes mentais mais alargados e a noção de espaço emocional e cultural quase ilimitado. Algo que os próprios brasileiros parecem esquecer, por vezes, por que podem ser um povo invencível. Um exemplo.
Sempre desejamos saber a receita ou o caminho que leva ao sucesso de um escritor como Leonardo Padura. E é sempre refrescante saber, no seu caso, que não sabe como os livros aparecem. Mas quando alguma coisa, situação na sua vida lhe diz algo, manifesta em si algo, mexe consigo e lhe dá vontade de escrever ou atuar sobre, começa um livro. Sensacionalmente simples e claro. Não tem magia, não tem truque, tem talento, intuição, coragem, vontade e muito, muito trabalho.
Quem vive nos países onde o consumismo os hipnotiza, fica estupefato ao ouvir alguém tão famoso e talentoso falar que sempre procura levar iogurtes para seu país por que adora e onde vive não tem. Como a vida e Padura nos alerta mais uma vez para sairmos da hipnose de ter o melhor carro, melhor casa, casas...vazios, vazios... Eu já amava iogurtes e a partir de agora pensarei sempre em Leonardo Padura sempre que comer um iogurte. E o farei com muito mais cuidado e importância. Obrigada mais uma vez.
O Bug Latino gostava de ter perguntado a Leonardo Padura o que acha que veio fazer a este mundo. Quem sabe um dia poderemos ouvir a sua resposta. Julgo que uma das coisas que veio fazer foi alertar para o que é realmente importante na nossa vida. Grata demais.
Ana Santos, professora, jornalista
Fronteiras do Pensamento – Salvador 2019