Em cada um de nós há a força da rebeldia de Botero. Aqui na Bahia, essa força se expressou pelas mãos de Eliana Kertész e na exposição FARTURA E ABUNDÂNCIA nós, os “não perfeitos” de qualquer nível, explodimos o - “e daí?”- que levamos entalado na garganta.
Não é para menos. A sociedade gasta tempo e dinheiro nessa lavagem cerebral de que podemos comprar a perfeição de corpos e mentes – enquanto nossa emoção e espírito apodrecem “escondidinho”. Mas quando nos libertamos – e como precisamos dos artistas para nos ajudar – a harmonia das curvas generosas, o equilíbrio dos corpos, o amor da forma como o conhecemos – o bolo da avó, as noites em torno da mesa da cozinha – volta em forma de aceitação e mais do que isso, volta com a alegria das mil gramas além que temos.
Pelos vidros das academias vejo “hamsters reencarnados” em humanos e dentro dos olhos deles há a fartura, a opulência e a negação de padrões que não sejam aqueles baseados na alegria e na felicidade de estar vivo. Dentro dos olhos dos novos “hamsters”, há as gordinhas de Eliana e com ela a possibilidade de se mostrar e ser feliz com coxas grossas em posições absolutamente sensuais, amorosas e fartas.
O espaço do Palacete das Artes já é, em si, a expressão da opulência que está contida na beleza. Ocupá-lo com o contraste das cores, com enooooormes peças nos colocam pequeninos diante da beleza de se assumir.
Quem passa em Ondina sabe disso tudo porque elas estão ali para lembrar do que precisa ser re-permitido – a felicidade de se assumir, seja em que for porque nós merecemos o nosso lugar e não o lugar que indicam que é o nosso.
Um exposição que pode ser espiritual, feminista, emocional e emocionada, tanto quanto pode ser apenas divertida - FARTURA E ABUNDÂNCIA é tudo isso e muito mais. Não a perca!
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Cheguei a Salvador “ontem”. Mas desde o primeiro dia aprendi que no Bairro de Ondina, existe um lugar que serve de referência – “As Gordinhas”.
- Você me dá carona?
- Para onde você vai?
- Perto das “Gordinhas”.
- Onde é?
- Você não deve ser daqui porque todos sabemos onde é a zona de Salvador das “Gordinhas”.
- Não sou mesmo...
Desde que vi a escultura das “Gordinhas” que lembrei de Botero. Não eram muitos os artistas que confrontavam o mundo com os corpos perfeitos e as medidas certas. Agora cada vez tem mais, mas na época de Botero e de Eliana Kertész não era nada fácil. Nada, nada. Talvez a posição social de Eliana Kertész tenha ajudado. Isso foi bom, neste caso, porque possibilitou que novos olhares pudessem ser contemplados. Se fosse uma artista pobre, seria impossível.
Gosto muito de imaginar o seu pensamento de cada vez que criava uma escultura. Existe uma ironia no ar, uma provocação, até um desmascarar da realidade humana. Se prestarmos atenção às esculturas e aos seus nomes, acho que podemos ver muito para além da cerâmica, do bronze, da resina. Isso é muito corajoso da sua parte, num mundo tão conservador e tão estratificado como a Bahia e Salvador.
Nos deixa uma semente. A semente de nunca deixarmos de tentar fazer o que sentimos apelo. Encontrar a nossa forma de corporalizar/fiscalizar/materializar as nossas dores, sofrimentos, mágoas. Sem vergonhas nem medo de fiscalização ou censura. Deixar a nossa dor sair por palavras, por corridas, por esculturas, pintura, desenho, culinária, como você sentir vontade. Como você conseguir. Não precisa ser de uma forma. Pode ser de várias formas. Seja como for, faça, deixe, realize. Não interessa se é o que todos fazem, como todos fazem, como deve ser. Não existe como deve ser quando a nossa dor precisa sair de nós, antes de nos destruir. E isso é um caminho solitário, que temos de fazer. Mas também muito importante para quem somos aqui, neste lugar onde estamos com todos mas temos caminhos a fazer sozinhos. Veja esta exposição. As vezes que puder. Pense como você pode produzir e materializar a sua dor, como Eliana Kertész fez. Um gênio, um talento e uma coragem de fazer o que sentia vontade, mesmo sabendo que na época teria poucas palmas.
Ana Santos, professora, jornalista
Palacete das Artes
https://dimusbahia.wordpress.com/palacete-das-artes-rodin-bahia/