Sim, ele – Shakespeare. E numa montagem inglesa. Talvez o único presente realmente delicioso nascido do COVID-19, não me canso de repetir. Se não, como, de que forma – numa peste que nos afeta o ir e vir, o dinheiro, o trabalho – poderíamos sair de um isolamento social que a irresponsabilidade do líder central parece querer perpetuar ao querer que acabe rápido, para Londres, século XXI, numa montagem incrível, sensacional, inesquecível e – SEM PAGAR NADA?
Não fomos ver SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO nessa última montagem baiana, não porque não quiséssemos, mas apenas porque não conseguimos organizar nossa ida com a produção da peça por mais que tivéssemos tentado. E tentamos muito! Portanto, não há, não houve e não haverá nenhum tipo de comparação possível.
Cenários ultra simples, com luzes complexas e que fazem parte da luz e da sombra que compõe a engrenagem de subida e descida de camas, lençóis e atores - artistas absolutamente completos com grandes e convincentes atuações, além de canto, dança, técnicas de circo, força muscular, domínio do diafragma, dicção, articulação, improvisação – ufa! É uma aula.
O texto, como todos sabem, pertence ao século XVI. Chato? Longo? Muito texto? Bem, se tinha alguma dessas coisas esqueceram de nos avisar porque passamos 2 horas e meia em meio a uma produção bem filmada, sem nada da caixa cênica usual do teatro brasileiro, com o público como um ator coletivo, como um bloco de uma única vontade, obedientes à cenotécnica e aos atores em cena. Palcos que aparecem e são mudados de lugar. Pequenos, muitas vezes espremidos. E o ator escala a cama, desce escadas, atravessa a plateia, pede que ela se afaste, a usa para improvisar - não uma pessoa da plateia – o conjunto denominado plateia, que dança minuetos modernos como um corpo de baile para os atores em cena.
O fato de cantarem, não os impede de modo algum de usar Beyonce como parte de cenas e de atrair a plateia com um espetáculo do século XVI, não esqueçam – mas totalmente revisado na interpretação dada ao texto. Neste espetáculo do século XVI e que tenta não perder nenhuma das falas da forma como Shakespeare as escreveu, temos um conteúdo que aborda gênero, preconceitos e como o amor pode romper com todos eles, encantamentos de amor e suas estranhas interpretações da realidade, sonhos, mágica, luz, câmera, ação, teatro, drama, vida, mundo, tudo. Como não entrar na fantasia de Shakespeare de novo? Como não amar novamente Puck? Um elfo? A magia atrapalhada que os humanos não deveriam perder? Sem pretensão de ser bom, mau, certo, errado. Apenas Puck.
E que interpretações, que direção! Interpretar um texto é um movimento para dentro de si – INterpretar – se fosse para fora de si chamaríamos de EXterpretar, percebem? O que entendemos daquilo? Como mostrar de novo um texto historicamente apresentado milhares de vezes no mundo de tal modo revigora-lo? Repagina-lo? Isso é INterpretar. E acreditem: Shakespeare estaria na primeira fila, aplaudindo.
Vai o link e ele dura até quinta. O Bug pede e eu imploro – separem um turno para verem SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO, peça do século XVI – nova, de vanguarda extrema, com canto, dança, interpretação, Beyonce, improvisação, plateia atuando, dançando, rindo, se movimentando sem se sentir molestada. SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO – montagem inglesa aqui, no inverno da Bahia. Mas com tudo em cima. Um sonho. De verdade.
Ana Ribeiro, diretora de teatro, cinema e TV
Se ama teatro é obrigatório assistir. Obrigatório. Até ao dia 2 de julho de 2020, por isso, seja rápido/a. Mas não perca. Mostre a quem gosta de teatro e se puder, mostre a quem nunca viu teatro. Aos jovens. Uma experiência importante na vida.
Uma das melhores companhias de teatro do mundo, por causa do confinamento, lhe oferece um espetáculo sensacional. Pode doar se tiver condições. Mas se não puder doar, é permitido assistir também. Oportunidade única. Única. Atores sensacionais, completos: atuam, dançam, cantam, cómicos, dramáticos, acrobatas. Fazem tudo MUITO BEM. Jovens. Um novo mundo.
Tento imaginar o que seria, será, poder assistir a este espetáculo ao vivo. Porque assistir pela televisão ou pelo computador já deixa a pessoa extasiada de alegria, felicidade e a sensação de ter estado ali a viver aquele momento.
O cenário que apesar de simples se alterava a toda a hora e surpreendia o público, me recordou do excepcional grupo de teatro “Os Fura Del Baus”, de Barcelona (Espanha), que sempre fizeram espetáculos interativos, mas em que o público sente estresse/stress durante todo o espetáculo e é um dos objetivos das suas peças – provocar desconforto. Mas aqui, o público é convidado a partilhar, a colaborar, a contribuir, mesmo mantendo a “quarta parede”, o que é particularmente exigente para os atores.
Todos os atores são sensacionais, mas dois me conquistaram totalmente: Hammed Animashaun e David Moorst. Nossa, que atores!!! Não admira que já participem em grandes produções mundiais. Outro aspeto que é muito visível é a relação entre os atores, fluída e sem vedetas nem egos. Falamos de atores mundialmente famosos.
Cómico sem ser patético. Aborda o gênero de forma discreta e natural, demonstrando maturidade e ausência de preconceito. Ficaria aqui explicando o espetáculo todo, tamanha a vontade de permanecer nele. Quando vemos, assistimos, vivemos algo especial, é assim. E, neste momento da nossa vida, que já dura 4 meses e provavelmente, durará muitos mais, foi uma alegria tão grande para os meus sentimentos, sensações, imaginário, que estou profundamente agradecida. Profundamente. Quem sabe assisto de novo. Tenho só até dia 2 de julho de 2020 para o fazer. Nunca mais será possível.
Ana Santos, professora, jornalista
Link da peça, até dia 2 de julho de 2020
https://www.youtube.com/watch?v=Punzss5sHto&feature=youtu.be
“A Midsummer Night's Dream”
Comédia Romântica de William Shakespeare
Sinopse
O sonho de uma noite de verão entrega um conto cômico de um antigo triângulo de amor grego, que se desmorona em circunstâncias divertidas na floresta com a ajuda de algumas fadas maliciosas que, no final, convencem os seres humanos de que os estranhos acontecimentos da noite devem ter sido apenas um sonho .
(In https://www.storyboardthat.com/pt/shakespeare-plays/sonho-de-uma-noite-de-ver%C3%A3o)
Diretor: Nicholas Hytner
Produção: Bridge Theatre, Londres, Inglaterra
Elenco: Gwendoline Christie, Oliver Chris, David Moorst, Hammed Animashaun, Kit Young, Jamie-Rose Monk, Chipo Kureya, Lennin Nelson-McClure, Tessa Bonham Jones, Ami Metcalf, Rachel Tolzman, Paul Adeyefa, Charlotte Atkinson, and Jermaine Freeman.
Filmado em 2019, pelo National Theatre Live